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Minério derrete e muda as apostas para Vale, Gerdau, Usiminas e CSN

Como um petardo do governo chinês destruiu o "superciclo de commodities" que se iniciava. Desde maio, a queda é de 60%.

Por Tássia Kastner | Design: Laís Zanocco | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 20 set 2021, 14h10 - Publicado em 17 set 2021, 05h30
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m superciclo de commodities, por definição, só existe no longo prazo. Lá nos anos 2000, quando a China começou a comprar todo tipo de matéria-prima como se não houvesse amanhã – de soja a minério de ferro, de milho a petróleo –, não dava para adivinhar de cara que o movimento teria uma força brutal, capaz de manter uma alta sustentada de preços por uma década e meia.

Aí não deu outra. Quando os preços de todo tipo de produto primário recomeçaram a escalar, em 2020, uma enxurrada de analistas concluiu que era o início de um novo superciclo. O marco simbólico desse movimento era o minério de ferro, que subiu 74% em 2020 e escalava mais 45% até maio deste ano, quando bateu o recorde de US$ 230 por tonelada. Não era uma valorização exclusiva. Cobre, alumínio e zinco também dispararam, e o movimento foi parar também no agro, com a alta da soja, do milho e de outros grãos. Um índice de commodities da Bloomberg – sem minério na composição – aponta alta de 24% neste ano.

A explicação do mercado financeiro era simples: passada a pandemia, países gastariam como nunca para tirar suas economias do buraco, o que já vinha ocorrendo na China. Os números corroboravam a tese. O PIB chinês recuperou o patamar pré-pandêmico e cresceu 1,3% no segundo trimestre de 2021 (na comparação com o primeiro). Nos EUA, a alta foi de 1,5%, e há ainda um megaplano de investimento em infraestrutura que poderá dar novo fôlego à economia a partir de 2022. Tanto crescimento só se sustenta com muita obra, o que consome muito aço, que por sua vez turbina a demanda do minério.

Nisso, a Vale e as grandes siderúrgicas brasileiras decolaram (nossas produtoras de aço também lucram exportando minério cru). A empresa mais valiosa do país, que ainda se recuperava do caos deixado em Brumadinho, valorizou 71% em 2020, e seguia em alta desgovernada 2021 adentro até bater os R$ 118 por ação. Havia na Faria Lima quem apostasse em R$ 140. A CSN terminou 2020 no topo da bolsa brasileira, com uma alta de 126%, e ainda emplacou o IPO do seu braço de mineração, um plano antigo, em fevereiro deste ano. Gerdau e Usiminas também dispararam.

Se for um superciclo mesmo, talvez ele fique restrito às outras commodities. O minério de ferro foi abatido em plena decolagem e, desde o pico de maio, já tombou 60%. Agora é negociado abaixo dos US$ 100 por tonelada (a US$ 92,98 nesta segunda, dia 20 de setembro). O míssil, que ninguém previa, veio do governo chinês.

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Por decreto

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China é a maior importadora de minério do mundo, já que produz 55% do aço consumido no planeta. O problema é que essa é considerada a indústria mais poluente, e isso tem a ver com a forma como o produto extraído das minas por Vale, BHP e Rio Tinto vira algo útil para a sociedade, como vergalhões que erguem prédios ou chapas das latarias de carros. O processo consiste em ferver o minério em uma caldeira, chamada alto-forno, para queimar o oxigênio preso ali (a foto aqui abaixo mostra isso). E o combustível capaz de fazer isso é o carvão coque, altamente poluente.

 

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(Arte/VOCÊ S/A)

O mundo até pesquisa formas menos danosas de produção, já que usamos ferro desde o século 12 a.C. e nada indica que vamos abandoná-lo tão cedo. Enquanto essa nova tecnologia não chega, porém, a China decidiu limitar a produção de aço no país com o objetivo de atingir suas metas de redução de emissão de dióxido de carbono. O plano é que, até 2060, o país emita pouco o suficiente para ter como compensar todo o gás que joga na atmosfera com medidas simples, como plantar árvores.

O problema é que a indústria siderúrgica responde por 15% de todas as emissões chinesas, atrás apenas da geração de energia (62% da eletricidade chinesa vem de termelétricas a carvão – no Brasil, são 3%).

O anúncio da redução na atividade siderúrgica foi ao estilo chinês: por uma ordem de Xi Jinping, o líder do país, as empresas foram obrigadas a pisar no freio. A diretriz é manter a produção de aço no mesmo 1 bilhão de toneladas registradas em 2020. Como 649 milhões de toneladas já foram produzidas até aqui, seria preciso fabricar 10% menos que no segundo semestre de 2020 para cumprir a imposição do Partido Comunista.

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Para além das questões ambientais, o petardo chinês também mirava o impacto da alta de preços sobre a economia, já que a inflação do setor industrial bateu 9% ao ano, segundo a Statista (no Brasil, os preços ao produtor dispararam 30%). É que o minério mais caro eleva o custo de produção do aço. Com a demanda global aquecida, siderúrgicas vinham conseguindo repassar para seus clientes – algo que ocorre no globo todo e também ajudava nos resultados das siderúrgicas brasileiras.

