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Santander: vale a pena ter ações do mais rentável dos bancões do país?

Ele cresceu apostando em crédito de maior risco e mesmo assim manteve a inadimplência sob controle. Daqui para frente, os resultados estão ameaçados pelo open banking.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 20 ago 2021, 08h26 - Publicado em 19 ago 2021, 15h00
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er cliente de um bancão é como voar de avião: existe a passagem barata, mas há quem esteja disposto a pagar pela classe executiva. No mundo financeiro, faz tempo que dá para usar a grande maioria dos serviços de banco sem pagar nada. Ainda assim, uma miríade de correntistas topa desembolsar uma grana todo mês para carregar um cartão black na carteira ou ter acesso a um gerente VIP.

E essa é a aposta do Santander para se manter como o mais rentável dos bancos do país. Chegar a tal marca foi um trabalho de mais de cinco anos. Em 2016, quando Sérgio Rial se tornou presidente da instituição, o ganho dos acionistas medido pelo ROE (retorno sobre o patrimônio líquido) era de 12,8%. Nessa época, o Itaú já gerava ganhos acima de 20% para seus acionistas. Era um abismo tão grande que, mesmo já no top 5 dos maiores do Brasil, o banco de origem espanhola era considerado pequeno aos olhos dos investidores da bolsa. À frente dele no radar ficavam, além do Itaú, Banco do Brasil e Bradesco – os três grandes de capital aberto. 

Isso mudou. Ao longo da gestão de Rial, a rentabilidade praticamente dobrou. E bateu 21,6% no final de junho, superando o ROE do Itaú. Os resultados consistentes do Santander serviram como um amortecedor para o impacto da pandemia sobre as ações.  A queda ainda existe, na faixa de 20% desde o fim de 2019, isso enquanto o Ibovespa acumula uma leve alta de 5%. O lance é que só o Itaú tem desempenho semelhante na bolsa. O Bradesco está 36% abaixo; Banco do Brasil, 39%. 

Além de atrair mais clientes e vender mais produtos, o que o Santander fez foi crescer no crédito em linhas mais arriscadas, como empréstimo pessoal e para micro e pequenas empresas.

O banco alcançou 50 milhões de clientes no final de junho, um incremento de 1,3 milhão no segundo trimestre do ano. Nem todos são correntistas, e aqui começam as sutilezas. Do total, 29 milhões são clientes ativos, ou seja, atualmente consomem algum produto do banco, em vez de só manter uma conta bancária sem dinheiro, por exemplo. O Santander não chama a outra metade de inativos; diz que são 30,2 milhões com “potencial de engajamento”. Ou seja, são clientes para quem será preciso vender serviços ativamente até que eles gerem a receita esperada. 

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Correntistas ativos mesmo são 14,1 milhões, 7,1 milhões são fiéis. Trata-se dos que chegam a ter mais de seis produtos do banco – cartão de crédito, seguro de vida, financiamento de casa própria, fundos de investimento.

Na definição do banco, esses são os clientes que se sentem bem atendidos a ponto de aceitar pagar por vários serviços sem pesquisar eventuais alternativas mais baratas no mercado. “Se você tem uma experiência boa comigo, pode estar disposto a pagar. Por isso as pessoas voam de classe executiva”, disse Rial a jornalistas.

Não há nada de novo nessa estratégia. Espremer o máximo de cada cliente é o que tem levado grandes bancos a lucros bilionários nas últimas décadas. O Santander é que estava atrasado. Isso veio da época em que contratar serviços financeiros exigia uma ida à agência. Do seu lado, você já fazia tudo num lugar só para evitar a fadiga de ir a outro banco presencialmente. E ter uma conta bancária numa instituição e conseguir crédito na outra seria um milagre. É que banco nunca teve interesse em vender serviços avulsos, já que o ganho é maior com essa espécie de venda casada – coisa que, no jargão bancário, é chamada de “vinculação”. 

Te dar uma conta-corrente, no fim das contas, era só um pedágio para que logo, logo o banco te vendesse crédito, o “produto” mais lucrativo para ele. 

Equilíbrio perfeito

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onceder crédito é andar na corda bamba. Você, banqueiro, precisa encontrar o equilíbrio perfeito entre a quantidade de empréstimos concedidos e a taxa de juros cobrada dos clientes para garantir que, mesmo com os calotes – inevitáveis –, haja lucro suficiente para justificar o negócio. Nisso, bancos preferem emprestar para grandes empresas, que têm mais garantias a oferecer e menos risco de deixar de pagar. Para pessoas comuns, filhas de Deus, as linhas de crédito preferidas pelos bancos também são aquelas com garantia, caso do consignado, que desconta o valor da prestação direto do salário, e financiamento imobiliário, cuja casa fica em nome do banco até que o cliente pague todas as parcelas.

