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Vale a pena comprar ações do Banco do Brasil (BBAS3)?

O BB é o maior banco brasileiro – e também o mais rentável. E ainda assim suas ações estão até 70% mais baratas que as dos concorrentes. Descubra por quê.

Por Tássia Kastner
13 jan 2023, 04h58

A relação do Banco do Brasil (BBAS3) com a Faria Lima é uma espécie de As Mil e Uma Noites às avessas. A gestão de Fausto Ribeiro, que tomou posse em abril de 2021 e se despede do comando do banco com a troca do governo, queria entender por que as ações do BB eram negociadas a um preço via de regra 20% mais baixo que os papéis dos concorrentes privados Itaú, Bradesco e Santander. A resposta fácil, de que era o preço a ser pago porque se trata de um banco público, já não bastava.

E tal qual uma Sherazade, gestores de fundos e analistas de ações passaram a dizer o que gostariam de ver na condução do banco para que pudessem investir na companhia. Despontaram três demandas. O BB precisaria elevar a sua rentabilidade, o que significaria também entrar com mais apetite em linhas de crédito consideradas mais arriscadas. O segundo era pagar dividendos mais generosos, acima da distribuição obrigatória de 25% do lucro. E, por fim, queriam mais transparência, o que pode ser traduzido como “ver seus desejos realizados”.

O Banco do Brasil cumpriu sua parte no acordo e entregou um lucro recorde de R$ 8,1 bilhões no terceiro trimestre, um salto de 76% na comparação com 2021 e o maior resultado entre os grandes bancos. Correndo por fora, ele se tornou o banco mais rentável do país, desbancando o Itaú e até o Santander, que vinha tentando roubar a liderança.

A política de dividendos também mudou. O BB subiu seu payout de 25% para 40% do lucro, isso enquanto os concorrentes privados deram uma fechada na torneira. Por fim, a comunicação com  o mercado financeiro passou a ser prioridade – transparência.

E a ação do BB até subiu. No acumulado de 2022, a valorização de BBAS3 foi de 20,4%, generosa perto dos 4,69% do Ibovespa. Só tem um problema. Agora, o BB é 60% mais barato que o Itaú, e sai por 77% menos que o Santander. Comparada com o Bradesco, ela está 50% mais barata. 

Essa conta é feita pelo P/L, o indicador que divide o preço de todas as ações pelo lucro anual da companhia. O resultado mostra quantos anos o investimento nas ações levaria para se pagar caso todo o lucro fosse distribuído na forma de proventos. O P/L do BB está em 3,18, o do Bradesco em 6,47, o do Itaú em 8,56, e o do Santander em 13,78.

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De 16 analistas que cobrem o BB, 14 recomendam a compra da ação (dois são neutros). E o preço-alvo médio do papel é de R$ 53,78, 58% acima dos R$ 34,73 do fim de dezembro. É como se os analistas estivessem dizendo “vai indo, que já te alcanço”. Mas os investidores não vão. Por que, afinal, as ações do Banco do Brasil parecem presas numa história que nunca chega ao fim?

O legado

O Banco do Brasil sempre foi mais conservador no crédito, em parte porque tem uma posição privilegiada no mercado. Controlado pela União, ele processa cerca de 80% da folha de pagamento dos servidores públicos. Isso coloca o BB em uma vantagem competitiva: tem muitos clientes com renda estável mesmo em períodos de crise, o que potencialmente diminui o risco de calotes. Isso fez com que, ao longo dos anos, o BB tenha ficado em um berço esplêndido, dando-se ao luxo de só conceder empréstimos a quem era correntista do banco. 

Via de regra, isso faz do BB um banco com inadimplência abaixo da média. No terceiro trimestre, a taxa de atrasos acima de 90 dias estava em 2,34%, menor que os 2,8% do mercado.

Dos R$ 900 bilhões da carteira de crédito do Banco do Brasil, 27% são empréstimos ao agronegócio e 22% financiamentos a grandes empresas – segmentos com seguro e garantias. No braço de empréstimo a pessoas físicas, o coração do BB é crédito consignado (14% da carteira total) e apenas 6% das concessões de crédito do banco são via cartão.