Antes de agir sobre a produção, o Partido Comunista Chinês já havia limitado o mercado de contratos futuros do minério de ferro, listados na bolsa de Dalian. A justificativa era que os preços estavam sendo distorcidos por especuladores, uma consequência do excesso de dinheiro impresso por Bancos Centrais mundo afora para estimular suas economias. Mas a restrição teve pouco efeito. O minério negociado à vista no porto de Qingdao, a principal referência do mercado, continuou a ficar cada vez mais caro. Como acabar com isso? Mandando cortar a produção de aço na marra – com menos demanda, o preço cai. E foi o que aconteceu.

Cortar a produção de aço, porém, pode ter o efeito oposto ao esperado por Pequim. Segundo um relatório do BTG Pactual, a queda recente no valor do minério de ferro não se reflete na redução de preço do derivado. A explicação continua na forte demanda global por aço, e os preços poderiam subir ainda mais com a decisão chinesa de cortar a produção. A China até sabe disso, tanto que eliminou as benesses fiscais que dava aos exportadores de aço, num esforço para proteger o mercado interno.

Um outro risco é o de que a economia chinesa esteja em desaceleração. Em julho, o país voltou a paralisar atividades e adotou quarentena rígida para conter a disseminação da variante delta. O resultado foi uma desaceleração ainda maior que a esperada na indústria, no consumo e nos investimentos. Em agosto, dados preliminares da atividade industrial chinesa mostraram a primeira contração desde abril do ano passado e o comércio está em desaceleração brutal. Economistas agora tentam medir se o impacto foi apenas pontual ou se indica uma perda de fôlego mais ampla.

O problema aí é o seguinte: a redução na atividade siderúrgica retroalimentar a desaceleração econômica do país como um todo, dando início a um círculo vicioso que prejudica todos os envolvidos – o governo chinês, as siderúrgicas e as mineradoras que exportam para elas.

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Depois dos anúncios chineses, o mercado financeiro refez suas projeções para o preço do minério de ferro. O Citi espera que o preço médio da matéria-prima fique em US$ 170 neste trimestre, ante US$ 200 estimados anteriormente. No quarto trimestre, o banco fala em US$ 160 a tonelada, a mesma faixa em que encerrou 2020.

O Credit Suisse esperava o minério a US$ 175 no segundo semestre, mas agora vê riscos de que o número não se concretize. O preço médio estimado em 2022 é de US$ 141 por tonelada. Não seria de todo ruim para as nossas empresas que lucram com minério. Apesar da forte baixa em relação aos mais de US$ 200 do primeiro semestre, o patamar ainda é maior que os US$ 100 por onde o minério oscilava antes da pandemia.

Essas previsões, porém, foram feitas antes da explosão do “caso Evergrande”. A Evergrande é uma das maiores construtoras de imóveis residenciais da China. Ela soma uma dívida de US$ 300 bilhões, e, se não contar com a ajuda do governo chinês, deve dar um calote. É o tipo de fato com potencial para travar toda uma economia. E as primeiras a sofrer são outras construtoras.

Com menos prédios subindo, a demanda por minério também cai. Por essas, o banco UBS prevê que a commodity se estabilize abaixo de US$ 90, e revisou sua posição sobre as ações da Vale. Antes, a recomendação era de compra. Agora é de venda – nem passaram pelo estágio intermediário, que seria o de “manutenção”.

Balde de água fria

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mudança abrupta de cenário levou junto uma parte do otimismo do setor financeiro com a Vale e as siderúrgicas/mineradoras. O melhor exemplo disso é a CSN Mineração, que acumula queda de mais de 30% na bolsa desde o IPO do começo do ano. Isso apesar de o lucro da empresa ter triplicado em 12 meses e batido R$ 2,5 bilhões no fechamento do segundo trimestre.

Vale, CSN, Usiminas e Gerdau também caíram das máximas depois que o minério acelerou o tombo. Agora, Vale, Gerdau e Usiminas têm perda no ano de magnitude semelhante à do Ibovespa, na casa dos 6%. CSN recua mais de 10%. Analistas discutem, agora, se vale ou não manter essas empresas na carteira.

No final de agosto, o Credit Suisse divulgou um relatório a clientes em que analisava as ações do setor de matérias-primas após o tombo. O banco afirmava ali que apenas o ganho com dividendos justificaria manter papéis da Vale e da CSN Mineradora na carteira. Nos dois casos, o banco estima retornos de dois dígitos a investidores para 2021 e 2022.

A Vale honrou a aposta ao anunciar dividendos de R$ 40 bilhões – R$ 8,11 por papel, o equivalente a todo o dividendo pago em 2020, que já foi recorde. Mas, para as ações em si, ele vê menos chances de novas altas acima do Ibovespa daqui para frente. O UBS rebaixou a recomendação para os ADRs da Vale para US$ 15, enquanto o Bradesco BBI reiterou alta para  companhia a US$ 26.

O BTG colocou a Gerdau nas recomendações de setembro justamente porque prevê preços sólidos para o aço após a redução de produção na China. E ainda disse ver espaço para altas nas ações de Usiminas e CSN após a queda recente. Essa possibilidade dependerá, no fim, das próximas decisões de Xi Jinping.

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