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Emerson Feliciano

Executivo, professor e palestrante, comprometido em formar profissionais e organizações mais estratégicas, inovadoras e inteligentes em diversidade racial.

A Anatomia da Liderança Negra

Um passo a passo para conquistar seu lugar à mesa dos líderes no mundo corporativo, mesmo tendo a cor da pele rara nessa posição.

Por Emerson Feliciano
27 nov 2024, 08h00
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 (10'000 Hours/Getty Images)
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E

ra uma manhã ensolarada de primavera. Um jovem negro, terno azul-marinho, camisa branca e gravata vermelha –eu –, sentou-se pela primeira vez à mesa de liderança executiva de uma multinacional. Um lugar onde as decisões eram tomadas. O olhar de outro diretor, anos mais velho, cortou o ambiente. “Ah, você que é o Emerson Feliciano? Eu tinha na minha cabeça uma imagem totalmente diferente de você.”

Agora, coloque-se na mesma mesa de liderança. Sinta o peso das palavras que carregam mais do que surpresa; elas são a marca de um sistema que associa liderança a um padrão restrito, que exclui você antes mesmo de conhecê-lo. Como líder negro ou aspirante a líder negro, esse é o desafio que você precisará enfrentar. Prepare-se.

Se você fosse meu aluno, eu te diria que essa não é apenas a minha ou a sua história. É a de todos nós. Dados do IBGE: negros compõem 54,9% da população brasileira, mas ocupam apenas 4,7% dos cargos de direção (Pedro Jaime, 2024; Franciely Ferreira et al., 2024).

Agora, com o pouco que sei de estatística – e não estamos falando de cálculos avançados –, seria de se esperar que, em um sistema justo, a representação de pessoas negras em cargos de liderança refletisse a proporção da diversidade que vemos nas ruas. 

Mas os números não mentem. Esse descompasso não é coincidência; é um produto direto do racismo estrutural. O racismo é uma lógica que organiza a sociedade, atravessando instituições e consolidando desigualdades. Ele não é apenas um problema individual. Está nas políticas, nas normas, na cultura corporativa. Está no silêncio.

Provavelmente, você já ouviu algo como: “Racismo? Isso não existe, é só se esforçar”. Ou: “Conheço muitos negros em cargos de liderança; quem quer, consegue”. Ah, a meritocracia… Um sistema que só funciona se os pontos de partida forem iguais. Mas, como argumentam Menezes e Mendes (2023), o racismo não dá esse luxo. Ele é um mecanismo que perpetua desigualdades, disfarçado de neutralidade.

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Olhe novamente para os números e reflita: o esforço é realmente a única variável? Sabemos que não é. E aqui está a boa notícia: reconhecer essa realidade não significa derrota. Pelo contrário, é um sinal de inteligência. É aceitar a complexidade do ambiente corporativo e usá-la a seu favor, tomando decisões mais estratégicas, mais informadas e, acima de tudo, mais eficazes.

A partir desse contexto, o grande desafio deste artigo é apresentar o que eu chamo de “A Anatomia da Liderança Negra”, estruturada em dois pilares principais:

  1. Minha experiência pessoal, que, embora não tenha representatividade estatística, pode servir como um guia prático e humano para quem percorre caminhos semelhantes.
  2. Estudos científicos, que respeitam e honram aqueles que vieram antes de nós, conceituaram o que a pessoa negra sempre sentiu e estruturaram isso em forma de conhecimento acadêmico.

O racismo é um mecanismo que perpetua desigualdades, disfarçado de neutralidade.

Meu objetivo é simples, mas ambicioso: oferecer a você um passo a passo para construir sua jornada de modo a conquistar um lugar à mesa de liderança no mundo corporativo. Substituir a caminhada aleatória e intuitiva por uma jornada baseada em evidencias acadêmicas e ancorada em referências reais.

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Afinal, liderar não é apenas ocupar um lugar à mesa da liderança; é construir caminhos para que outros também possam se sentar nela. Você está pronto para começar?

Preparando o terreno para os 6 Passos da Anatomia da Liderança Negra

Se você fosse meu aluno, eu explicaria que, de forma proposital, utilizo o termo “Liderança Negra” para tratar de um conceito que exige uma análise diferenciada. Liderança, no contexto de pessoas negras, precisam de métricas próprias, dadas condições históricas, sociais e econômicas que moldaram o acesso às oportunidades. Como apontam Góis e Machado (2020), o viés de seleção torna qualquer comparação direta um equívoco. É como comparar dois corredores, um começando metros à frente.

É nesse cenário que, neste primeiro momento, te apresento de forma resumida os seis passos que compõem a Anatomia da Liderança Negra. 

Primeiro, reconheça o obstáculo. O racismo existe; é uma estrutura sistêmica. Como Jaime (2024) aponta, o mito da democracia racial apenas encobre desigualdades e evita ações concretas. Reconhecer é o primeiro ato de coragem.

Segundo, reconheça e converta oportunidades. Isso é identificar espaços no mundo corporativo que o racismo tenta sussurrar que não são para você. É olhar para aquela sala de reunião, aquele projeto de alto impacto ou aquela posição estratégica e enxergar não uma barreira, mas uma possibilidade. 

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Terceiro, construa competências antifrágeis. Inspirado em Taleb (2012), o antifrágil é aquilo que não apenas resiste ao caos, mas cresce com ele – uma qualidade essencial para quem busca a liderança negra no mundo corporativo. Adversidades não são o fim; são o meio para se fortalecer e ocupar, com legitimidade, um lugar à mesa de liderança. Pense em competências como domínio de tecnologia e fluência em inglês – habilidades que ampliam seu alcance em um mercado desafiador e globalizado. 

