Continua após publicidade

“Colaboradores precisam abraçar as mudanças e se juntar a elas”, diz RH da Mastercard sobre o uso de IA

Em entrevista exclusiva à Você S/A, o líder global de recursos humanos da empresa, Michael Fracarro, compartilhou iniciativas, resultados, opiniões e ideias futuras que envolvem machine learning – tanto para funcionários quanto para clientes. Veja.

Por Sofia Kercher
21 jun 2024, 10h00
D

esde a famigerada virada do milênio, o crescimento da produtividade em todas as principais economias mundiais tem andado a passos lentos.

Quem está dizendo não somos nós: a conclusão é de um sujeito chamado John G. Fernald. Ele é consultor sênior de pesquisa do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, e professor de economia no Instituto Europeu de Administração de Empresas (INSEAD). John decidiu investigar a fundo o fenômeno em 2023, e deixou suas conclusões em um relatório de 47 páginas (disponível no site do Fed, aqui).

Nele, o especialista encontrou dois principais suspeitos para o problema: a Grande Recessão de 2008 e, você já deve ter imaginado, um vírus que apareceu pelo caminho em 2020. Ainda sim, o objetivo de seu trabalho era mais trazer à luz os motivos por trás da questão do que trazer uma solução para ela. O diagnóstico estava dado. Resolvê-lo é outra história.

Nesse cenário, não é preciso ir muito longe para ver a Inteligência Artificial como um dos possíveis remédios. Um estudo recente da Salesforce mostrou que 71% dos usuários de IA generativa observaram um aumento em sua produtividade. Outro, conduzido pela Universidade de Stanford e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), indicou que empresas que aplicam sistemas como o ChatGPT podem aumentar em até 14% a produtividade dos trabalhadores. 

Claro, nem tudo são flores. Por aqui, 76% dos funcionários têm medo de ser substituídos pelos robozinhos – nos Estados Unidos, esse número sobe para 86%. No ano passado, o Goldman Sach ainda lançou um relatório que beira o apocalipse: segundo o banco, mais de 300 milhões de empregos serão afetados por essas ferramentas nos próximos anos. 

Continua após a publicidade

Mas não é assim que Michael Fracarro, líder global de recursos humanos da Mastercard, enxerga as coisas. A empresa de pagamentos, que usa IA há mais de duas décadas, vê com bons olhos a guinada no uso dessas ferramentas – e pretende encontrar novas formas de implementá-las aos seus funcionários e clientes mundo afora. 

“Há inúmeras maneiras pelas quais a IA realmente ajudará a agilizar, melhorar e simplificar muitas das tarefas que realizamos”, diz. “Mas o humano sempre será o centro.”

Em mais de uma hora de papo com a Você S/A, o executivo compartilhou algumas visões sobre o uso de IA nas empresas, além de iniciativas que foram implementadas e resultados obtidos na Mastercard. Mais: Fracarro também nos deu uma espiadinha em projetos que ainda estão por vir –  segundo ele, a companhia está “apenas arranhando a superfície”. Confira a entrevista completa abaixo.

 

Entendo que a empresa utiliza essas ferramentas de Inteligência Artificial há mais de 20 anos, certo? Como começou essa jornada?

A Mastercard lida com bilhões de fluxos de pagamento anualmente. Por isso, precisamos ter certeza de que podemos garantir a segurança e confiabilidade das operações. Operar o ecossistema entre o consumidor, o comerciante e o banco não pode ser feito manualmente. Portanto, há mais de duas décadas, a Mastercard tem essas ferramentas de IA para ajudar, especialmente, na detecção e prevenção de fraudes. Isso sempre fez parte do DNA da empresa.

Continua após a publicidade

Entrando nos recursos humanos, nos conte sobre o uso da IA ​​pela Mastercard para melhorar a produtividade e experiência dos funcionários. Pode nos dar exemplos de iniciativas implementadas?

Existem alguns exemplos. O primeiro é que criamos um marketplace interno de talentos, chamado Unlocked, tentando fomentar o desenvolvimento de carreira dos colaboradores da Mastercard.

O projeto começou na pandemia. Contratamos uma plataforma externa chamada Gloat, que nos forneceu as bases para lançar o aplicativo em questão de meses. Cerca de 34 mil funcionários – 87% da força de trabalho da Mastercard – conectaram seu perfil do Linkedin à plataforma.

De um lado, os colaboradores têm a chance de mostrar habilidades específicas, experiências, aspirações ou interesses; do outro, os líderes e gerentes podem divulgar detalhes de projetos dos quais precisarão de reforços.

A partir daí, não é necessário aplicar manualmente às vagas. A Inteligência Artificial do Unlocked faz o mapeamento das qualificações e disponibilidade para novos projetos, e envia um email para o colaborador, dizendo: “Encontramos este projeto que pode te interessar.” Caso o funcionário dê o sinal positivo, uma mensagem é encaminhada para o gerente do projeto, que verifica se a pessoa atende aos requisitos para participar e, caso sim, faz a convocação. Isso pode acontecer em qualquer lugar do globo.