Só tem um porém. Esses são os créditos mais baratos do mercado, em parte efeito da competição, em parte do menor índice de calote. Todas as instituições financeiras querem emprestar dinheiro desse jeito, mais seguro. Beleza, mas aí entregar rentabilidade para o acionista é mais difícil. Um caminho para compensar esse problema é emprestar mais, só que há um limite. Nem todo mundo consegue colocar o salário em garantia e tampouco há uma quantidade infinita de pessoas com capacidade de financiar um apartamento.

Aí é preciso ir para outro caminho, o do crédito nas linhas mais arriscadas, em que dá para cobrar juros mais polpudos. Segundo dados do Banco Central, a diferença no Santander é a seguinte: crédito consignado para servidores públicos sai por 16% ao ano no banco, quem não tem a garantia do salário paga 80,67% ao ano num empréstimo pessoal tradicional.

Fachada de um prédio espelhado na região da Faria Lima. Em frente, bandeiras de São Paulo, Brasil e Espanha.
O Santander Brasil está instalado na torre ao lado do shopping JK, na região da Faria Lima. (Santander Brasil/Divulgação)

O Santander diz que 71% de todos os seus empréstimos concedidos a pessoas têm garantias. O mercado ainda acha que o banco adota uma postura arriscada. A XP escreveu em um relatório que 42% desses empréstimos são em financiamento a veículos, que têm garantias, só que mais frágeis. O carro fica em nome do banco, mas tem rodas. Se a pessoa não pagar as prestações, é mais difícil reavê-lo para colocar à venda e cobrir o prejuízo. Isso sem falar que carro desvaloriza mais que o real, ao contrário do que acontece com casas.

Tem mais. Bancos cultivam um trauma recente. Em 2011, com a economia crescendo forte, o mercado viveu uma explosão. Passou-se a financiar carro zero sem entrada para pessoas sem histórico de crédito. A conta chegou dois anos depois com uma inadimplência de 7,2%. O episódio traumatizou tanto o sistema financeiro que até hoje os bancos são mais cautelosos nesse segmento, e a inadimplência passou a ser menos da metade, 3,4%. Por isso, o mercado tende a achar a grande atuação do Santander nesse mercado algo arriscado.

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Existe outra característica do banco que deixa analistas receosos. A vontade de conceder crédito mais arriscado não é acompanhada de reservas mais robustas para cobrir eventuais calotes. Isso é medido pelo índice de cobertura, que diz quanto dinheiro o banco tem em comparação com todos os pagamentos que estão em atraso – e que podem não vir nunca. Esse índice no Santander está em 263%. Não é pouco. Significa que, para cada R$ 1 milhão em pagamentos atrasados neste momento, ele tem R$ 2,63 milhão em caixa para cobrir (ou seja: há uma boa manga para o caso de uma eventual explosão na inadimplência). Mesmo assim, a manga da concorrência é maior, na casa dos 280%. 

A inadimplência do Santander é de 2,2%, em linha com os 2,3% de média do mercado. Isso mostra que o banco tem escolhido bem a quem conceder crédito. Mesmo assim, analistas acreditam que a carteira menos ortodoxa do banco segue sendo um fator de risco.   

 

Gráfico de ações do Santander. Elas valiam R$ 40,46 ao fim de julho.

Em grande parte por conta desse risco de crédito, a XP recomenda a venda dos papéis do Santander, e aposta em uma queda de 10% da ação, a R$ 36, dos atuais R$ 41. “Acreditamos que a operação bancária do Santander poderia ser mais afetada por uma inadimplência de mercado acima do esperado”, disseram os analistas da corretora. O Goldman Sachs também recomenda a venda, com preço-alvo de R$ 37.

A Ativa Investimentos tem receios semelhantes aos da XP: “Com uma carteira de crédito arrojada e o nível de provisionamento mais baixo do que de seus pares e diante de um cenário macro ainda muito instável para 2021, preferimos optar por players mais conservadores”, disse a casa. Só que, no caso da Ativa, a recomendação é neutra, o que quer dizer que investidores não devem fazer nada. Nem comprar, nem vender, se já forem acionistas. Já a Genial recomenda a compra e aposta em uma alta de quase 40% no papel, mas com o aviso de que existe esse risco nas operações de crédito. 

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Só que esse não é o único risco apontado pelo mercado. O maior receio de analistas é o de que a competição trazida pelas fintechs finalmente signifique uma perda de rentabilidade para os bancões. 

Concorrência

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ial assumiu a presidência do banco e focou no esforço de venda casada justamente no momento em que o mercado financeiro sofria os primeiros ataques das fintechs. Teve o cartão sem anuidade do Nubank, as contas digitais sem tarifas, como a do Inter e a do Neon, as corretoras pelo celular sem taxas para compra e venda de ações, tipo a Warren. A ameaça era clara: cada uma dessas empresas estava ali para morder um naco de receita que as grandes instituições financeiras ganhavam quase que por osmose. 

