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Como ganhar 900% em um dia – e terminar no negativo

Derivativos como minicontratos e opções de compra seguem vendidos como se fossem alternativas para “investidores agressivos”. Mas não se trata de investimento. É jogo. Entenda, com um pequeno exemplo de ruína pessoal. 

Por Alexandre Versignassi
7 jun 2023, 05h49

Skin in the game. Escrever sobre investimentos é igual escrever sobre carros: você precisa testar seus objetos de apuração. Em 2011, lancei um livro de finanças, o Crash – Uma Breve História da Economia. Tem um trecho sobre opções de compra ali. Para escrever melhor essa parte, então, separei um dinheirinho e parti para um test drive.

Era uma sexta-feira à tarde. Comprei mil opções que me davam o direito de adquirir ações da Vale a R$ 46 na segunda. Era uma aposta pesada. A ação da mineradora estava a R$ 44,50, e caindo. Logo, paguei barato pelas opções: R$ 0,08 cada uma. R$ 0,08 vezes mil igual a R$ 80. Foi a minha aposta. 

Se até o final do pregão de segunda-feira VALE3 não subisse pelo menos 3,5%, para ficar um teco acima de R$ 46, minhas mil opções de compra virariam lixo – qual o valor, afinal, de um papel de que te dá o direito de comprar a R$ 46 algo que custa R$ 44 no mercado? Nada, obviamente. 

Então a segunda-feira amanheceu com uma surpresa: as ações passaram a subir por conta de uma alta súbita do minério de ferro. Lá pelo meio-dia, estavam a R$ 46,83. Uau. Agora eu podia vender cada uma das opções por pelo menos R$ 0,80 (e quem comprasse ainda teria um lucro de R$ 0,03 por opção na hora de convertê-las em ações de verdade).

Vendi. Mil opções a R$ 0,80 cada uma. Um dia útil antes, lembre-se, eu tinha pagado R$ 0,08. Aqueles R$ 80 que coloquei na mesa sexta-feira se transformaram em R$ 800 na segunda. 900% de lucro. 

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Poderia ter sido mais. Duas horas mais tarde, Vale estava a R$ 47,55. Se eu tivesse segurado as opções mais um pouquinho, daria fácil para vender cada uma a R$ 1,50. Os R$ 80 teriam virado R$ 1.500. Lucro de 1.775%. “E se eu tivesse colocado R$ 800 nisso?”, pensei. “E se fossem R$ 8 mil, R$ 80 mil?”. Bom, se fossem R$ 80 mil eles teriam virado R$ 1,5 milhão. 

Conseguir um lucro exorbitante da noite para o dia deixa o seu cérebro tipo O Fantástico Mundo de Bobby. A descarga de dopamina é tamanha que a massa cinzenta passa a rodar uma sequência de cenários surrealistas, porque agora eles parecem realizáveis. Você se acha um gênio das finanças. 

Aí foi irresistível. Dali uns dias, peguei os R$ 800 e apostei de novo em opções de compra. Só que dessa vez o preço da ação ficou parado. Chegou a data do vencimento, e as opções viraram lixo. Perdeu, playboy. Eu não era mais o gênio das finanças. Era só um cara que tinha perdido dinheiro no jogo. Dois anos depois, o fogo voltou. Apostei R$ 2 mil em opções. Perdi de novo. Aquele lucro de R$ 800 tinha se convertido num prejuízo de R$ 2 mil. “Gênio…” 

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Em 2020, já aqui na Você S/A, fiz outro teste. Agora com contratos de minidólar, para ajudar na apuração de uma reportagem sobre day trade. Comprei um minicontrato lá pelas 13h10 (com dinheiro emprestado pela corretora, já que é assim nesse mercado). E o dólar futuro foi subindo. Encerrei a posição antes das 13h30. Saldo final: lucro de R$ 200. Tivesse arriscado com 10 contratos, seriam R$ 2.000 – em menos de 20 minutos. Mensalizando, deve dar o salário do Max Verstappen… (não dá: o holerite do holandês, US$ 55 milhões por ano, equivale a R$ 10 mil a cada 20 minutos – incluindo tempo de sono). Mas já está bom, né? 

Era o cérebro entrando em modo Bobby de novo. Parei por aí. A experiência lá de trás com opções da Vale bastou para eu introjetar que aquele ganho de R$ 200 poderia virar uma perda de R$ 20 mil, R$ 200 mil… 

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E poderia de fato. Mesmo assim, as corretoras seguem vendendo ferramentas assim como algo para “investidores agressivos”. De forma alguma. Gente comum, que usa esses produtos financeiros não para fazer hedge, mas para ver se multiplica sua grana de uma hora para a outra, não investe em nada. Simplesmente participa de um jogo de azar. 

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Uma alternativa racional para investidores a fim de arriscar são as debêntures, por exemplo. E mesmo assim não falta quem as venda como se fossem ativos livres de perigo. Entenda melhor as oportunidades e os riscos dos títulos privados na nossa reportagem de capa, assinada pela editora Tássia Kastner. E mantenha-se alerta com o seu dinheiro. Afinal, easy come, easy go.

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