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O pai das pirâmides financeiras: como funcionou o esquema de Ponzi

A ideia de um fundo de investimento falso – em que os rendimentos dos membros antigos são pagos com o depósito dos recém-chegados – existe pelo menos desde o século 19. Mas Charles Ponzi elevou o golpe à fama, e se tornou sinônimo dele.

Por Bruno Vaiano | Design: Brenna Oriá | ilustrações: Estevan Silveira | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 9 set 2022, 08h28 - Publicado em 5 set 2022, 17h50

Eis um problema pré-histórico: você ia mandar uma carta para alguém nos EUA e, por educação, já queria deixar um selo pago para o destinatário responder. Mas o correio americano, naturalmente, não aceita selos brasileiros (e vice-versa). A solução é um papelzinho chamado cupom resposta internacional – mais conhecido pela sigla IRC. Trata-se de um vale-selo universal, aceito em todos os países-membros da União Postal Universal (UPU). Você compra um, manda no envelope e seu amigo viajante pode trocá-lo por um selo americano, italiano, alemão…

Só para baixinhos: como funcionam selos

Leitores mais novos talvez nunca tenham usado um selo (este repórter nasceu em 1995 e não usou). Vale uma explicação: trata-se de um adesivo que você cola no envelope para que os correios saibam que o frete da correspondência já está pago. Por exemplo: uma carta interestadual simples não registrada de até 20 gramas custa R$ 1,30. Assim, você pode comprar vários selos de R$ 1,30 e deixá-los guardados para facilitar a vida quando for mandar as próximas cartas.

Como cada país cobra uma taxa diferente pelo envio internacional, o ICR é um papel de valor coringa. Exemplo prático: hoje, o correio americano cobra US$ 1,40 para enviar uma carta a outro país. Dá R$ 7,20. Se um ICR custar R$ 6 no Brasil, esses R$ 6 se transformam num selo de R$ 7,20 ao chegar no Tio Sam. Os correios subsidiam a diferença. 

Em 1919, um malandro chamado Carlo Ponzi – nascido em Lugo, na Itália, e radicado em Boston sob o nome Charles – recebeu uma carta de uma empresa espanhola com um ICR dentro. A moeda da Espanha na época (a peseta) estava desvalorizada em relação ao dólar, o que abria uma diferença de 10% na manobra descrita acima. 

Foi uma luz. Ponzi começou a pedir um montão de IRCs para conhecidos em países europeus de economia fraca. Ele trazia os cupons para os EUA, os trocava por selos e então vendia os selos, embolsando a diferença. O nome disso é arbitragem.

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Ponzi, então, transformou seu negócio com ICRs em um fundo de investimento com rendimento milagroso: 50% de retorno a cada 45 dias. As pessoas deixavam suas economias com o italiano, ele arbitrava com os cupons e então devolvia a grana multiplicada. 

Mas era tudo fachada. Ponzi jamais vendeu um único selo: só estava pagando os investidores antigos com a grana que os novos depositavam. Segundo um cálculo da época, o dinheiro que Ponzi movimentava equivalia a uma arbitragem com 160 milhões de cupons – mas só existiam 27 mil em circulação no mundo. 

Quando o jornal Boston Post desmascarou o esquema, oito meses depois do início, a torneira de novos entrantes secou, e quem estava dentro perdeu tudo – US$ 340 milhões em dinheiro de hoje. Ponzi ficou na cadeia até 1934, foi deportado e morreu falido no Rio de Janeiro, no que hoje é o Hospital Escola São Francisco de Assis (HESFA) da UFRJ. 

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Outros notáveis picaretas vintage

Victor Lustig
Leiloou a Torre Eiffel duas vezes para donos de ferro-velho interessados na sucata. Também vendia a máquina de fazer dinheiro – você coloca uma nota e ela cospe uma cópia. Acontece que demorava 12h para fazer a primeira cópia: o tempo para ele fugir.

Gregor MacGregor
No século 19, esse militar escocês vendia terrenos e títulos públicos do país centro-americano de Poyais para colonizadores franceses e britânicos. Acontece que a jovem nação não existia. 250 vítimas se mudaram para lá: ao chegarem, viram só mata nativa. Metade morreu.

John Blunt
No século 18, vendeu caminhões de ações da Companhia dos Mares do Sul, uma suposta empresa de exploração de colônias que, na verdade, só tinha um navio. A bolha foi tão grande que até Isaac Newton pulou dentro. E perdeu tudo.

Esse foi o esquema de pirâmide mais célebre da história. De fato, essa versão do golpe – em que um único ator engambela todas as vítimas sozinho – ficou conhecida como “esquema de Ponzi”. (No esquema de pirâmide tradicional, cada investidor ganha um prêmio por recrutar novos investidores, alargando a base cada vez mais. O chefão só precisa empurrar o primeiro dominó da fila. Em inglês, existem até artigos de enciclopédia diferentes para Ponzi schemes e pyramid schemes. Em português, é comum usar só pirâmide para tudo, mesmo).

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Ponzi não inventou o esquema Ponzi. Esse tipo de golpe era tão difundido que apareceu até nas histórias de Charles Dickens, no século 19. Tampouco foi o maior golpista de sua liga. Esse crédito é de Bernie Madoff, ex-presidente da Nasdaq e chefão de uma firma de investimentos que, até 2008, era a sexta maior negociadora de ações que integram o S&P 500. Leia sua história no próximo texto da série

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