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Parece o jeito perfeito de ser banco, mas existem efeitos colaterais para essa estratégia. A principal fonte de receita e de lucro de uma instituição financeira é o crédito. Melhor, é o spread. Spread é a diferença entre a taxa de juros que o banco paga para captar dinheiro em relação ao que ele cobra nos empréstimos. Quando você tem dinheiro em conta-corrente, o banco usa essa grana a custo zero para conceder crédito. Se você investe em um CDB que paga 90% do CDI, esse é o custo de captação do banco. Dá 12,38% ao ano hoje. No crédito consignado, o BB tem juro médio de 24,43% ao ano. No cartão de crédito, 398,81%. É dessa diferença que vem o lucro.

Claro, não é tão trivial assim, já que uma parte dessa diferença vai para cobrir eventuais calotes. De qualquer maneira, o conservadorismo nas linhas de crédito tende a reduzir a margem de lucro na comparação com os demais bancões.

É aqui que mora uma das críticas da Faria Lima ao BB – e por onde passa uma das estratégias para o futuro. O banco começou a oferecer cartão de crédito a não-correntistas  como um primeiro passo para navegar em “mar aberto” – ou seja, disputar clientes de outros bancos, e em linhas mais rentáveis.

Ainda são “baby steps”. De todos os pedidos de cartões que o banco recebe, apenas 3% são aprovados, um resumo da dificuldade que é avaliar clientes sem relacionamento com a instituição, ainda mais num período em que a inadimplência no cartão de crédito supera os 40%.

Antes mesmo de essa expansão começar a ter algum impacto, porém, o BB conseguiu elevar a sua receita ligada a crédito. No jargão do setor, chama-se esse ganho de margem financeira. Ela pode ser margem com clientes (o crédito) e margem com o mercado (operações com títulos públicos). A margem financeira total do BB saltou 25% na comparação anual, chegando a R$ 19,6 bilhões no terceiro trimestre. 

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Foi um resultado comemorado pelos analistas, que agora veem o BB em pé de igualdade com os bancos privados, ao menos quando o assunto é rentabilidade.

Na verdade, hoje o Banco do Brasil está melhor. O ROE (retorno sobre o ativo) mede a capacidade de uma empresa gerar lucro com o dinheiro do acionista. Nisso, o Itaú sempre foi o grande líder, com ROE acima de 20%. Por alguns trimestres, o Santander conseguiu ficar no topo. Neste 2022, o BB roubou o pódio com ROE de 21%, isso enquanto a rentabilidade dos privados recuava para abaixo dos 20%.

Analistas não acreditam que o BB continuará na ponta com folga. O Goldman Sachs prevê um recuo para 19% em 2023 e 17% em 2024. Ainda assim, o ROE estará mais alinhado com os bancos privados do que era anteriormente, quando o Itaú tinha um de 20%, e o BB, um de 15%.

Mais que um banco

Enquanto fala do presente e do futuro próximo, o Banco do Brasil tem um problema de longo prazo para enfrentar. Sua base de clientes envelheceu, e o banco não tem conseguido atrair jovens para os seus serviços. A idade média dos correntistas é de 40 anos.

O problema do público jovem é que ele é menos rentável. No começo da carreira, ganha-se pouco, a demanda por crédito é limitada e o cartão de crédito, ainda mais arriscado. Por conta disso, os bancos se dividem sobre a efetividade de atrair esses clientes na expectativa de fidelizá-los para o futuro, quando o salário subir, ou esperar que eles tenham mais renda, estejam prontos para comprar carro e casa, e só aí atraí-los.

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O BB tem preferido o primeiro caminho. Em vez de esperá-los crescerem, lançou uma conta para adolescentes e tem investido mais em patrocínios que sirvam para conversar com o novo público. A campanha da conta digital é estrelada por Rayssa Leal, a skatista “fadinha” que faturou medalha de prata nas Olimpíadas do Japão.

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Todos os bancões ficaram para trás quando fintechs tipo Nubank chegaram ao mercado oferecendo cartão e conta sem tarifas – e sem precisar de uma jornada até uma agência bancária. Depois, os bancões correram atrás do prejuízo, deixaram algumas tarifas pelo caminho e mais ou menos reequilibraram o jogo.

