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Como mudar velhos hábitos, segundo a ciência

Em seu novo livro, a cientista comportamental Katy Milkman explica porque a mudança de rotina é algo tão difícil – e dá dicas de como conquistá-la.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 12 set 2022, 09h32 - Publicado em 11 Maio 2022, 06h39

Começar academia, fazer dieta, ler mais livros, dormir mais cedo e reduzir o tempo no celular. Uma lista de metas comuns nos finais de ano – de todos os anos. E que dificilmente é cumprida por mais de três semanas, como todos sabemos.

A dificuldade em promover guinadas comportamentais em nossas vidas não se limita aos primeiros dias do ano. Estima-se que 40% das mortes prematuras nos EUA sejam resultado de comportamentos passíveis de mudança, como decisões relacionadas ao consumo de alimentos, bebidas, cigarros. São centenas de milhares de mortes que poderiam ser evitadas.

Mas por que é tão difícil abandonar velhos hábitos e criar uma nova rotina? A primeira resposta, mais óbvia: mudar é algo complexo por natureza. Há, porém, um detalhe: dificilmente conseguimos grandes guinadas na nossa vida porque tendemos a buscá-las rapidamente, sem antes nos livrarmos de certos obstáculos no meio do caminho.

É essa a tese de Katy Milkman, cientista comportamental e autora de Como mudar, seu mais novo livro. Na obra, a autora dedica um capítulo para cada um dos obstáculos que considera desafios para mudanças – impulsividade, procrastinação, esquecimento, preguiça, autoconfiança e conformidade. 

Com histórias reais e exemplos didáticos, Milkman traz o que há de mais recente na ciência comportamental quando o assunto é abandonar velhos hábitos. No trecho a seguir, ela explica como um mecanismo monetário – fazer os erros doerem no bolso – pode ser eficaz para combater os maus hábitos.

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CAPÍTULO 3 – DISPOSITIVOS DE COMPROMETIMENTO MONETÁRIO

Imagine um grande e suculento cheeseburguer. Ele tem todos os extras que você adora: alface, tomate, cebola, bacon, seja lá o que lhe der mais água na boca, e exala um aroma incrível. Se você estivesse almoçando fora com um amigo e o garçom servisse esse sanduíche na mesa ao lado, você não ia querer um também? 

Mas e se você tivesse acabado de prometer a si mesmo começar a ter uma alimentação mais saudável? Será que conseguiria resistir? 

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É essa a pergunta feita a meus alunos de MBA na Wharton School todos os anos pelo palestrante convidado Jordan Goldberg. Jordan é um dos fundadores da stickK, empresa cujos dados eu e meus colegas analisamos para determinar se as pessoas têm mais probabilidade de fixar objetivos após datas de recomeço. 

Depois de Jordan fazer meus alunos considerarem essa situação do sanduíche, a sala é invariavelmente tomada por murmúrios. Todos os alunos gostam de acreditar que teriam força de vontade suficiente para resistir, mas a maioria se conhece bem o suficiente para admitir que talvez pedisse o cheeseburguer. 

Jordan, então, faz uma pergunta mais fácil: e se você soubesse que ficaria devendo quinhentos dólares a alguém se comesse o cheeseburguer? Pensaria muito mais antes de ceder à saborosa tentação, correto? 

Todo mundo assente, inclusive eu. Não há nada de controverso nessa decisão. 

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Com essas perguntas, Jordan apresenta a meus alunos um tipo incomum de dispositivo de comprometimento, um dispositivo que o ajuda a manter seus planos obrigando-o a literalmente pagar se não o fizer. Eu chamo esses dispositivos de “dispositivos de comprometimento monetário”, e há várias empresas que os oferecem aos consumidores. Até hoje, centenas de milhares de pessoas tentaram usar dispositivos de comprometimento monetário, e eles se revelam bastante práticos. Tudo que você precisa fazer é fixar um objetivo, escolher alguém (ou alguma tecnologia) para monitorar de forma precisa o seu progresso, e pôr em jogo um dinheiro que terá de ceder a um terceiro em caso de fracasso. (Você pode especificar se quer que o dinheiro vá para determinada pessoa ou instituição de caridade e, para garantir que o fracasso realmente doa, pode até escolher uma instituição de caridade que detesta — uma “anticaridade” — como uma que defenda o direito de acesso ou o controle das armas, dependendo da sua posição política.) Pode comprometer quantias pequenas, mas, de modo nada surpreendente, quanto maior a quantia em jogo, maiores as taxas de sucesso (…) 

(…) Não faz muito tempo, conversei com o escritor e empreendedor da área de tecnologia Nick Winter, que usou um dispositivo de comprometimento monetário para ajudar a mudar o curso de sua vida. Em 2012, aos 26 anos de idade, Nick era um programador de software que sentia que sua vida não estava correspondendo às próprias expectativas. Insatisfeito e frustrado, fez a si mesmo as seguintes perguntas: “O que posso fazer para deixar minha vida mais completa, mais gratificante? O que me deixaria empolgado? Como eu quero viver?”. 

Enquanto refletia sobre essas questões, contou-me Nick, ele se deu conta de que a aventura estava dolorosamente ausente do seu dia a dia. Sim, ele adorava programar e tinha um emprego gratificante, mas a coisa mais empolgante que tinha feito nos últimos tempos fora ir malhar na academia. A segunda revelação que Nick teve foi que não estava usando suficientemente o lado artístico do seu cérebro. Ele queria fazer algo mais criativo. 

