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Cris Kerr é CEO da CKZ Diversidade, consultoria especializada em Inclusão & Diversidade, professora da Fundação Dom Cabral, Mestra em Sustentabilidade e idealizadora do 10º Super Fórum Diversidade & Inclusão.
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É justo acreditar na eficácia da meritocracia?

Se o ponto de partida – poder aquisitivo, vida pessoal e networking – não é igual para todo mundo, a competição não pode ser considerada justa.

Por Cris Kerr
14 jun 2023, 15h20

Já ouvi muitas pessoas da liderança de empresas afirmando que contratam e promovem as pessoas mais talentosas da equipe considerando o sistema de meritocracia — em diversos casos, esse é até um dos valores da empresa. Também já ouvi relatos de que a meritocracia oferece uma “escada de oportunidades”, disponível para todas as pessoas que desejem subir, degrau a degrau. Para isso, bastaria se dedicar e se esforçar para colher os frutos do mérito próprio e individual.

Em momentos como esse, gosto de trazer três pontos de vista. O primeiro é imaginarmos duas pessoas que são colegas de faculdade. A primeira está ali após estudar em colégios particulares e ter um diploma de inglês em um cursinho extracurricular. Os pais pagam pela faculdade e, quando chegar o momento de procurar estágio, é provável que eles a indiquem para algum contato do círculo de relacionamento pessoal ou profissional.

Já a segunda pessoa trabalha durante o dia para pagar a faculdade e ajudar nas despesas mensais da família. Desde criança estudou em escolas públicas, não tem fluência em um segundo idioma e não conhece pessoas que podem apresentá-la para potenciais vagas de estágio. Seria justo comparar as duas trajetórias e afirmar que ambas têm a mesma oportunidade de subir os degraus da escada da meritocracia?

Um vídeo publicado no YouTube há mais de 5 anos — e que já tem mais de 4 milhões de visualizações! — também explica por que a meritocracia pode não ser tão justa assim. Nele, um professor de uma faculdade dos Estados Unidos alinha cerca de trinta jovens em um campo da escola e diz que a pessoa vencedora da corrida receberá cem dólares. Mas há um porém. Algumas receberão uma vantagem com base em experiências pessoais de vida.

“Dê dois passos à frente se os seus pais ainda forem casados”, diz o professor. “Dê dois passos à frente se você estudou em uma escola particular.” Quando ele termina de falar todas as “regras” do jogo, algumas pessoas estão lá na frente — são principalmente pessoas brancas. Entretanto, algumas delas sequer saíram do ponto de partida — são principalmente pessoas negras.

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As frases ditas para que os alunos e as alunas dessem alguns passos à frente não tinham nada a ver com mérito ou escolhas pessoais. Assim, ele ilustra de forma didática o papel dos privilégios na vida das pessoas e como a desigualdade exercerá influência nas oportunidades futuras que se apresentarão para cada uma delas. O mérito só pode ser considerado justo quando as oportunidades forem iguais para todas as pessoas, desde o ponto de partida. Afinal, muitas vezes o sucesso não é consequência apenas de habilidade e inteligência, mas sim do ponto de partida, poder aquisitivo, vida pessoal e networking.

Esses casos ilustram o primeiro ponto de vista que costumo trazer sobre a meritocracia. Já o segundo contrapõe a individualidade e a coletividade. Sendo bem objetiva, não gosto da meritocracia porque ela privilegia poucas pessoas, quando na verdade ninguém faz nada sozinho ou sozinha. Se continuarmos celebrando as conquistas individuais, estaremos sempre dividindo a sociedade entre pessoas vencedoras e perdedoras.

Como diz o filósofo e escritor Michael Sandel em seu livro “A tirania do mérito”, “quanto mais nos enxergamos como pessoas que vencem pelo próprio esforço, menos provável será que nos preocupemos com o destino de quem é menos afortunado do que nós”. Afinal, se o meu sucesso é resultado do meu esforço, o fracasso da outra pessoa só pode ser culpa dela.

Por fim, o terceiro ponto de vista que trago para esta conversa são os nossos vieses inconscientes – tema amplamente embasado em meu primeiro livro, chamado “Viés Inconsciente”. Esse padrão de pensamento do qual muitas vezes não somos conscientes distorce a forma como fazemos as nossas escolhas e ainda por cima nos leva a acreditar que estamos sendo pessoas justas.

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Para exemplificar como isso acontece na prática, gosto de propor que você imagine que lidera um time no qual duas pessoas, João e Pedro, fazem parte do seu time de direitos. Você é mais amigo do Pedro, joga tênis com ele às quartas-feiras, frequenta o mesmo clube e os aniversários de filhos e filhas. O João tem um pouco mais de competência técnica que o Pedro, mas será que você conseguirá enxergar esse diferencial? Se surgir uma oportunidade de promover um dos dois, qual deles terá mais chance de conquistar a vaga?

Além de termos muitos vieses inconscientes, nosso cérebro muda conforme a admiração que temos por alguém. Quando gostamos dessa pessoa, desativamos a área do julgamento crítico, ou seja, confiamos mais e somos menos críticas ou críticos. No entanto, quando não gostamos da pessoa, o julgamento crítico vai às alturas.

Insisto em dizer que não somos pessoas neutras. Nosso julgamento não é objetivo, mas sim subjetivo. Logo, as pessoas não são avaliadas apenas por mérito individual. Como vimos, há muitas variáveis alheias ao nosso controle influenciando o nosso destino — oportunidades apresentadas durante a vida, sorte e trabalho em equipe, para citar algumas. Diante de tudo isso, repito a pergunta que está no título deste artigo: será que é justo acreditar na eficácia da meritocracia?

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