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Vale a pena ter ações da BRF?

A dona da Sadia e da Perdigão recebeu uma lufada de ar fresco quando Marcos Molina, dono da Marfrig, tornou-se seu maior acionista. Este 2022, porém, se mostra mais desafiador. Entenda.

Por Tássia Kastner
13 Maio 2022, 04h46
fachada da BRF em Santa Catarina
 (BRF/Reprodução)
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Dá para dividir as empresas da bolsa entre as que têm dono e as que não têm. A Petrobras tem: é controlada pelo Estado brasileiro, que detém 50,26% das ações ordinárias, que dão direito a voto; o Itaú Unibanco, também. São as famílias Setubal e Moreira Salles que dão as cartas. A JBS é dos irmãos Batista. Lá fora, a Tesla é de Elon Musk. São eles que elegem o CEO e determinam os planos para o futuro do negócio.

Do outro lado estão as empresas cujo controle é diluído. Vários grandes acionistas detêm cada um uma parcela mais ou menos equivalente das ações ordinárias. E ninguém tem como decidir nada sozinho. Sempre que algum deles quiser influenciar nos rumos da gestão, terá de negociar e buscar apoio dos demais acionistas em assembleia. Nesse grupo estão a Apple, a Vale, a Renner… E também a BRF.

Não foi sempre assim. A BRF surgiu em 2009, com a fusão da Sadia com a Perdigão. Por décadas, quem liderava o mercado era a Sadia, uma empresa da família de Atílio Fontana, o fundador. Do lado da Perdigão estavam as famílias Brandalise e Ponzoni. As duas empresas surgiram em Santa Catarina. Lá nos anos 1990, a Perdigão entrou em apuros e foi salva por fundos de pensão das estatais. Em 2006, ainda em crise, foi alvo da Sadia, que tentou abocanhar a concorrente. Foi com uma oferta hostil (à la Elon Musk com o Twitter: chegar no mercado e propor a compra do controle). Mas o fato é que a Perdigão, ainda que em dificuldades, não estava à venda. 

Dois anos depois, a crise de 2008 quase levou a Sadia à falência. Não por problemas com a venda de presunto, salsicha e frango, mas porque ela havia montado um braço financeiro. No começo, era para proteger a companhia das intempéries do câmbio –  fechar contratos de compra e venda de dólares a preços pré-combinados, de modo a garantir previsibilidade para o fluxo de caixa (coisa que toda grande companhia que importa e exporta bastante faz). 

Mas a coisa virou uma operação para especular com a moeda americana. Ou seja: tentar lucros estupendos apostando na alta ou na baixa do dólar, como faz a turma que brinca de day trade, mas dessa vez colocando em risco milhões do caixa de uma companhia de capital aberto. Na época, as operações no mercado financeiro apostavam na queda do dólar. O estouro da bolha imobiliária e a quebra do Lehman Brothers fizeram a moeda americana disparar. Aí danou-se: abriram um rombo bilionário da noite para o dia. 

A Sadia tinha tudo para falir. Naquele momento, os mesmos fundos de pensão estatais que já eram os principais acionistas da Perdigão lideraram a operação para a incorporação da Sadia. Nascia a BRF, uma empresa sem controlador.  

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Do ponto de vista de governança corporativa, companhias sem dono costumam ser consideradas melhores para o pequeno investidor. A gestão pulverizada atenderia ao interesse de todos os acionistas, e não apenas os do controlador. Só que as disputas familiares não cessaram.

No caso da BRF, isso levou a uma rotatividade impensável nos cargos de liderança, fez disparar o endividamento e, há sete anos, deixa os investidores sem dividendos.

Não à toa, 13 anos depois de celebrar a criação da BRF como uma empresa sem dono, agora investidores comemoram a tomada de assalto por outra companhia do setor. E agora? O destino dela está realmente prestes a mudar?

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À revelia

Em maio de 2021, a Marfrig comprou 33% das ações da BRF na bolsa – a maior entre todos os outros acionistas, ainda que não lhe garanta o controle. E só parou por aí porque, se ultrapassasse a linha, seria obrigada a fazer uma oferta para levar a companhia inteira. Esse instrumento, chamado pílula de veneno, existe justamente para evitar que uma empresa de capital pulverizado passe a ter um dono.

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O lance é que a Marfrig é o oposto da BRF. Tem controlador: Marcos Molina. E foi ele quem engendrou o plano de tomada da BRF. Agora, ocupa a presidência do conselho não só da companhia que fundou, mas também a da dona da Sadia e da Perdigão.

Para a vice-presidência do conselho, ele emplacou Sergio Rial, o ex-presidente do Santander que anos antes havia ocupado o cargo de CEO da Marfrig. Foi na gestão de Rial que o frigorífico baixou seu nível de endividamento e recuperou rentabilidade – missões que a dupla deve tentar resolver na BRF também. Em suma: mesmo sem ter o controle pleno (algo que só teria com mais de 50% dos papéis), Molina começou a dar suas cartas. 

