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Luciana Camargo

Diretora estratégica da Associação Brasileira de RH (ABRH-SP). Escreve sobre carreiras, liderança, diversidade e inclusão e desenvolvimento pessoal
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Employee Experience, pessoas e tecnologia. Qual o caminho tomar?

Pensamos sempre que o mundo do trabalho está mudando. Mas damos pouca atenção ao fato de que as pessoas também estão. Veja como líderes podem agir nesses cenários.

Por Luciana Camargo
Atualizado em 7 jun 2023, 10h53 - Publicado em 5 jun 2023, 22h50

“Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”, escreveu Lewis Carrol, em Alice no País das Maravilhas. Antes dele, o inspirado latino Sêneca cravou: “Para um navio que não sabe a que porto vai, nenhum vento é favorável”. Há muitas versões para essa ideia tão simples, que aparentou ser verdade por tanto tempo, mas que ganhou inédita complexidade em um tempo de tantas incertezas. Afinal, quem hoje sabe para onde estamos indo? Essa nem é a pergunta do milhão, mas do trilhão, eu diria.

São tempos de disrupções tecnológicas, mudanças de matrizes econômicas, transformações em todas as perspectivas do trabalho, instabilidades na cadeia logística em mercados profundamente globalizados, ChatGPT, aquecimento global, cybersecurity, para não lembrar das agora iminentes pandemias. Os desafios parecem inúmeros – e, para ajudar, quase sempre interconectados – e, às vezes, somos tomados por uma dúvida profunda: estamos reagindo no tempo certo e da forma correta ao “novo mundo”? Acabamos nos sentindo sufocado ao tentar entender como todas as variáveis e mudanças se encaixam – como se alguém soubesse. Estamos o tempo todo trocando as turbinas com o avião voando. 

Essa reflexão me veio trazida por um dado alarmante. Segundo o State of the Global Workplace: 2022 Report do Gallup, apenas 21% dos funcionários em um determinado grupo amostral corporativo se sentem engajados no trabalho. Segundo o mesmo relatório, apenas 33% se sentem prosperando em seu bem-estar geral. Em todas as métricas, a perspectiva era a mesma: a maioria não considera seu trabalho significativo, não acreditam que suas vidas estão indo bem ou não se sentem esperançosos em relação a seus futuros profissionais. E é exaustivamente documentado o impacto que a falta de engajamento implica na produtividade, desenvolvimento de novos conhecimentos, inovação, e prosperidade para qualquer negócio.

Pensamos sempre que o mundo do trabalho está mudando. Mas damos pouca atenção ao fato de que as pessoas também estão.

A digitalização do trabalho e das nossas vidas, as novas características da vida profissional pós-pandemia, as novidades quase que semanais sobre novas aplicações de inteligência artificial, diferenças em mindset entre gerações (e inúmeros outros fatores) trouxeram mudanças permanentes para o mercado de trabalho. 

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Como profissionais da área de recursos humanos – como líderes, na verdade –, devemos entender as implicações disso em nossos times. Para acompanhar essas mudanças, precisamos entender como convergir para aquilo que as pessoas procuram nos postos de trabalho: flexibilidade, transparência, autonomia, empoderamento, e potencial de crescimento. 

Employee experience”, ou “experiência dos funcionários”, volta a mesa para uma discussão mais profunda pois conecta pessoas e performance dos negócios. A mobilidade entre funcionários, risco de perda de conhecimento, burnout, turnovers tornam a discussão sobre employee experience mais atual do que nunca. Os números não são muito animadores e mostram que empresas precisam uma nova forma de gestão e atualizar suas práticas. Precisamos dar uma resposta concreta ao gato que nos recebe logo ao entrar no País das Maravilhas. Precisamos entender para qual porto queremos ir.

Sim, porque a complexidade dos tempos não pode servir de álibi para a imobilidade. Se não é possível cravar certezas, continua sendo muito necessário sentir a direção dos ventos e rumar para portos possíveis, inclusive com a flexibilidade de redirecionar o leme, quando preciso. Ficar parado também é uma escolha, e certamente não está entre as mais recomendáveis.

Jacob Morgan, autor de The Employee Experience Advantage, olha para esses novos cenários e, modelando sua teoria, define experiência do funcionário olhando três facetas de sua relação com a organização: cultural, física e tecnológica. 

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  • A cultural está relacionada ao que você sente todos os dias e se reflete no comportamento dos líderes, dos pares. Como você é tratado e se você se sente parte ou não daquele time ou da organização está refletido na cultura. Aqui também como as pessoas se identificam com o propósito das empresas ou mesmo sobre suas opiniões pessoais sobre a indústria/ramo na qual ela está inserida;
  • A física trata da experiência “literal” do ciclo do funcionário. Esta faceta tornou-se muito mais complexa e latente no período pós-pandêmico, trabalhando muitas vezes isolados, e vendo todas as experiências diárias permeadas pela digitalização. Estes aspectos podem causar dificuldades, mas é um fato que não voltaremos para uma rotina analógica, manual e burocrática. E é neste equilíbrio que se encontra uma das interfaces entre a faceta cultural e física. É por isto que se fala tanto na importância de flexibilidade e sentido. O convívio presencial é bem-vindo; ficar horas em trânsito para chegar no escritório e se comunicar somente através de videoconferência, não. E com a mobilidade que o mercado de trabalho atual permite, tais condições de trabalho são fatores essenciais para reter talentos.
  • Por fim, a tecnológica. Esta viabiliza todas essas adaptações mencionadas. Novas ferramentas de colaboração e aprendizado, o uso de Data Science em todas as áreas, e mais recentemente avanços francamente impressionantes em inteligência artificial parecem mudar as regras do jogo constantemente. Daí a importância de um líder, de qualquer área ou escopo, se manter atualizado com as mudanças que estamos vivendo. São os novos ventos que ajudam, ou não, a pilotar o barco.

Mas afinal, aonde devemos mirar o barco?! Acredito que, dentre as coisas que definem esse objetivo quando se trata de employee experience, estão: experiências personalizadas e autênticas, fortalecimento do propósito e sentimento de pertencimento, e uma rotina humanizada. E isso deve valer para a média gerência, e alta direção executiva.

O artigo This Time it’s personal: Shaping the ‘new possible’ through employee experience traz importantes reflexões sobre a importância da experiência social nas dinâmicas do trabalho. As pessoas buscam confiança, coesão e propósito. Querem sentir-se reconhecidas como indivíduos e como parte de times colaborativos. Eles querem trabalhar com proposito e alcançar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

Por onde começar? Quais diretrizes podem ajudar a lidar com tudo isso? Comece com uma visão holística sobre o ciclo do funcionário. Reflita sobre a cultura da sua empresa e o que impede que esta experiência seja diferente. E então pense nos momentos de impacto na jornada do funcionário. 

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Do recrutamento ao on-boarding, desenvolvimento de novos conhecimentos e entendimento da sua missão, rotinas, integrações, reconhecimento e remuneração, crescimento e mobilidade de carreira, desligamentos, aposentadorias, enfim: são inúmeros momentos que definem a experiência do funcionário, e cabe à organização reconhecer e atuar sobre os mais importantes.

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  • Entenda quem são os funcionários. São contribuidores individuais? Eles se sentem conectados com seus colegas e líderes? Sentem-se respeitados e reconhecidos? Estão satisfeitos com o equilíbrio de vida pessoal e profissional, conectados com o propósito? É possível metrificar isso? 
  • Escute os feedbacks das pessoas com abertura e empatia. Muitas empresas trabalham com o feedback somente em nível muito superficial. O diálogo contínuo permitirá aprender sobre os desafios, necessidades e expectativas da organização. Aqui vale lançar mão de todo o arsenal metodológico de design-thinking para (re) construir esta jornada. Reflita também sobre os impactos desta mudança na sua cultura e se os líderes estão preparados para abraçar e liderar esta mudança.
  • Desenvolva a sua liderança. Avalie se eles têm as habilidades para liderar esta jornada. Employee experience é responsabilidade de todos, Recursos Humanos e todas as áreas da empresa.  Desenhe oportunidades de aprendizado e desenvolvimento de sua organização. Transparência e clareza sobre como as pessoas aprendem e crescem em sua carreira ajudam as pessoas. Um dos feedbacks mais lindos que recebi como gerente foi o desligamento de funcionário que estava na companhia há mais de 30 anos e se sentiu muito apreciado e respeitado. Sair da empresa que você trabalha, seja qual for a razão, é uma experiencia que você leva pra sempre. 
  • Tenha objetivos, métricas e acompanhe o progresso. Acompanhe como os funcionários se sentem sobre sua experiência. Segundo Gallup, equipes engajadas são até 18% mais produtivas. E a produtividade é essencial para os negócios e deram mais lucratividade, maior satisfação de cliente. A pesquisa da Gallup também mostra que equipes altamente engajadas podem obter até 10% mais fidelidade e engajamento do cliente. Organizações que investem em experiência do funcionário atraem talentos. Sites como o Glassdoor e Indeed tornam mais fácil o compartilhamento de experiências. 

Por fim, não esqueça nunca que é preciso exercitar a empatia – tente se colocar no lugar dos membros da equipe e não tenha medo de trazer soluções novas para problemas novos e antigos. Afinal, uma coisa parece ser certa: as mudanças só estão começando, e estamos todos no mesmo barco.

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