Os bancos desdenharam da ameaça e, em alguma medida, estavam certos. Ainda que bancos digitais tenham arrebanhado clientes, as receitas com taxas de prestação de serviços dos bancões (como manutenção de conta e anuidade de cartão de crédito) se mantiveram sólidas. A primeira queda foi no segundo semestre do ano passado, quando houve uma redução na renda e, portanto, no uso dos serviços bancários. Algo semelhante aconteceu com cartão de crédito, mas aí o Santander fez valer a estratégia da vinculação – e a recuperação veio.

Sem dizer qual é a quantidade de plásticos emitidos, o banco afirmou ter batido um recorde nessa modalidade. Foi um crescimento de 93% em um ano o número de usuários de cartões. Desses, 82% eram correntistas, mas que tinham apenas o cartão de débito. 

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Para além do discurso de desdém e algumas demonstrações de força (caso dos cartões), banco nenhum ficou parado esperando o trem fintech passar por cima. Foi nesse período que o Santander turbinou aplicativos e começou a expandir operações digitais. Em 2019, o banco lançou uma fintech de crédito, a Sim, que dá crédito pessoal a não correntistas. Também entrou no segmento online de renegociação de dívidas, com a emDia (sim, com minúscula mesmo no início). 

Mas nem tudo deslanchou como esperado. Quando o discurso da XP de “desbancarize-se” pegou e boa parte do público com capacidade para investir passou mesmo a rejeitar os bancos, o Santander lançou a Pi. Isso foi em 2019 e a ideia era começar uma corretora online do zero, completamente apartada da estrutura do banco. Só que ser uma startup dentro de um bancão não é algo trivial. As primeiras versões do aplicativo eram cheias de bugs e os produtos de investimento ainda eram majoritariamente de renda fixa, isso num momento em que a bolsa chegava ao primeiro milhão de investidores. A Pi nunca escalou de verdade, e a solução, no fim, foi a compra de 60% da Toro, essa sim uma corretora online que tinha nascido independente, e especializada em renda variável.

Conforme ampliava os serviços para enfrentar a concorrência, o banco reforçava o discurso da conveniência: se o cliente encontra todos os produtos financeiros do mercado aqui mesmo, por que buscaria a concorrência? Essa história, porém, pode mudar. 

Estátua de um toro roxo na entrada de um prédio comercial
Estátua na sede da Toro, corretora digital comprada pelo Santander. (Santander Brasil/Divulgação)

A concorrência vem até você

 

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a chegada do open banking que pode fazer com que fintechs deixem de ser apenas uma pedrinha no sapato e passem a ser vistas como um problema para a rentabilidade dos bancões. Até agora, havia uma barreira de entrada brutal: começar um relacionamento. Um cliente interessado no cartão sem anuidade de uma fintech precisava preencher um cadastro do zero e se submeter a uma análise de crédito. Arriscava não receber um limite tão generoso quanto o que tinha em seu banco de grande porte, e perder o interesse. Isso tem razão de ser. Instituições financeiras menores têm menos dinheiro para transformar em crédito, e elas ainda não conhecem o cliente bem o bastante para arriscar limites maiores. 

Com o open banking, uma parte do problema deixa de existir. O cliente pode mandar para a fintech o seu histórico bancário, facilitando a análise de crédito. Nem mesmo o cadastro precisará ser feito do zero. Com o CPF e o consentimento do cliente, empresas podem bater na porta do bancão e pedir acesso a todos os dados. 

Isso elimina um outro problema enfrentado pelas fintechs, e que dava vantagem para bancões como o Santander. Até aqui, elas tinham um leque reduzido de serviços, e clientes precisavam ter relacionamento com mais de uma fintech para usar tudo o que precisavam. Isso implicava manter vários apps e fazer o dinheiro fluir entre eles. Uma hora cansa. Com o open banking, vai ser possível administrar a conta do banco A sem sair do app do banco B. Tudo num lugar só. 

Para o cliente, é lindo. Mas a mágica da rentabilidade do Santander fica a perigo. A consultoria alemã Roland Berger estimou, com base na experiência europeia, que os grandes bancos podem perder até R$ 110 bilhões, principalmente com tarifas, mas também no quanto eles cobram no crédito. Analistas das principais corretoras apontam o open banking como um risco futuro para o Santander (e para todos os grandes), mas ninguém se atreve a uma conta. 

Como se não bastasse essa rápida mudança no mercado, Rial deixará o cargo de CEO no começo de 2022  – passará à presidência do conselho de administração. Mario Roberto Opice Leão, hoje vice-presidente da área de empresas, será o novo presidente. A troca de comando é um adicional de incerteza, mais ainda para uma companhia cujo sucesso recente é atribuído à habilidade do CEO. E todo mundo sabe: rendimento passado não é garantia de lucro futuro. 

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