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Memória: entenda como ela funciona, e aprenda a turbiná-la

Esquecer-se de compromissos e tarefas do dia a dia atrapalha a sua rotina. Já para o seu cérebro, é sinal de eficiência. Entenda como surgem as memórias e como evitar que elas desapareçam antes da hora.

Por Bruno Carbinatto | Ilustração: Felipe Portugal | Design: Brenna Oriá | Edição: Tássia Kastner
10 mar 2023, 06h33
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ente se lembrar do seu primeiro beijo. Não importa quanto tempo tenha passado, é bem provável que você se recorde não apenas do fato em si, mas de vários detalhes extras: o cenário, as roupas que vestiam, talvez alguma música que tocava…

Agora tente se lembrar do seu décimo beijo. Missão impossível – a não ser que você tenha uma supermemória ou que mantenha algum registro bizarro de todos os seus dates. É um esquecimento normal. Seu cérebro precisa de espaço para outras memórias, mais importantes que nomes de pessoas que você provavelmente nunca mais verá na vida. 

Um dos manda-chuvas desse processo de guardar e deletar informações é o tempo. É normal apagar do cérebro o nome da sua professora da quinta série, uma informação inútil décadas depois que você deixou a escola. O passar dos anos transforma aquela informação em algo desnecessário, cada vez mais escondida em um escaninho do seu cérebro até o esquecimento completo.

Só tem um problema: é igualmente normal esquecer o nome da pessoa que você conheceu há cinco minutos, e com quem você vai continuar conversando em uma festa ou numa reunião de trabalho. Seu cérebro teve poucos segundos para focar a atenção naquela informação e já trocou de tarefa – a conversa em si, provavelmente. 

O resultado é que você não consegue chamar aquele alguém pelo nome e vai ficando constrangido, um esquecimento pode ter consequências negativas na vida pessoal e profissional. Se você quer construir uma rede de contatos profissionais, não dá para apagar nomes.

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E esse nem de longe é o único tipo de esquecimento que afeta o dia a dia. Nossa rotina é como uma lista interminável de tarefas, e um verdadeiro jogo de memória. Participar de uma reunião às 10h, outra às 13h e mais uma às 16h; mandar mensagem para aquele amigo que faz aniversário; escrever um relatório para o chefe; pagar as contas do mês; recarregar o celular antes de sair de casa; pegar os fones de ouvido; lembrar de passar no mercado e comprar leite; onde foi mesmo que deixei a chave do carro? Já são 16h05, e você se esqueceu da reunião. 

Se você se identificou, não se preocupe. Não é sinal de que há algo de errado com seu cérebro. Pelo contrário: mostra que ele provavelmente está funcionando como deveria. 

Mas por que, afinal, nos lembramos de algumas coisas, mas não de outras? E dá para evitar esses esquecimentos naturais, mas irritantes? Veremos a seguir.

Como lembramos

Falar em “memória” no singular é, na verdade, uma simplificação. Não existe apenas uma única habilidade humana que podemos chamar assim. Seu cérebro tem vários mecanismos distintos, e relativamente independentes, para guardar informações.

Lembrar como andar de bicicleta e dirigir (a chamada memória muscular) é diferente de lembrar que Buenos Aires é a capital da Argentina (memória semântica) – o que, por sua vez, não é o mesmo mecanismo que te leva a lembrar do seu primeiro beijo (memória episódica) ou de, depois do expediente, passar no mercado e comprar o leite, porque de manhã você notou que ele acabou (memória prospectiva). Uma pessoa pode ter problemas com um desses mecanismos, mas não com os outros.

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Mesmo a criação e o armazenamento de uma memória específica é um processo complexo, que envolve várias partes do cérebro ao mesmo tempo. Elisa Resende, vice-coordenadora de neurologia cognitiva da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), explica que, em linhas gerais, são duas áreas do órgão que protagonizam essa jornada: o lobo frontal e o lobo temporal.