Impulsionado por essas revelações, Nick resolveu se transformar num aventureiro com interesses variados — paraquedismo, aprender a andar de skate, aprender a ter sonhos lúcidos, diminuir em cinco minutos seu tempo para fazer cinco quilômetros correndo e muito, muito mais — e escrever um livro sobre essa transformação. Ele deu a si mesmo três meses para fazer tudo. 

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Veja bem, Nick não tinha nenhuma ilusão. Sabia que seria difícil realizar uma mudança de vida tão grande num tempo tão curto. E tinha quase certeza de que o simples fato de anunciar seus planos para os amigos não bastaria (mas foi por aí que ele começou, para pelo menos ficar com vergonha se não conseguisse progredir). Ele tinha certeza de que, para alcançar seus objetivos, precisava aumentar as apostas. Então ficou intrigado ao ouvir falar numa empresa disposta a lhe vender um tipo muito incomum de contrato. Funcionava assim: Nick concordaria em pagar uma multa enorme, por volta de 14 mil dólares, se não escrevesse um livro e saltasse de paraquedas em três meses.

Talvez para um bilionário 14 mil dólares seja um trocado, mas Nick não era rico. Ele estava pondo em risco quase todo o saldo da sua conta bancária, o que, a seu ver, não lhe deixava outra alternativa a não ser escrever o livro e saltar do avião. 

Munido de um grande incentivo para fazer isso, em menos de três meses Nick escreveu um livro (de razoável sucesso!) sobre suas aventuras: The Motivation Hacker [O Hacker da Motivação]. Além disso, saltou de paraquedas com a namorada, feito que talvez lhe dê mais orgulho ainda, já que sempre tivera medo de altura. 

Adoro a história de Nick porque ela ilustra muito bem o poder e a simplicidade dos dispositivos de comprometimento monetário. Ela também destaca um aspecto um tanto contraditório desses dispositivos. Por um lado, quando os usamos, estamos contrariando as leis clássicas da economia, segundo as quais mais liberdade é melhor do que menos. Mas, por outro lado, estamos também nos apoiando muito na economia clássica, que recomenda aumentar o preço dos comportamentos indesejados ou impor restrições para desincentivá-los. São essas justamente as soluções que a economia preconiza; por exemplo, taxar os cigarros e as bebidas alcoólicas ou proibir a maconha para reduzir o consumo.

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Os comprometimentos monetários, assim como outros tipos de incentivo, são particularmente práticos por serem muito versáteis, bem mais do que outros tipos de dispositivos de comprometimento que exigem, por exemplo, um aplicativo para travar seu smartphone após um tempo de uso excessivo ou um cassino que vai impedir sua entrada depois de você se inscrever numa lista de autoexclusão. Tudo que você precisa é de um dinheiro que não quer perder e de alguém (ou alguma coisa) para monitorar seu progresso. 

Um problema real, claro, é que os dispositivos de comprometimento monetário soam bem bizarros para algumas pessoas. Afinal, você está literalmente se inscrevendo para pagar multas! Mas o fato é que, mesmo contrariando o bom senso, eles se mostraram altamente eficazes. É o caso de um estudo feito com 2 mil fumantes que descobriu que ter acesso a um dispositivo de comprometimento monetário (nesse caso, uma conta poupança na qual eles depositavam um dinheiro que só resgatariam seis meses mais tarde, se passassem num teste de urina para detectar nicotina) ajudou as pessoas a largarem o cigarro. Em média, os fumantes que decidiram usar os dispositivos de comprometimento monetário faziam depósitos mais ou menos a cada quinze dias, e punham no total cerca de 20% de sua renda mensal numa conta que perderiam se não parassem de fumar. E, num resultado notável, 30% mais fumantes que tiveram a oportunidade de arriscar o próprio dinheiro para deixar de fumar o fizeram. Já foi demonstrado que oportunidades semelhantes de comprometimento monetário ajudaram frequentadores de academias a malhar mais, praticantes de regime a perder mais peso e famílias a fazer compras de mercado mais saudáveis. 

O maior desafio dos dispositivos de comprometimento monetário não é sua eficácia, mas sim deixar mais pessoas à vontade com a ideia de usá-los. E é sensato ter alguma hesitação. Por melhores que esses resultados possam parecer, talvez você simplesmente não esteja pronto para se autoimpor restrições ou multas caras no caso de não atingir todos os seus objetivos. Se for esse o caso, você não está só. Apenas 11% dos fumantes, por exemplo, se dispuseram a investir qualquer dinheiro para ajudá-los a se livrar do tabagismo. (Vale assinalar que esse grupo relativamente pequeno teve tanto sucesso em largar o vício que isso melhorou as estatísticas de todas as pessoas a quem se ofereceu a conta poupança especial.)

Há muitos motivos prováveis para isso. Um deles é que nem todo mundo tem interesse em mudar. Outro é que, mesmo que você queira mudar, às vezes o fracasso foge ao controle. E se por exemplo surgir uma emergência familiar que o impeça de cumprir seus objetivos de atividade física? Nesse caso, você teria de lidar não apenas com esse trauma, mas também com a penalidade financeira do seu dispositivo de comprometimento. Talvez essa possibilidade seja simplesmente mais do que você consegue aguentar, ponto. 

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(Arte/VOCÊ S/A)
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