Outro exemplo é relacionado com saúde e bem-estar. Instalamos uma extensão de Inteligência Artificial no nosso sistema Microsoft, que dá pequenos lembretes aos indivíduos. Por exemplo: se eu estiver prestes a enviar um email para um de meus colegas que está alocado em outro país, a tecnologia pode te dar uma “cutucada”: esse colega está alocado no Oriente Médio, e por lá o horário comercial já acabou. Este email agora é realmente necessário? Ainda, ela dá a opção de o email ser enviado e chegar à caixa de entrada do colaborador no dia seguinte.

Continua após a publicidade

Outro exemplo: se a agenda de um funcionário está muito lotada de reuniões, a IA pode dar outra cutucada: “Michael, percebi que você não teve nenhuma pausa nas últimas horas”. Ela incentiva você a dar uma pausa, e ainda obriga que, entre reuniões, o funcionário tenha ao menos 6 minutos de pausa. É o tempo mínimo para absorver aquilo que foi dito e dar um reset para a próxima reunião. 

Homem branco cis alto, de cabelos loiros e curtos, olhos claros sorrindo para a camera
Michael Fracarro, líder global de Recursos Humanos da Mastercard. (Divulgação/VOCÊ S/A)

Como vocês quantificaram esse impacto na produtividade? O que é sucesso para vocês nesse sentido?

Uma das medidas claras de sucesso tem relação aos custos. Hoje, 60% dos nossos projetos são realizados internamente. Não divulgamos números específicos, mas você pode ter uma noção na economia que isso gera para a empresa – dado que não é necessário contratar colaboradores externos nos projetos.

Outra medida de sucesso tem relação com o desenvolvimento de carreira na prática. Nos últimos 12 meses, um terço dos funcionários que trabalharam em algum projeto que encontraram via Unlocked foram realocados para novas vagas dentro da Mastercard. 

Em 2017, você concedeu entrevista falando sobre a importância da diversidade para a empresa. Como a IA tem ajudado a tornar a empresa mais inclusiva?

Na nossa triagem de currículos, por exemplo, temos filtros implementados por IA que permitem com que o gênero e histórico educacional do candidato sejam bloqueados. Isso serve para que nossas contratações não levem esses fatores em consideração.

Claro, isso é apenas um complemento. Em última análise, com todas essas ferramentas, ainda é necessário haver um humano no final. A segunda parte desse processo, então, é garantir que os painéis de entrevista tenham essa diversidade: chamamos mulheres, afrodescendentes, pessoas LGBTQIA+, enfim… – grupos minoritários sempre estarão presentes. É um pré-requisito obrigatório para garantir que o processo não seja tendencioso.

Continua após a publicidade

Como o uso da IA ​​impactou o processo de contratação da Mastercard?

Primeiramente, estamos usando Inteligência Artificial para ajudar a simplificar o processo de marcar entrevistas. O recrutador e candidato compartilham as agendas com a ferramenta, que encontra automaticamente horários em que ambos estão disponíveis. 

Se há um imprevisto e o candidato precisa mudar a hora, ele apenas informa quando estará livre, e o horário novo é sincronizado automaticamente com o gerente de contratação ou painel de entrevistadores. Do ponto de vista da eficiência, essa IA gerou uma economia de tempo para o RH da empresa de cerca de 90%. Mais: 60% das entrevistas são agendadas e confirmadas em menos de três horas.

De resto, estamos começando a experimentar com outras possibilidades. Temos um piloto de algo chamado Discovery Team, que serve como um banco de talentos. Na Mastercard, nosso recrutamento é ativo – não é necessário ter vagas abertas para que você demonstre interesse em trabalhar conosco. Quando essas vagas abrem, a ideia é que essa equipe use IA para analisar currículos e encontrar profissionais capacitados para os cargos com base nesse banco de talentos.

Mais do que isso, queremos desenvolver a experiência passiva do candidato. O que estamos experimentando são maneiras pelas quais podemos usar as ferramentas de IA para poder manter o contato com essas pessoas. Por exemplo, dizendo: “Sabemos que você ainda está interessado na Mastercard, aqui estão algumas atualizações que podem te interessar”. Assim, mantemos a conexão com o indivíduo, e fornecemos uma experiência cada vez mais customizada – muito parecido com o que a área de marketing das empresas faz com clientes, desta vez aplicado ao RH.

Por fim, outro piloto que estamos testando é uma espécie de ChatGPT, que serviria para apoiar os líderes da Mastercard. Digamos que um gerente precisa ter uma conversa sobre desenvolvimento de carreira com um de seus funcionários, mas não sabe como começar. Ele pode explicar a situação a essa IA, que fornecerá possíveis abordagens para o problema – alinhados aos valores e cultura da Mastercard.