O lobo frontal, que fica logo atrás da testa, é o responsável por coletar as informações que, futuramente, serão gravadas no cérebro. Ele até consegue armazená-las, mas por um curtíssimo período de tempo, de modo que nem dá para chamar de memória em si. É como quando alguém dita um número de telefone e você fica repetindo a si mesmo enquanto pega o celular para digitá-lo. A informação é guardada de forma muito frágil: se algo interrompe no caminho, ela provavelmente se perde. Morreu no lobo frontal. É o mesmo quando alguém se apresenta a você pela primeira vez.

O lobo temporal, mais profundo no seu cérebro, é o lugar onde as informações coletadas pelo lobo frontal se tornam memórias. Esse processo se chama codificação, ou seja, os dados são “traduzidos” pelo cérebro em forma de sinapses, ligações dos neurônios que armazenam informações. 

Alguns fatores influenciam na escolha do que será codificado ou não. Uma delas é a atenção: quanto mais você foca em uma informação, mais seu cérebro entende que precisa guardá-la. Já as coisas que você apenas observa en passant, como a roupa que um colega de trabalho vestia na semana passada, vão passar batido. 

Outro fator é a emoção: fatos que evocam sentimentos fortes, sejam positivos ou negativos, tendem a ser codificados pelo cérebro (a exceção aqui são os traumas –  como estratégia de defesa, ele pode escolher excluí-los propositalmente).

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Uma subfase da codificação é a associação – quando dados aparentemente desconexos são “salvos” no seu cérebro de forma conectada. Uma melodia de uma música, por exemplo, pode remeter a um acontecimento específico em que ela tocou – e as informações provavelmente estão na mesma rede neural.

Depois da codificação, vem a fase do armazenamento. É quando esses dados são de fato cristalizados em seu cérebro, tornando-se uma memória de maior prazo. Isso acontece o tempo todo, mas principalmente durante o sono, o período de “faxina cerebral”.

A última fase é a recuperação, ou seja, buscar a informação armazenada de volta à superfície da consciência. Não é um processo fácil, nem passivo. Se você já ficou alguns segundos “fazendo força” para se lembrar de uma palavra específica quando “deu branco”, provavelmente estava com dificuldades nessa etapa.

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(Felipe Portugal/VOCÊ S/A)
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(Felipe Portugal/VOCÊ S/A)
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(Felipe Portugal/VOCÊ S/A)

Como esquecemos

“Muitos pensam o esquecimento como um fenômeno passivo, a simples perda de uma memória. Mas não: ele é um processo ativo”, explica Elisa Resende. 

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Seu cérebro a todo momento está selecionando quais informações manter e quais excluir. É um trabalho essencial para abrir espaço para novas memórias. O problema é que se trata de um processo inconsciente – e nem sempre sua mente e você concordam com o que querem esquecer.

Afinal, a evolução fez nosso inconsciente focar em sobreviver. O cérebro não está adaptado para a vida moderna e, por isso, esquece informações que para ele são inúteis, mas que você gostaria de guardar.

Se pudéssemos escolher, concordaríamos em não saber o que comemos na quarta-feira da semana passada, o nome daquele primo de segundo grau que só vemos uma vez a cada cinco anos ou o número de telefone da moça do RH. Mas gostaríamos de lembrar de levar um relatório para o trabalho amanhã, de sempre trancar a porta ao sair e de responder àquela mensagem em um grupo do WhatsApp, lida e ignorada por falta de tempo. 

Grande parte do que seu cérebro considera inútil e deleta está na chamada “memória prospectiva”, a memória do que ainda vai acontecer: a lista de tarefas, não só do dia, mas da vida em geral. É como se você lembrasse agora que, no futuro, terá que se lembrar de fazer algo. 

Em outras palavras, é mais ou menos como programar uma memória para surgir depois. Mas seu cérebro não tem alarme, e esse tipo de lembrança é extremamente frágil. Você precisa de um gatilho para que ela volte a sua mente na hora correta. É por isso que devemos dar uma mãozinha para o cérebro. Veja como abaixo.

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(Felipe Portugal/VOCÊ S/A)
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