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Ação do Nubank caiu 60% desde o IPO; saiba se é hora de comprar

Warren Buffett investiu no banco digital, contrariando todas as regras de investimento que ele mesmo prega. O oráculo de Omaha errou ao apostar no Nubank?

Por Tássia Kastner
10 jun 2022, 07h57

​​Qualquer investidor pode errar ao comprar ações. Mas ninguém espera que o mesmo aconteça com Warren Buffett. Ainda assim, a reputação inabalável do oráculo de Omaha passa por um novo escrutínio após a queda de 60% no valor das ações do Nubank desde o IPO, realizado em dezembro do ano passado. 

Buffett colocou US$ 1 bilhão no neobanco. A primeira rodada de investimentos foi há um ano, quando o Nubank ainda não tinha ações na bolsa. Ali foram US$ 500 milhões que, além de tudo, ajudaram no sucesso da abertura de capital. Warren é conhecido por ser extremamente cauteloso. A regra é comprar só empresas lucrativas, com bons modelos de negócio e cujas ações estejam relativamente baratas. Se ele achava que o Nubank cumpria esses requisitos, nenhum investidor teria porque duvidar.

Assim, o banco digital chegou à bolsa de Nova York valendo US$ 41,5 bilhões – o que o transformou instantaneamente no maior da América Latina, dando um chega para lá no Itaú. Cada ação foi vendida a US$ 9. 

Parecia a receita perfeita para alçar voos ainda maiores. Mas seis meses depois do IPO, a ação valia US$ 3. É um tombo tão brutal que a pergunta se torna incontornável: Buffett errou ou o maior banco digital do mundo virou uma pechincha? 

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Quebrando a regra

Quando investiu no Nubank, é como se Buffett tivesse quebrado uma de suas regras de ouro: ele colocou dinheiro numa empresa que não dá lucro. No primeiro trimestre deste ano, o prejuízo foi de US$ 45 milhões, e a expectativa do mercado financeiro é que as perdas continuem neste ano. 

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Não se trata de uma surpresa: em nove anos de operação, o Nubank nunca deu lucro anual. Em 2021, o prejuízo foi de US$ 165 milhões. Para os fundadores, a ideia era essa mesmo. Queimar dinheiro para ganhar escala, ampliar as fontes de receitas e aí começar a lucrar. É a fórmula seguida por toda startup.

A primeira parte deu certo. O Nubank alcançou a marca de 59,6 milhões de clientes no fim de março, dos quais 22,5 milhões chegaram nos últimos 12 meses. É o maior banco digital do planeta, bem à frente do segundo colocado, o americano Chime, que tem 13 milhões. No Brasil, o número já supera os 54 milhões de clientes do Santander, o que faz do Nubank o terceiro maior banco privado em número de usuários, atrás apenas dos 74,8 milhões do Bradesco e dos 70 milhões do Itaú.

Agora é hora da segunda parte da missão: começar a ganhar dinheiro com esses clientes, e o Nubank parece estar no caminho. No primeiro trimestre, cada cliente consumia em média 3,7 produtos da casa. Uma cortesia do aumento no número de serviços oferecidos. Além do cartão tradicional e os serviços de conta, o Nubank tem um cartão com anuidade, oferece seguros, fundos de investimentos e uma corretora (que chegou com a compra da Easynvest). Também tem uma loja dentro do app – modelo importado da China, e inaugurado por aqui pelo concorrente Inter.

Há mais duas frentes sendo abertas. A primeira é permitir que lojistas usem celulares Android como maquininha de cartão. A outra, possibilitar a compra de frações de Bitcoin e Ethereum pelo app do banco e por apenas R$ 1. 

Aqui existe uma segunda dissonância com os princípios de Buffett. Ele é crítico das criptos e disse que jamais compraria, nem que oferecessem a ele todos os Bitcoins do mundo por US$ 25. Por quê? Bem, para ele o valor justo de qualquer cripto é zero, já que, de acordo com a filosofia buffettiana, elas não servem para nada além de especular.

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Para o dono das criptos, talvez isso seja verdade. Para o Nubank, não: será mais uma fonte de receita em dinheiro de verdade. O banco faz em média US$ 6,70 todo mês com cada usuário, alta de 91% em doze meses. Só que isso ainda é quase dez vezes menos que a capacidade de grandes bancos extraírem receita de cada cliente, segundo uma estimativa do próprio Nubank.

O faturamento como um todo cresceu para US$ 877 milhões no primeiro trimestre, mais um salto impressionante de 258% na comparação com o mesmo período de 2021. Analistas do BTG Pactual chamaram o Nubank de “máquina de crescimento”. 

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De toda a receita do primeiro trimestre, 22% vieram do sistema de cartões. É uma dependência muito grande quando comparado com os bancões. No Itaú, a receita com cartões não passa de 7% do resultado do banco. 