Quarto, construa redes e alianças estratégicas. Como Benetti et al. (2023) mostram, visibilidade e influência dependem de conexões fortes. Liderança não é um esforço solitário.

Quinto, posicione-se profissionalmente com base em valor. Liderança não é só técnica; é propósito. Jaime (2024) defende que autenticidade, originalidade e propósito criam um diferencial estratégico.

Por fim, lidere com propósito e impacto. Ferreira et al. (2024) apontam que a verdadeira liderança negra não é apenas abrir portas para si mesmo, mas para os outros. É transformar realidades.

Adversidades não são o fim; são o meio para se fortalecer e ocupar, com legitimidade, um lugar à mesa de liderança.

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Nesta coluna, exploraremos em detalhes o primeiro passo: reconhecer o obstáculo. Nos próximos artigos – caso o editor permita [nota do editor: eu permito] –, mergulharemos em cada etapa, oferecendo ferramentas práticas para construir sua jornada e conquistar seu lugar à mesa de liderança no mundo corporativo.

Reconhecer o obstáculo: O racismo existe!

Em uma entrevista que reverberou globalmente, a atriz Viola Davis, ganhadora do Oscar, lançou uma frase que ressoou como um grito de indignação: “Eu tenho o mesmo talento que Meryl Streep. O mesmo trabalho duro. Mas não tenho as mesmas oportunidades”. Não se tratava de uma comparação superficial, mas de uma denúncia visceral sobre como o talento e o esforço não são suficientes para superar um sistema que decide quem merece estar no topo.

Se você fosse meu aluno, eu começaria dizendo que esse eco do mundo do entretenimento é igualmente forte no ambiente corporativo. O racismo estrutural não é apenas a soma de atitudes individuais. Ele é um sistema que organiza a sociedade, moldando comportamentos e oportunidades de maneira que perpetua desigualdades. Viola Davis não estava apenas falando sobre Hollywood; ela estava revelando a estrutura que, em qualquer setor, decide quem se senta à mesa de liderança e quem permanece do lado de fora.

No ambiente empresarial, esse racismo muitas vezes se disfarça de meritocracia ou de neutralidade. É sutil, mas devastador. Quando ouvi de um colega executivo que ele “imaginava uma imagem completamente diferente de mim”, entendi que aquela frase carregava mais do que surpresa; carregava o peso de um padrão profundamente enraizado. Um padrão que associa liderança a características que, historicamente, excluem pessoas negras.

Pesquisadores como Menezes e Mendes (2023) apontam que esse sistema se sustenta por meio de um “silêncio cúmplice”, no qual a exclusão racial é naturalizada e raramente questionada. Como Jaime (2024) destaca, esse silêncio é alimentado pelo mito da democracia racial – uma narrativa que sugere igualdade de oportunidades, mas que, na prática, disfarça as desigualdades e impede ações concretas.

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Agora, imagine que você está na posição de Viola Davis – ou talvez na minha. Você tem o talento. Você tem o trabalho duro. Mas, ainda assim, percebe que as portas que deveriam estar abertas permanecem fechadas. Isso não é um caso isolado. É uma estrutura.

Djamila Ribeiro (2017) nos lembra que validar as experiências negras é um ato essencial para desmantelar esse sistema. Ela diz: “Definir e valorizar a consciência do próprio ponto de vista autodefinido é resistir à desumanização essencial aos sistemas de dominação”. No mundo corporativo, essa validação não é apenas necessária; é revolucionária. Porque, muitas vezes, as histórias negras são silenciadas, invisibilizadas ou minimizadas, dificultando ainda mais o acesso à liderança.

Além disso, o impacto do racismo vai além das barreiras tangíveis. Marcelino e Moraes (2024) destacam que ele atinge profundamente a saúde mental e emocional dos profissionais negros, criando barreiras invisíveis que são igualmente devastadoras. É um ciclo que se retroalimenta: a falta de representatividade reforça a ideia de que certos espaços não pertencem a pessoas negras, perpetuando a exclusão.

Reconhecer o racismo como o principal obstáculo à liderança negra é um ato de consciência e libertação. Não é apenas apontar o problema, mas também entender suas raízes e como ele se perpetua. Como Benetti et al. (2023) argumentam, romper esse ciclo exige representatividade visível e mudanças sistêmicas profundas.

Viola Davis terminou seu discurso com uma frase contundente: “Você não pode vencer um prêmio pelo papel que nunca teve a chance de interpretar”. No mundo corporativo, a lógica é a mesma. Não se pode ocupar um lugar à mesa da liderança quando as oportunidades sequer existem para você.

Escolha sua pílula

Neste ponto, quero que você visualize a cena icônica do filme Matrix: Neo, diante de Morpheus, com duas pílulas à sua frente. A azul representa o conforto da ignorância, a aceitação do mundo como ele é, mesmo que seja uma ilusão. A vermelha simboliza o despertar, a escolha de enxergar a realidade como ela realmente é, por mais desconfortável que seja.

Se você escolher a pílula azul, continuará a ignorar as dinâmicas do racismo estrutural que moldam as oportunidades ao seu redor. Talvez até viva com menos conflitos, mas às custas de uma visão limitada e conivente com as desigualdades.

Mas, se escolher a pílula vermelha, aceitará o desafio de se manter atento, questionar padrões e, acima de tudo, agir. Escolher a pílula vermelha é o primeiro passo de uma jornada que exige coragem, consciência e ação. É reconhecer que o caminho para a liderança inclusiva e transformadora começa pela lucidez diante da realidade.

Qual será a sua escolha? A decisão é sua, e moldará sua jornada.

Se você fosse meu aluno, eu te diria: te vejo no próximo artigo/aula. 

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