Só que o BB enfrenta um problema adicional de imagem: é um banco público com uma marca de mais de 200 anos. Demorou mais para fazer a transição completa do seu app e para convencer clientes de que tem serviços tão simples e eficientes quanto os dos bancos digitais.

O BB também imitou outros caminhos abertos pelas fintechs. Abriu uma loja online no app, modelo iniciado no Brasil pelo Inter e copiado por todo o mercado, de fintechs aos quatro grandes da bolsa. De cara, o banco passa a ganhar a taxa de processamento da compra, algo como 7% a 12% do valor da transação, a depender do acordo com o lojista. Esse é um jeito que as instituições financeiras ganharam para complementar as receitas com tarifas à medida que caiu o ganho com anuidades de cartão e tarifas de manutenção de conta.

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Mas esse é só um pedaço do negócio. O plano do BB é passar a dar crédito para as compras a prazo, recuperando uma linha de negócio tipicamente bancário, mas que ficou nas mãos das varejistas ao longo do tempo. 

A loja online deve ganhar ainda um braço de “classificados”, com serviços oferecidos por pequenos empreendedores clientes do banco. Não há prazo ainda para que essas iniciativas comecem a se converter em resultados financeiros. Enquanto isso, o BB precisa lidar com os desafios de ser um banco público.

Blindado

A tentativa de rejuvenescer o Banco do Brasil começou há pelo menos quatro anos – e foi também a responsável pela primeira das crises do governo Bolsonaro com a independência das estatais.

Em abril de 2019, o banco lançou um comercial com jovens fazendo selfies e vídeos para redes sociais, incentivando a abertura de conta no BB pelo celular. Entre os atores, havia negros e uma mulher trans. Jair Bolsonaro, que estava há apenas quatro meses na Presidência da República, mandou tirar a campanha do ar. O diretor de marketing do banco foi demitido.

À época, o BB era presidido por Rubem Novaes, um amigo de longa data do então ministro Paulo Guedes. Ambos filiados à Escola de Chicago, queriam a privatização do banco público, projeto sepultado pelo próprio Bolsonaro. Um ano e meio depois, Novaes pediu demissão do cargo por razões pessoais. A frustração com a dinâmica de Brasília, a pandemia e a idade – ele tinha 76 anos – teriam pesado na decisão. 

O substituto foi André Brandão, que havia feito carreira no HSBC. Ficou seis meses no cargo e renunciou. A crise veio logo após o anúncio de que o banco promoveria o fechamento de várias agências juntamente com um programa de demissão voluntária. A medida de enxugar a rede de agências físicas e reduzir o quadro de funcionários já vinha pelo menos desde 2016, num movimento que também ocorria nos bancos privados. Ainda assim, Bolsonaro esbravejou de tal maneira que Brandão preferiu sair. O PDV foi executado, com a adesão de mais de 5 mil funcionários.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Os defensores do Banco do Brasil dizem que, hoje, apesar do barulho, a instituição financeira tem instrumentos sólidos o bastante para se blindar das interferências do governo de turno, mesmo que ele seja o controlador da instituição. Quem assumirá a presidência será Tarciana Medeiros, a primeira mulher a comandar o BB. Ela é funcionária de carreira do banco, assim como Fausto, algo considerado positivo pelo mercado. 

Mesmo antes da mudança, analistas de ações não mencionavam a mudança de gestão como motivo de receio. Quando revisou sua recomendação de compra das ações, elevando o preço-alvo de R$ 46 para R$ 48, o Goldman Sachs escreveu que os riscos para 2023 seriam o aumento da inadimplência e a expansão do crédito a juros não tão altos. 

O Itaú, por outro lado, escreveu que investidores estrangeiros devem ficar ecumenicamente de fora do setor bancário em 2023. O risco seria um aumento das alíquotas de impostos sobre as instituições financeiras, uma figurinha fácil quando o governo precisa elevar a arrecadação – aconteceu sob Bolsonaro, sob Temer, sob Dilma… É do jogo, mas sobra menos para pagamento de dividendos a investidores. 

No fundo, o futuro do BB está traçado – ele tende a seguir operando de forma tão eficiente quanto seus pares privados, mais caros. Resta saber quando investidores vão concordar com os analistas, de que a ação é barata demais para ser ignorada. 

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