Quando um cliente usa o cartão do Nu para pagar uma compra, o lojista paga uma taxa que é distribuída entre maquininha (Cielo, Getnet ou PagSeguro, por exemplo), bandeira (Mastercard e Visa) e o banco que emitiu o cartão. Na média, bancos ganham 1,61% do valor de uma compra paga no crédito e 0,56% dos pagamentos no débito. 

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No caso do Nubank, a fatia é de mais de 1% no débito. É que o banco digital usa o sistema de cartões pré-pagos, em um acordo com a Mastercard. Para o consumidor, parece tudo a mesma coisa. Para o banco, é mais dinheiro na conta.

O lance é que bancos tradicionais têm um teto de 0,80% do valor da compra no débito, uma medida imposta pelo Banco Central para aumentar o uso dos cartões. À luz da lei, porém, o Nubank não é um banco mas uma Instituição de Pagamento – entidade sujeita a menos regras. Nisso, ele tem uma vantagem competitiva. E virou alvo dos bancões, que reclamaram da concorrência desleal. Agora, o BC quer interferir e colocar o sistema pré-pago dentro do teto. Num esforço de driblar a regulamentação forçada, a Mastercard comunicou ao Nubank que pretende cortar a parte do repasse que fura o teto de 0,80%.

Fosse há alguns anos, o estrago poderia ser ainda maior nas finanças do banco digital. Mas segundo o próprio Nubank, menos de 10% das receitas com tarifas vêm dessa linha turbinada. 

Existem dois motivos para que a receita com cartões seja uma das mais importantes até hoje. Cartão foi o primeiro produto lançado, e a estratégia de negócio consiste em cobrar menos tarifas que os bancos tradicionais – do valor para recarga de telefone à multa para quem atrasa o pagamento da fatura do cartão, e mesmo na gestão de fundos.

O lance, então, é investir na frente que realmente faz bancos ganharem dinheiro: o crédito.

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A multiplicação

O que um banco faz é multiplicação de dinheiro. Ele pega R$ 1 mil seus e empresta para outro cliente, que precisa de crédito. O financiamento dessa pessoa não é um problema seu, você só quer o seu dinheiro em um lugar seguro para poder pagar as contas do mês. 

A mágica consiste em manter o saldo na sua conta e lançar o mesmo valor na conta de quem pediu empréstimo. Os R$ 1 mil se transformam em R$ 2 mil. E quando a pessoa gasta os R$ 1 mil que pediu emprestados, aqueles R$ 1 mil se transformaram em R$ 3 mil.

Só tem uma coisa. Como dissemos, o Nubank não é exatamente um banco, mas uma instituição de pagamento. Esse “detalhe” vem com um problema. O Nu não pode usar a grana dos clientes para multiplicar dinheiro, como os bancos tradicionais fazem. Os depósitos ficam em títulos públicos.

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Claro que o Nubank deu seus pulos. Criou uma financeira – uma espécie de banco de menor porte e que pode usar dinheiro de clientes no crédito. Só que a mecânica não é tão simples: é preciso convencer clientes a mandar o dinheiro para esse novo lugar. Isso se faz oferecendo ganhos mais polpudos na forma de investimentos. E diminui o lucro com crédito em relação aos bancões. Um jeito de compensar a escassez relativa de recursos e ainda o custo de crédito maior é usar o dinheiro para conceder empréstimos com juros mais caros. 

O Nubank atua em duas linhas: cartão de crédito e empréstimos pessoais. Os empréstimos concedidos somam US$ 8,8 bilhões, alta de 126% em 12 meses. Daí veio 43% da receita do banco no primeiro trimestre de 2022. Só que essas linhas também são mais arriscadas, com inadimplência maior.

Em relatório, o BTG Pactual classificou a estratégia como “ousada, para dizer o mínimo”. Isso considerando que a economia brasileira tem desafios duros pela frente: a alta da inflação corrói o poder de compra das famílias, a taxa de juros sobe para combater a alta de preços e deixa o crédito caro. Para arrematar, há a volatilidade do período eleitoral, que deixa o cenário turvo. No primeiro trimestre, a inadimplência subiu para 4,2%. 

Em seu balanço, o Nubank não discrimina o faturamento de cada uma das linhas de crédito, mas é possível fazer algumas análises. A primeira delas é que clientes estão pagando mais juros nas compras com cartão. Em resumo, não conseguem pagar a fatura em dia. E a receita de multa por atraso no pagamento saltou de US$ 9,7 milhões para US$ 20,7 milhões. Na média do sistema financeiro, essa é a linha que rende mais juros, mas também a que apresenta maior inadimplência.

