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Milhas aéreas: dá mesmo para ganhar dinheiro com isso?

Dá, mas a expectativa de retorno é baixa, há risco de prejuízo – e de ter sua conta suspensa nos programas de milhas. Entenda como funciona esse mercado.

Por Camila Barros | Ilustração: Carol D’ávila | Design: Brenna Oriá | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 10 fev 2023, 19h51 - Publicado em 10 fev 2023, 05h44
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 (Carol D'avila/VOCÊ S/A)
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“Curso de milhas”, diz o Faria Lima Elevator no Twitter, é o novo “curso de day-trade”. Alguns mostram como acumular mais milhas para viajar gastando menos. Normal. Há táticas mesmo para isso. Já outros chutam o balde. Prometem fórmulas mágicas para que você ganhe coisa de R$ 5 mil por mês de renda extra “operando” no mercado de milhas. 

Faz sentido? Para avaliar até que ponto dá para fazer dinheiro com isso, é bom entender como funciona a mecânica das milhas aéreas – uma história que começou há quase meio século.

Até o fim da década de 1970, todos os voos domésticos dos EUA eram regulados pelo Conselho Federal de Aeronáutica Civil (CAB). Ele definia rotas, horários e tarifas dos voos, além de regular a quantidade de companhias aéreas operando no mercado. 

Em nome da livre concorrência, o então presidente Jimmy Carter aprovou, em 1978, o Airline Deregulation Act, que acabava com essas amarras. Como resultado, o país viu um boom de novas companhias aéreas. Com a competição acirrada, as empresas correram para oferecer preços e benefícios que fidelizassem a sua clientela. 

Em 1979, a Texas International Airlines lançou o primeiro programa de milhas aéreas do mundo. Apesar de pioneiro, ele foi ofuscado pelo sucesso do AAdvantage, da  American Airlines, lançado em 1981 (e firme até hoje). Nesse mesmo ano, todas as principais companhias de aviação de lá lançaram algum programa de fidelização. A proposta era bem direta: depois de pagar por uma certa quantidade de voos, você ganhava um de graça. 

A ideia foi importada para o Brasil em 1994 pelas mãos da Varig, que criou o programa Smiles (hoje operado pela Gol). 

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(Carol D'avila/VOCÊ S/A)

Desde então, o funcionamento das milhas ficou mais complexo e incluiu mais um ator – os bancos. Esse, inclusive, virou um elemento central no modelo de negócio das companhias aéreas.

Funciona assim: regularmente, elas vendem bilhões de milhas para os bancos, que oferecem o benefício aos seus clientes. Para as instituições financeiras, o negócio é lucrativo porque estimula as pessoas a usarem mais o cartão de crédito – toda vez que elas usam o banco ganha um tequinho com as taxas, você sabe. 

Para as aéreas vale a pena porque é uma forma de vender passagens com antecedência – ainda que com desconto. Dinheiro na mão hoje, afinal, sempre vale mais do que dinheiro na mão amanhã.

No Brasil, os programas de fidelidade aérea são o LATAM Pass, a Smiles e o TudoAzul. Hoje, eles oferecem outros produtos além das passagens. Têm também descontos em hotéis, aluguéis de carro, aparelhos eletrônicos e itens de supermercados conveniados (na Smiles, um engradado de Brahma Duplo Malte sai por 2.720 milhas; um pacote de absorvente interno, 1.160). 

A vida útil das milhas 

Uma vez transferidas do cartão para a companhia aérea, as milhas têm prazo de validade – geralmente dois ou três anos. Se esse limite está chegando e você sabe que não terá tempo para viajar, pode presentear alguém emitindo uma passagem em seu nome. Não se trata de uma liberdade irrestrita. As companhias estabelecem um limite de pessoas para quem você pode emitir os bilhetes. No TudoAzul, são no máximo cinco CPFs por conta. Na Smiles e no LATAM Pass, 25 por ano. 

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Há outras limitações: na Smiles, você só pode transferir 40 mil milhas por ano. No TudoAzul, 50 mil. O mais generoso nesse quesito é o LATAM Pass, que permite 500 mil. E custa caro. Na Smiles e no TudoAzul, a taxa é de R$ 60 a cada mil milhas. Dá R$ 2.400 para transferir 40 mil milhas. No LATAM Pass, o valor é de R$ 40. Ou R$ 1.600 para cada bloco de 40 mil milhas. 