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A dívida bruta da companhia soma R$ 25,8 bilhões, para um Ebitda (uma espécie de lucro operacional, o dinheiro que paga as dívidas) de R$ 5,6 bilhões no ano passado. Dá uma alavancagem de quase cinco vezes. Alta – a da própria Marfrig é de 1,51 vez. 

Pode ser consequência de anos de gestão instável. O Credit Suisse calculou que, em dez anos, a BRF teve 60 executivos em 12 cargos de liderança, além de seis CEOs diferentes. E imagina que a presença do dono da Marfrig ali possa tirar a BRF desse círculo vicioso. “Nós acreditamos que ter Marcos Molina como um investidor de referência ajudará”, escreveu o banco. 

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O BTG foi ainda mais enfático ao comemorar a formação do novo conselho da BRF, agora com gente que entende do mercado como um todo. O banco escreveu: “Um profundo conhecimento da indústria e total alinhamento com o novo acionista de referência da companhia [Molina] é algo que sempre quisemos ver. Ter uma direção estratégica clara e de longo prazo para uma companhia que lida com uma cadeia de produção tão longa, competição massiva e um balanço alavancado [dívidas] é algo a ser celebrado”.

A visão otimista, porém, não mudou a recomendação para os papéis, que é neutra. O BTG tem preço-alvo de R$ 25. O Itaú BBA projeta R$ 24, enquanto o Bank of America estima R$ 20. As ações acumulam queda de 33% em um ano, negociadas abaixo dos R$ 15 – o patamar é inferior inclusive ao vale causado pelo começo da pandemia, em março de 2020.

E faz sentido, já que a empresa atravessa um cenário ainda mais desafiador.

O que é um frango

A BRF gera mais da metade de sua receita anual no Brasil. Em 2021, faturou R$ 48,3 bilhões, dos quais R$ 28,4 bi vieram da operação nacional. É uma diferença significativa quando comparada com a Marfrig ou a JBS, que têm mais de 70% do seu faturamento no exterior.

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Há uma segunda diferença marcante. A BRF é especializada na produção de aves e suínos, enquanto a Marfrig foca na produção bovina. A JBS, a maior processadora de carnes do mundo, gera 10% da sua receita com a Seara, a marca que concorre diretamente com a BRF no Brasil. Mas seu grande negócio é mesmo a produção de carne de boi – mais cara no mercado, capaz de oferecer margens mais folgadas aos produtores.

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(BRF/Reprodução)

Já a BRF depende de carnes mais baratas, e do Brasil. Isso deixa a companhia mais vulnerável aos ciclos da economia brasileira do que suas pares no setor de carnes. E o momento atual é especialmente complexo. 

Antes de virar carne no supermercado, o frango passa 45 dias sendo alimentado com ração de milho e farelo de soja. A alimentação das aves consome 75% dos custos de produção da carne – e essa despesa cresceu 100% em dois anos.

O preço do frango também subiu para o consumidor, mas não na mesma velocidade: foi algo na casa dos 70%. Isso se traduz em compressão de margens da BRF. Faz sentido. A inflação de dois dígitos no Brasil corroeu o poder de compra da população, e os alimentos é que puxam o aumento no custo de vida. A renda média do trabalho caiu 10% em um ano. Significa que não há como repassar o aumento de custos. E ele continuou. Os preços do milho e da soja continuam avançando no mercado internacional, uma cortesia da guerra na Ucrânia.

O país é um importante produtor de milho, e a Rússia, fonte de fertilizantes, necessários para manter a produtividade das lavouras. Com os dois produtos em falta no mercado global, o milho atingiu no mês de abril a maior cotação desde 2012 nas bolsas americanas. Sinal de que o ano não será fácil para a BRF.  

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Antes da divulgação dos resultados do primeiro trimestre, que ocorreria após o fechamento desta edição, bancos tentaram estimar as chances de uma melhora nos resultados da companhia do segundo trimestre em diante. O primeiro era dado como perdido. 

O BTG estimou, por exemplo, que os números da companhia poderiam começar a melhorar a partir do segundo semestre. Mas não por um upgrade nas condições econômicas. O banco pontuou que a queda de margem no setor está levando a uma menor oferta – o que abriria espaço para aumento de preços.

O BofA, por outro lado, estima que a empresa terminará o ano no prejuízo e que a recuperação viria apenas em 2023, quando a companhia poderia voltar a pagar dividendos. 

A julgar pelo retrospecto, fica difícil apostar na empresa. A esperança é que Molina e Rial consigam fazer na BRF a mesma revolução que implantaram na Marfrig. Só que esse é um plano de longo prazo. 

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