Um banco é um banco

Por mais digital que seja, o negócio do Nubank é ser um banco, e ele vai ser sempre comparado aos itaús e bradescos da vida. Só que esses mastodontes são uma máquina de multiplicar dinheiro. O Itaú tem rentabilidade média de 20% ao ano. Isso se mede pelo ROE (retorno sobre o patrimônio líquido), uma métrica que diz quão eficiente é a empresa na hora de investir o dinheiro do acionista. Na prática, um ROE de 20% diz que, a cada cinco anos, o banco  é capaz de dobrar o capital investido. Não é exclusividade do Itaú: Bradesco e Santander têm números semelhantes.

Enquanto isso, o Nubank não gera dinheiro, ele queima. O BTG estima que o banco terminará o ano com ROE de -5,7%. O primeiro ROE positivo deve vir no próximo ano, modestos 2,3%, seguido por 13,5% em 2024.

Daí que, depois da festa do IPO, investidores acordaram para a dificuldade de justificar um valor de mercado tão elevado para o banco. Pior: fizeram isso dentro de um cenário econômico que mudou completamente.

O cálculo do preço da ação é feito com base nas expectativas de receitas futuras. Depois disso, analistas descontam a taxa de juros básica da economia no período. Assim é possível estimar quanto vale o negócio e se ele é mais interessante que deixar o dinheiro em investimentos seguros, como títulos do Tesouro.

O lance é que o juro nos EUA estava perto de zero quando o Nubank vendeu suas ações. Agora eles já caminham para superar os 2% ao ano, o que muda completamente o cálculo de atratividade da empresa. Esse ciclo de alta de juros, para combater a inflação americana, virou uma chave na cabeça de muitos investidores que vinham pagando rios de dinheiro em empresas com pegada tech e alto potencial de crescimento, mas nenhum lucro. 

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Só tem um detalhe: em dezembro, a alta de juros já era pedra cantada. O que reforça a percepção de que investidores foram otimistas demais com o IPO, ignorando os riscos que já viravam a esquina.

Passado meio ano, existe tudo menos consenso sobre as ações do Nubank. A recomendação mais otimista é do UBS BB, que sugere a compra e prevê que ela poderá ir a US$ 11,50. Essa é a única recomendação que projeta a ação acima do preço do IPO, um preço que, se confirmado, representaria uma valorização de 220% em relação aos US$ 3 do fim de maio.

O Bank of America tem uma recomendação neutra (não comprar nem vender), e prevê que o preço do papel, ao fim do ano, chegará a US$ 7,70 – ainda assim, uma alta de 150%. O Itaú diz que o desempenho é abaixo da média do mercado, com alvo a US$ 6,60. 

O BTG Pactual é ainda mais agressivo: recomenda a venda dos papéis. No relatório, os analistas quase pediram desculpas pelo pessimismo: “Não nos entenda mal, nossa recomendação de venda tem muito mais a ver com o valuation do banco, que acreditamos muito difícil de justificar.” 

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Essa é mais uma característica do Nubank: analistas, concorrentes e até clientes quase pedem desculpas por criticar o banco. Isso porque parte dos clientes forma um fã-clube ao redor da empresa – gente disposta a pagar R$ 220 para ter os óculos de sol com a cor do banco.

Isso foi construído à base de bom atendimento ao cliente. O problema é que à medida que entram milhões de novos usuários, fica cada vez mais difícil atendê-los de forma descolada e ainda resolver problemas, colocando o fã-clube em xeque.

No mês passado, o Nubank virou alvo de críticas por ter um aplicativo vulnerável demais ao golpe “limpa conta” do Pix. Quando a vítima pede ao banco a devolução dos valores, via de regra recebe um não, exatamente como acontecia nos grandes bancos. O sistema também tem apresentado mais instabilidades, e as transferências via Pix, que deveriam ser instantâneas, demoram horas para acontecer.

Mas o caso mais polêmico foi, sem dúvida, a notícia de que a diretoria do Nubank, com oito membros, teria remuneração anual de R$ 800 milhões. Após as críticas, o banco explicou o sistema de remuneração. Da bolada, R$ 600 milhões seriam pagos apenas ao CEO David Vélez, e sob a condição de que ele permaneça cinco anos no banco e que as ações atinjam pelo menos o dobro do valor de venda no IPO.

O sistema de remuneração baseado no valor do papel é considerado ruim porque coloca o foco da diretoria no mercado e não na rentabilidade do negócio em longo prazo. Tampouco é compatível com os princípios de Buffett, que prioriza o desempenho da companhia – jamais o valor de mercado da empresa. 

De modo geral, investidores acreditam que há espaço para o Nubank começar a dar lucro e se encaixar nos princípios buffettianos de investimento. Mas não significa que, por isso, você deva pagar qualquer preço para ter uma ação do banco roxo. 

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