Mesmo assim, a mera chance de transferir suas milhas para outras pessoas abre uma possibilidade de comércio. Você dificilmente vai encontrar por conta própria alguém a fim de comprar suas milhas. Mas é para isso que existem intermediários. De olho nisso, surgiram as empresas de compra de milhas. 

A MaxMilhas é uma delas. Numa ponta do negócio, ela compra. Na outra, vende as milhas na forma de passagens aéreas, atuando como uma agência de viagens.

A compra de milhas funciona assim: você seleciona a quantidade que quer vender e de qual programa de fidelidade elas vêm – Smile, LATAM Pass, TudoAzul ou os internacionais. Mas e aí? Não existe um “pix de milhas”. Como é que rola a transferência, então? Resposta: você passa o login e a senha do seu programa de milhas para eles. 

A venda na MaxMilhas não acontece imediatamente. A oferta entra numa fila, que vai diminuindo à medida que outros clientes compram passagens pelo site. Quando chega a sua vez, a empresa acessa sua conta no programa de milhagem e emite a passagem para outra pessoa. O pagamento cai na sua conta em até 45 dias após a emissão dos bilhetes. 

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Outra grande compradora é o sistema HotMilhas/123 Milhas. Por lá, o pagamento cai entre um e 150 dias – quanto mais tempo você escolhe esperar, mais dinheiro recebe. A compra rola no site da HotMilhas. A venda, na forma de passagens, no site da 123 Milhas.     

Esse tipo de negócio viola as normas das companhias aéreas. LATAM Pass, Smiles e TudoAzul vetam o comércio de pontos, sob pena de exclusão da conta nas plataformas. Mas não há uma legislação que proíba isso, então o mercado de milhas não é ilegal.

A Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (Abemf), que reúne os programas de milhas e pontos, diz que suas associadas têm alertado os clientes sobre os riscos de compartilhar login e senha, já que isso abre uma porta para fraudes caso os dados caiam nas mãos de alguém mal intencionado. E também afirma que elas têm feito esforços para renovar milhas que estão por expirar, além de oferecer produtos em troca de milhas, o que facilita o resgate de quem não pretende viajar.

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Os traders de milhas aéreas

Até aqui falamos só de uma face desse mercado: alguém que tenha milhas a expirar e queira convertê-las em dinheiro de uma vez. Mas não é só disso que vive o comércio de pontos. Há outro agente aí: quem tenta comprar mais barato e vender mais caro para a HotMilhas ou a MaxMilhas depois.

R$ 1,5 mil por mês. É o quanto Fábio, um trader de milhas, conseguiu de renda extra entre 2018 e 2019.

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Como essas pessoas compram barato? Nas promoções feitas periodicamente pelos próprios programas de milhas ou nos clubes de assinatura de pontos oferecidos pelos bancos (tipo Dotz, Esfera ou Livelo). Dependendo da oferta, dá pra comprar o milheiro (conjunto de mil milhas) com até 60% de desconto.

E como vendem caro? Acompanhando a cotação do milheiro, que é feita pelas empresas que compram milhas de acordo com a oferta e a demanda da coisa. Ela fica disponível no próprio site das agências e corre diariamente por grupos de Telegram e sites especializados no assunto. 

Fábio (nome fictício) começou a acompanhar essa movimentação de olho em conseguir uma renda extra. Entre 2018 e 2019, ele diz, o negócio foi lucrativo: depois de dois anos operando na conta da esposa, do pai e em sua própria, conseguiu R$ 36 mil (R$ 1.500 por mês, na média).

Na pandemia, o negócio desandou. Com o transporte aéreo paralizado, as agências compradoras de milhas começaram a postergar os pagamentos, pois não tinham para quem vender passagens.

Sem voos, a demanda por milhas despencou, claro. Enquanto isso, a oferta continuava bombando, já que os programas de pontos começaram a lançar promoções de vendas de milhas em ritmo alucinado (era a forma que as aéreas tinham de botar dinheiro em caixa sem avião no céu). Quem tinha comprado antes da pandemia, então, teve de segurar ou vender a preços baixíssimos, já que a cotação tinha desabado. E abraçaram o prejuízo.

