Resiliência e desenvolvimento pessoal em “À Procura da Felicidade”
O filme é uma referência incontornável, e inspiradora, para quem busca realização profissional mesmo diante de um inferno de adversidades.
O cinema é paixão antiga. Minha primeira faculdade (não concluída) foi de Cinema, na FAAP. Dali veio a parte da minha vida em que fui um cinéfilo doente. Doente mesmo, a ponto de não medir consequências de minhas ações por conta desse amor. O exemplo máximo: em 2005, sem nenhuma experiência ou noção de como administrar um negócio, empreendi na área editorial criando uma revista de cinema e uma editora para viabilizar o produto. Calma lá… minha atual empregadora, a Abril, nunca precisou se preocupar com essa concorrência. Apesar de durar três anos, essa revista impressa era direcionada para um nicho do nicho (os amantes de filmes “difíceis”) e, claro, só deu prejuízo. Vendi meu carro, entreguei o apartamento onde morava de aluguel, voltando a morar com os pais… e me endividei todo.
Também programava as minhas férias nos empregos para que coincidissem com o período da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e cheguei a ser crítico de filmes em algumas publicações conhecidas. Na Abril, escrevi sozinho quatro edições temáticas sobre filmes para a Superinteressante. Mas minha jornada de empreendedor movida por uma paixão não teve o mesmo final feliz que a história real de Chris Gardner, interpretado nas telas por Will Smith no filme À Procura da Felicidade.
Começo essa coluna de cinema e carreira sem me alongar na história do longa-metragem, que é de 2006, teve bastante sucesso e a maioria aqui já assistiu. Mas vamos apenas aquecer a memória com o argumento: Chris é o vendedor autônomo de uma geringonça para uso de ortopedistas que custa muito mais que os benefícios que ela oferece para o escaneamento de densidade óssea. O cara investiu toda a grana da família achando que ia fazer fortuna vendendo o troço, mas poucos médicos topavam comprar. E ele acaba superendividado, o que lhe traz as piores dificuldades.
Eu tive uma revista de cinema, eu sei o que é estar afundado em dívidas. Um pneu furado pode virar uma história de terror para quem não tem dinheiro na conta nem crédito em banco nenhum. Foi assim com ele. Perdeu o carro, perdeu a casa, foi expulso do motel para onde se mudou por falta de pagamento. Na parte mais pungente do filme, nosso protagonista, sem ter onde passar a noite, dorme com seu filhinho de 5 anos num banheiro de metrô. Complicado.
Mas Chris tem sua redenção. Come o pão que o diabo amassou para, enquanto tenta empurrar o tal scanner para médicos bonzinhos, fazer parte de um estágio como corretor de ações, sua luz no fim do túnel. Como tudo é difícil para ele, o estágio não é remunerado. Mas Chris Gardner sempre foi o melhor aluno em tudo que estudou, e é o homem mais esforçado e disciplinado da face da Terra. Então, no final (desculpe, esta coluna vai ter spoilers), é premiado com um emprego de verdade na empresa. A felicidade de que fala o título do filme. Deu-se tão bem que hoje é CEO de sua própria empresa, é palestrante motivacional e tem uma fortuna estimada em US$ 600 milhões. Nada mal para quem dormia em abrigos do governo ou no banheiro do metrô.
O mais resiliente dos personagens
Das muitas lições que o filme nos dá sobre o que fazer e o que não fazer na vida profissional, duas se destacam. A primeira, que poderia estar no título do filme, é a resiliência. Enfrentando a falta de moradia, a responsabilidade de criar um filho sozinho (a mãe já abandonou o barco) e inúmeros obstáculos profissionais, ele nunca desiste de seu sonho de virar uma estrela do mercado financeiro. Essa persistência é uma qualidade indispensável para qualquer empreendedor.
A segunda diz respeito ao aprendizado contínuo. Chris está sempre buscando aprender e melhorar. Seja estudando para o exame que vai efetivar apenas um entre 20 estagiários, mesmo não tendo a formação acadêmica de seus concorrentes, ou descobrindo como resolver um cubo mágico (a história se passa nos anos 1980), ele exemplifica a mentalidade de autodesenvolvimento essencial para o sucesso em qualquer profissão.
Chris também é bom de papo e de networking. E o filme destaca essa importância das conexões profissionais. O homem cultiva relacionamentos estratégicos, vai direto aos figurões do mercado – até porque, na situação desesperadora em que se encontra, precisa pular etapas. Mas, se consegue êxito em sua jornada heroica no estágio que não lhe dá um tostão, é porque, acima de tudo, junta a resiliência com um comprometimento férreo à excelência. Mesmo enfrentando as piores circunstâncias pessoais (chega a ser preso por um acúmulo de multas de trânsito não pagas), Gardner se dedica integralmente ao seu objetivo. Ele chega cedo ao estágio e, como precisa sair antes dos outros para pegar o filho na creche, faz uma gestão de tempo obstinada. Não bebe água durante o expediente para não ter de ir ao banheiro e assim aproveitar esse tempo ligando para mais clientes em potencial. O cara é uma máquina de fazer cálculos de cada segundo do seu dia.
O público amplo desse meu amor que é o cinema vê, nessa procura da felicidade, um drama pessoal com um final feliz. Mas quem buscar lições para a trajetória no mundo do trabalho vai ter uma aula magna de resiliência, empreendedorismo e desenvolvimento de carreira. Um curso intensivo, de duas horas, sobre a importância da perseverança e da resiliência face às adversidades; o valor da adaptabilidade e da disposição para assumir riscos calculados; a necessidade de aprendizado contínuo e do desenvolvimento de habilidades; o papel indispensável da inteligência emocional.
Ainda poderá refletir sobre quão importante é manter o foco em objetivos de longo prazo, mesmo diante de desafios imediatos. O tom inspirador ajuda muito a absorver esses conceitos, incutindo no seu cérebro que, com determinação, trabalho árduo e uma mentalidade resiliente, é possível superar até mesmo os obstáculos mais desafiadores em nossa busca por realização profissional e pessoal. Soei piegas agora, eu sei; melodramas como esse têm um lado assim que chega a incomodar as pessoas menos comovidas. Mas, seja para quem for, o filme com Will Smith é uma obra incontornável para quem quer juntar o prazer das telas à procura desse sentimento que Chris Gardner tem ao atingir seu objetivo. Uma referência tão forte que, mesmo sob o risco de começar esta coluna com uma obviedade, preferi estrear logo com ela. Porque, se você ainda precisa começar sua perseguição à felicidade, que seja hoje mesmo.