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Como aproveitar melhor o tempo livre – e por que isso importa

Em novo livro, Mihaly Csikszentmihalyi, criador do conceito de "flow", explica que nem todo ócio é igual – e que saber valorizar o lazer é um ponto chave para atingir uma vida mais equilibrada e feliz.

Por Bruno Carbinatto
10 fev 2023, 07h20

O psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi se aventurou no estudo de um dos aspectos mais abstratos da existência humana: a felicidade. Suas décadas de estudo buscaram investigar, de maneira científica, se existe uma fórmula para alcançá-la.

Fórmula ele não encontrou, mas Csikszentmihalyi chegou ao conceito de “flow” (“fluxo”)  – um estado mental que ocorre quando alguém realiza uma atividade ao mesmo tempo desafiadora e prazerosa, sentindo-se totalmente absorvido, imerso. No fluxo, o indivíduo perde a noção tradicional do tempo e espaço enquanto se sente num misto de prazer, foco e alta energia.

O pulo do gato: o pesquisador descobriu que quem se considera mais feliz vive momentos de fluxo mais frequentemente. Em seus estudos, Csikszentmihalyi constatou que atletas, músicos, cirurgiões e outros profissionais que se sentiam desafiados a melhorar sempre eram mais satisfeitos com a vida em geral – justamente porque passavam por fluxos no dia a dia. E isso mesmo quando muitos desses profissionais tinham motivos para se sentir infelizes (como ter passado por acontecimentos traumáticos).

O fluxo não vale só para a vida profissional. Também é possível cultivá-lo no tempo livre e nas relações pessoais. Em seu novo livro, Flow – Guia Prático, Mihaly Csikszentmihalyi explica estratégias e ferramentas para encontrar atividades que resultem em mais fluxos no dia a dia, cultivando assim um estilo de vida prazeroso, equilibrado… Feliz.

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No trecho a seguir, o autor explica que nem todo lazer é igual, e que algumas atividades no tempo livre geram mais momentos de fluxo. Portanto, aprender a aproveitar o ócio é um dos passos para uma vida melhor.

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Capítulo 5 – Os riscos e as oportunidades do lazer

 

Pode parecer um pouco ridículo dizer que um dos problemas que enfrentamos a esta altura é ainda não termos aprendido a aproveitar o tempo livre de maneira sensata. No entanto, essa é uma preocupação que já foi expressa muitas vezes desde meados do século 20. Em 1958, o Group for the Advancement of Psychiatry concluiu seu relatório anual com a afirmação: “Para muitos norte-americanos, o lazer é perigoso”. Outros afirmaram que o sucesso dos Estados Unidos como civilização vai depender da forma como usamos nosso tempo livre. O que poderia justificar advertências tão graves? Antes de responder a essa pergunta sobre os efeitos do lazer na sociedade, entretanto, é válido fazer uma reflexão sobre como o indivíduo comum é afetado pelo lazer. Os efeitos históricos, nesse caso, são a soma de experiências particulares; logo, entendê-las primeiro é de grande valia. 

Por uma série de razões já debatidas [neste livro], passamos a supor que ter tempo livre é uma das metas mais desejáveis a que podemos aspirar. Enquanto o trabalho é visto como um mal necessário, poder relaxar e não ter nada para fazer parece, para a maioria das pessoas, o caminho indiscutível para a felicidade. O senso comum é de que não é preciso aprender nenhuma habilidade para aproveitar o tempo livre, e que qualquer um pode fazê-lo. No entanto, as evidências sugerem o contrário: é mais difícil aproveitar o tempo livre do que o trabalho. Ter tempo livre à disposição não melhora a qualidade de vida de ninguém, a menos que se saiba usá-lo de forma eficaz, e isso não é algo que se aprende automaticamente. 

Na virada do século 19 para o 20, o psicanalista Sándor Ferenczi já apontava que, aos domingos, seus pacientes tinham crises de histeria e depressão com mais frequência do que durante o resto da semana; ele chamou essa síndrome de “neurose dominical”. Desde então, tem sido observado que feriados e férias são períodos de aumento da perturbação psicológica. Para pessoas que se identificaram com seu trabalho durante toda a vida, a aposentadoria costuma ser uma transição para a depressão crônica. […]

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Todas essas evidências apontam para o fato de que o indivíduo médio é mal preparado para ficar ocioso. Sem metas nem companhia com quem interagir, a maioria das pessoas começa a perder a motivação e a concentração. A mente passa a divagar e, na maioria das vezes, se concentra em problemas insolúveis que geram ansiedade. Para evitar essa condição indesejável, a pessoa recorre a estratégias a fim de afastar o pior da entropia psíquica. Sem necessariamente estar ciente disso, ela buscará estímulos que filtrem da consciência as fontes de ansiedade: pode ser ver televisão ou ler narrativas previsíveis, como livros românticos ou de mistério, ou envolver-se obsessivamente com apostas ou promiscuidade sexual, ou fazer uso abusivo de álcool ou drogas. Essas são formas rápidas de reduzir o caos na consciência a curto prazo, mas o único resíduo que costumam deixar para trás é um sentimento de insatisfação apática.