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A pandemia foi um cenário atípico, para dizer o mínimo. Mas a retomada do setor aéreo não garante um céu de brigadeiro para os traders de milhas.  

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(Carol D'avila/VOCÊ S/A)

Margem estreita 

O administrador de empresas Tales Toledo, especialista em milhas aéreas e dono do canal de Youtube Viagem com Pontos, diz que o retorno médio do negócio de compra e venda de milhas é de 10% a 20%. Ou seja: comprou R$ 2.000 em milhas numa promoção da Smiles? Seu lucro, caso venha, deve variar entre R$ 200 e R$ 400. 

O canal de Tales é voltado para o uso de milhas com passagens aéreas mesmo, não como uma forma de obter renda extra. Por lá, ele ensina como acumular mais milhas com os gastos que você já faz no dia a dia – entendendo melhor os benefícios do seu cartão de crédito e concentrando os pontos em um programa de fidelidade só, por exemplo. 

Tales, de qualquer forma, não recomenda o trading de pontos como forma de obter renda. Para ele, o retorno não compensa o trabalho: não tirar o olho das promoções de milhas, da cotação das agências online e esperar meses pelo pagamento. 

Não é só isso. Para alcançar um lucro que valha o esforço, os negociadores tendem a movimentar volumes gigantescos de milhas. “Eu e a minha esposa, que entendemos de pontos e nos dedicamos há muitos anos, costumamos movimentar de 1,5 milhão a 2 milhões de milhas por ano. Uma pessoa que faz esse processo de compra e venda de milhas movimenta 50 milhões de milhas no ano, às vezes mais”, diz.

Eles movimentam quantidades assim usando a tática de Fábio: diversos logins com CPF diferente, com cada um dando direito a uma certa quantidade de milhas transferidas por ano. No mundo dos vendedores de milhas, isso é conhecido como “administração de CPFs”. 

São quantidades que exigem capital intensivo. É comum entre os vendedores de milhas gastar  R$ 60 mil, R$ 80 mil, R$ 100 mil por mês em promoções para tentar vender depois – sem garantia de que isso vá acontecer.

Voos mais caros

Cada companhia aérea é o banco central de suas milhas. É ela quem decide quantos pontos serão necessários para colocar você dentro de um avião – até por isso, uma milha da Azul pode valer mais no mercado que uma milha da Gol, ou vice-versa. No universo da macroeconomia, o país que emite demais vê sua moeda desvalorizar, via inflação. No das milhas, vale a mesma lei: se a aérea emitir demais (exagerando nas promoções, por exemplo) você precisará de mais milhas para fazer voos equivalentes.  

36,5% é quanto os voos nacionais encareceram entre outubro de 2019 e o mesmo mês de 2022.

O grande balizador da cotação, de qualquer forma, é o preço da passagem: quando ela aumenta, você precisa de mais milhas para viajar. Em outubro de 2022 (último mês com dados disponíveis), os voos nacionais estavam 13,9% mais caros em comparação com o mesmo mês de 2019, antes de a pandemia ter chacoalhado o mercado aéreo  – isso em termos reais, descontando a inflação do período. Para voos internacionais, a tarifa esteve 21% mais cara. Adicionando a inflação do período, que foi de 22,6%, fica mais fácil de visualizar. Isso significa preços 36,5% mais altos para as viagens domésticas, e 43,6% para as internacionais. 

Isso acontece por uma combinação de dois fatores. Alta no querosene de aviação (120% no período) e um boom na demanda pós-pandemia, que permite às aéreas cobrarem mais. 

Há outro complicador: a demanda em alta desestimula as aéreas a oferecer assentos em troca de pontos, já que eles não geram caixa. Com menos viagens disponíveis por essa modalidade, quem sofre é o próprio mercado de compra e venda de milhas. Ele depende de uma oferta generosa de voos em troca de milhas para existir.

Ou seja: tentar fazer dinheiro com a compra e venda de milhas já é um negócio arriscado por si só. E o momento atual torna a atividade ainda mais sujeita a turbulências. 

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