Continua após a publicidade

E os clientes? O que podem esperar da empresa em termos de implementação de IA?

Utilizamos IA especialmente na detecção de fraudes, como citei anteriormente. Se eu viajar ao Chile, por exemplo, e o aplicativo receber a transação de um comerciante do qual eles não estão familiarizados, essa tecnologia envia automaticamente uma mensagem para certificar de que fui eu de fato a completar a compra – bloqueando-a caso a fraude seja confirmada.

Graças à Inteligência Artificial, 60% das entrevistas da Mastercard são agendadas e confirmadas em menos de 3 horas.

Implementamos IA também na nossa central de atendimento ao cliente. Recebemos milhares de ligações todos os dias, e essa tecnologia ajuda a direcionar e resolver as questões com 85% a 90% de precisão e muito mais rápido. Dessa forma, os funcionários dos call centers da Mastercard podem passar mais tempo lidando com problemas mais complexos do que entendendo para que lado essa ligação deve ser direcionada. 

Outro produto que lançamos recentemente com ajuda de IA é o chamado Shopping News. Fizemos parcerias com uma série de comerciantes, e a plataforma faz uma curadoria personalizada de produtos ou serviços conforme a demanda do cliente.

Houve inúmeras demissões em 2023 e 2024 que tiveram a IA como principal justificativa. Google, IBM, Meta, só para citar alguns. Neste cenário, como implementar essas tecnologias sem fazer com que os funcionários se convençam de que seus cargos de trabalho estão com os dias contados?

Na Mastercard, entendemos que as ferramentas de IA criarão novas oportunidades e eliminarão grande parte do trabalho repetitivo que todos nós temos. Agendar reuniões, dar cutucadas relacionadas a saúde e bem-estar, aquelas coisas que citei anteriormente. Esses não são substitutos, certo? Eles são apenas complementos. 

Claro, existem empregos que serão impactados. No call center, por exemplo, onde há muitas dessas tarefas repetitivas. E são esses funcionários que temos que garantir essa segurança. 

Um jeito de garantir que eles estejam tranquilos em relação a essas mudanças é trazê-los ao longo do caminho. Damos aos funcionários algumas orientações, como: identifique um processo que você acha que pode ser simplificado ou melhorado. Desenvolvemos uma IA que ajude com isso e damos esse retorno à equipe. Assim, eles veem o valor e entendem como essas ferramentas podem realmente ajudá-los, versus eles sentirem que as oito horas de seu dia são formadas por trabalhos que podem ser automatizados. 

Mas a verdade é que, no fim das contas, as pessoas são donas de suas carreiras. Elas sabem que essas mudanças sempre acontecerão, e nós incentivamos e temos os recursos para ajudar as pessoas a continuarem a investir em si mesmas e no desenvolvimento de suas habilidades. Se você ficar parado, então essas coisas passarão por cima de você. Você precisa realmente abraçar a mudança e se juntar a ela. 

A empresa tem planos de implementar uma divisão apenas para IA? Isso já aconteceu?

Em abril, anunciamos um Chief AI and Data Officer [diretor de IA e dados]. Greg Ulrich será responsável pela maneira como olhamos para IA em toda empresa, entender como comercializamos ainda mais essas ferramentas e, claro, como cumprimos todos os regulamentos existentes.

Outra parte que temos é a de inovação: temos um Chief Innovation Officer, Ken Moore. Claro, muita inovação está relacionada à tecnologia e IA, então isso também recai sob o escopo dele.

Na minha equipe de recursos humanos, atribui a responsabilidade de liderar projetos de IA a um funcionário específico também. 

Quais são os planos para o futuro para você, como CMO? O que você gostaria de ver nos próximos anos relacionado à implementação de IA na empresa?

Acho que estamos apenas arranhando a superfície. De um ponto de vista operacional, essas ferramentas vão realmente mudar a maneira como personalizamos nossas experiências dentro da empresa.

Se você ficar parado, então essas coisas passarão por cima de você. Você precisa realmente abraçar a mudança e se juntar a ela.

Michael Fracarro

 

De um ponto de vista de dados e análises, enquanto chefe de RH, quero saber o que realmente está acontecendo na organização. Por que as pessoas estão felizes ou frustradas? Essas tecnologias me ajudam a ter uma noção da organização com um clique de botão, em vez de esperar um mês para que os relatórios sejam publicados. Acho que isso também melhorará toda a experiência do funcionário.

Mas, como disse, são complementos ao aspecto humano, que é o mais importante. É por isso que eles são chamados de ferramentas. O martelo nada seria sem o carpinteiro. Mas elas, com certeza, vão nos ajudar a ser melhores e mais eficazes – especialmente no trabalho.

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade