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Claudio Lottenberg

Médico oftalmologista, é presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde. Também atua como conselheiro da Unicef.
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Funcionários não percebem atributos diferentes entre chefes homens e mulheres

Pesquisa com 1400 pessoas mostra que, apesar de clichês machistas sobre gestoras, na prática os colaboradores não notam diferenças de competência, caráter, humildade, efetividade ou status entre gêneros.

Por Cláudio L. Lottenberg
24 mar 2023, 10h04
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 (Getty Images/Divulgação)
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O verbo “estereotipar” vem da área de trabalhos gráficos: significa fixar caracteres em uma prancha para reproduzir fielmente uma página, um número determinado de vezes. Fora desse contexto, o verbo – e substantivo “estereótipo”, mais notório – serve a um propósito algo sombrio: apagar quaisquer particularidades que indivíduos venham a ter e nivelá-los segundo um padrão pré-estabelecido.

Esse padrão, seria justo dizer, na totalidade das vezes, nasce de preconceitos, e derrubá-los nunca é fácil. Por isso, quando uma pesquisa mostra, com dados, que um estereótipo vem perdendo força, sempre é ótima notícia. Excelente, aliás.

Um estereótipo dos mais entranhados na percepção geral do universo de trabalho está no conceito de liderança: líderes homens seriam “dominantes”, “assertivos”, “fortes”. Mulheres líderes, por sua vez, seriam “benevolentes”, “gentis”, “humildes”. A força desse modo engessado de pensar é tal que foi sintetizada num conceito: think manager, think male (“pense em liderança, pense em homens”, em tradução livre). Um levantamento da consultoria Robert Half avançou na trilha de mandar esses estereótipos para o baú de obsolescências da história.

O levantamento foi realizado entre outubro de 2021 e julho do ano passado, ouvindo pouco mais de 1.400 pessoas. Foram aferidas as percepções dos liderados acerca de atributos pessoais de homens e mulheres na liderança: competência, caráter, humildade, autenticidade e benevolência.

Também foram aferidas as percepções acerca de: efetividade da liderança, endosso ao líder, status e prototipicalidade (ou seja, o quanto a liderança avaliada se aproxima de um certo “ideal”). A medição feita pela Robert Half mostra que, nos dois conjuntos de atributos, as eventuais diferenças percebidas pelos entrevistados em líderes homens e líderes mulheres não são estatisticamente significantes.

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Já não era sem tempo de ver tais barreiras se tornarem irrelevantes. A luta das mulheres por igualdade já fez muitos avanços (embora haja muito ainda por avançar) e não há qualquer sinal de que essa tendência vá perder força, pelo contrário. Ainda há necessidade de legislações que reduzam a discriminação por vagas, a disparidade de salários para as que executam as mesmas tarefas e muito mais.

Mas a pesquisa da Robert Half mostra que, aos poucos, o paradigma vai sendo transformado – e felizmente vão ficando para trás ideias que, a cada dia que passa, vão se tornando mais constrangedoras (ridículas mesmo), como a de que “em ambientes muito competitivos ou que demandem forte exercício de autoridade, mulheres podem ser menos escolhidas pela crença de que são boazinhas demais para liderar”.

O diagnóstico – acertado – é que tais crenças de fato restringem a disposição das candidatas que poderiam querer aproveitar oportunidades e experiências “fundamentais para seu desenvolvimento e crescimento”. A pesquisa mostra que os atributos de um líder estão, para suas equipes, em apoiar o time, abertura para ouvir e aprender e tomar uma posição, não importa quão difícil uma determinada situação seja. Absolutamente nenhuma dessas características é intrínseca a um gênero ou outro.

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Esses resultados fazem lembrar de outro fenômeno (sem ligação com a pesquisa, ou com o universo profissional especificamente): o chamado “efeito Scully”. O nome deriva da personagem Dana Scully, do seriado “Arquivo X”, um dos maiores sucessos da história da TV. Scully era a médica, cientista e agente do FBI (a Polícia Federal dos EUA) que tinha como missão acompanhar o colega, o agente Fox Mulder (David Duchovny), um psicólogo obcecado com a paranormalidade – o que fez com que fosse designado para a área de casos inexplicados (os Arquivos X).

Scully era a voz da racionalidade, da ciência e do ceticismo – e uma pesquisa do Geena Davis Institute on Gender in Media mostrou que a personagem fez com que as mulheres que a conheciam buscassem carreiras STEM (sigla em inglês para “ciência, engenharia, tecnologia e matemática”). Nem é preciso destacar que todas estas são tipicamente associadas ao universo masculino.

Estereótipos podem ter seu lugar garantido dentro das artes gráficas, mas nas relações entre pessoas são um veneno, um obstáculo. Superá-lo é um trabalho contínuo, e diversos deles vêm sendo demolidos gradualmente – talvez gradualmente demais. Pode não estar longe o momento em que o talento e a capacidade para liderar não mais estarão confinados por preconceitos que, como está cada vez mais claro, nunca fizeram sentido.

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