Ao que parece, nosso sistema nervoso evoluiu para prestar atenção aos sinais externos, mas não teve tempo de se adaptar a longos períodos de ausência de obstáculos e perigos. Poucas pessoas aprendem a estruturar sua energia psíquica de forma autônoma, de dentro para fora. Nas sociedades bem-sucedidas onde os adultos tinham tempo livre, foram desenvolvidas práticas culturais elaboradas para manter a mente ocupada. Elas incluíam ciclos complexos de cerimônias, danças e competições que chegavam a durar dias e semanas a fio — como os Jogos Olímpicos, que tiveram início no despertar da história da Europa. 

Ainda que carecesse de atividades religiosas ou estéticas, cada aldeia oferecia infinitas oportunidades para fofocas e discussões; debaixo da maior árvore da praça, homens desocupados se sentavam para fumar cachimbo ou mastigar folhas e frutos ligeiramente alucinógenos, e mantinham a mente organizada por meio de conversas previsíveis. Até hoje esse é o padrão seguido pelos homens ociosos nas cafeterias do Mediterrâneo ou nas cervejarias do norte da Europa. 

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Esses métodos para evitar o caos na consciência funcionam até certo ponto, mas raramente contribuem para uma qualidade positiva da experiência. Como vimos, os seres humanos se sentem melhor no flow, quando estão totalmente envolvidos em um desafio, na solução de um problema, na descoberta de algo novo. A maioria das atividades que produzem flow também tem objetivos e regras claros, além de feedback imediato — um conjunto de demandas externas que concentra nossa atenção e requer nossas habilidades. Essas são justamente as condições que mais costumam estar ausentes no tempo livre. É claro que, se alguém usa o lazer para praticar um esporte, uma expressão artística ou um hobby, os requisitos para o flow estarão presentes. Mas apenas o tempo livre, sem nada específico para capturar a atenção, fornece o oposto do flow: a entropia psíquica, na qual a pessoa se sente letárgica e apática. 

Nem todas as atividades de tempo livre são iguais. Uma distinção importante a ser feita é entre o lazer ativo e o lazer passivo, que têm efeitos psicológicos bem diferentes. Por exemplo, os adolescentes norte-americanos experimentam o flow (descrito como momentos de alto grau de desafio e grande exigência de habilidade) em cerca de 13% do tempo em que estão vendo televisão, 34% do tempo em que se dedicam a hobbies e 44% do tempo em que estão envolvidos em esportes e jogos. 

Isso sugere que os hobbies são cerca de duas vezes e meia mais propensos a produzir um estado de prazer elevado do que a TV, e jogos e esportes ativos cerca de três vezes mais. No entanto, esses mesmos adolescentes gastam pelo menos quatro vezes mais tempo vendo televisão do que se dedicando a hobbies ou esportes. Proporções semelhantes também são observadas entre os adultos. Por que gastamos quatro vezes mais tempo fazendo algo que tem menos da metade da probabilidade de nos proporcionar bem-estar? 

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Quando fazemos essa pergunta aos participantes de nossos estudos, começa a aparecer uma explicação consistente. O adolescente típico admite que andar de bicicleta, jogar basquete ou tocar piano são atividades mais agradáveis do que passear no shopping ou ver televisão. Mas, segundo eles, organizar uma partida de basquete leva tempo — é preciso trocar de roupa, tomar providências. A cada vez que uma pessoa se senta ao piano, demora pelo menos uma meia hora de prática, muitas vezes maçante, até que a coisa comece a ficar divertida. Em outras palavras, cada uma das atividades produtoras de flow requer um investimento inicial de atenção antes de começar a se mostrar agradável. É preciso uma reserva de “energia de ativação” para desfrutar de atividades complexas. Se uma pessoa está muito cansada, ansiosa ou carece de disciplina para superar esse obstáculo inicial, ela terá que se contentar com algo que, embora menos agradável, é mais acessível.

É aqui que entram as atividades de “lazer passivo”. Sair com os amigos, ler um livro fácil ou ligar a televisão são atividades que não exigem muito em termos de gasto inicial de energia. Não requerem habilidade nem concentração. Assim, o consumo de lazer passivo se torna muitas vezes a opção preferida não só dos adolescentes, mas também dos adultos.

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Não é que relaxar seja ruim. Todo mundo precisa de tempo para relaxar, ler livros banais, ficar sentado no sofá olhando para o espaço ou vendo um programa na televisão. Tal como acontece com os outros ingredientes da vida, o importante é a dosagem. O lazer passivo se torna um problema quando uma pessoa o utiliza como a principal — ou única — estratégia para preencher o tempo livre. À medida que se transformam em hábitos, esses padrões começam a ter efeitos determinantes na qualidade de vida como um todo. Aqueles que passam a contar com os jogos de azar para passar o tempo, por exemplo, podem se ver presos a um hábito que interfere no trabalho, na família e, por fim, em seu próprio bem-estar. Pessoas que veem televisão com mais frequência do que a média também tendem a ter empregos e relacionamentos de pior qualidade. Em um estudo em larga escala feito na Alemanha, descobriu-se que quanto maior o volume de leitura relatado pelas pessoas, mais experiências de flow elas afirmavam ter, enquanto a tendência oposta foi observada entre os que viam televisão. O maior grau de flow foi relatado por indivíduos que liam muito e dedicavam pouco tempo à tevê, e o menor por aqueles que liam pouco e viam televisão com frequência.  

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(Arte/VOCÊ S/A)
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