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Documentário mostra que ficar rico com day trade é questão de crença

Casa de análises Spiti lança produção para rebater argumentos de quem vende cursos de day trade com promessas de lucro diário.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 19 mar 2021, 15h21 - Publicado em 16 mar 2021, 11h58

Day trade é uma espécie de crença. É como acreditar em cloroquina contra o coronavírus, algo que a ciência já provou que não funciona. Mesmo assim ainda tem gente que crê no remédio e diz “mas a cloroquina funcionou com o meu cunhado” ou “mas essa pessoa fez tratamento precoce?”. Os defensores do day trade fazem a mesma coisa. 

“97% das pessoas que fazem day trade perdem dinheiro” é a afirmação de uma pesquisa feita por professores da FGV. As respostas comuns são: “Mas e os outros 3%?”, “Mas o que elas fizeram para perder?”.

Sempre tem um “mas”. Agora, o documentário Money Doper$ A Jornada do Fracasso (ou “Viciados em Dinheiro”) tenta inverter a direção do “mas” em um esforço de desmascarar quem promete que dá para ganhar dinheiro fácil na bolsa – e todo dia. 

Em 34 minutos, o filme apresenta um vendedor de curso de day trade e sua vida de luxo construída na bolsa de valores. O que ele vende é uma ideia de sucesso – compra quem acredita nesse dinheiro fácil. Especialistas do mercado e em finanças comportamentais assumem o papel de “negacionistas” desse milagre financeiro, só que usam fatos e ciência, claro.

Um deles é Bruno Giovannetti, professor da FGV e coautor das diversas pesquisas que mostram como esse negócio de comprar e vender (ou vender e comprar) ações e outros investimentos no mesmo dia é um excelente jeito de perder dinheiro. Ele é um dos autores do estudo que diz que 97% perde nesse mercado e de outro que prova ser mais fácil virar jogador de futebol do que viver de day trade, como contamos aqui. Vale o disclaimer: essa e a reportagem “Parece Cocaína, mas é day trade” são citadas na produção. 

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Henrique Bredda, da gestora de fundos Alaska, é quem fala sobre o efeito dopaminérgico e viciante de ganhar dinheiro. Mas complementa com o disparo de cortisol, o hormônio do estresse, quando a pessoa perde. Para Bredda, não há jeito de investir quando se está sujeito a esse turbilhão de hormônios. O jeito é driblar o imediatismo em prol do longo prazo. E o gestor está longe de ser considerado um profissional de estratégia conservadora. No auge da pandemia, no ano passado, seus fundos chegaram a tombar 60% e ele precisou explicar porque não corria o risco de quebrar. 

Mas talvez o melhor momento da participação de Bredda seja quando ele explica que day trade é um jogo de soma zero: para alguém ganhar, outro precisa perder. E no fim do dia (literalmente, já que estamos falando de operações diárias), quem nunca perde é a corretora: ela ganha a cada operação feita, não importa de que valor, não importa se deu lucro ou prejuízo ao cliente.

O documentário, lançado nesta segunda (15) e disponível aqui, é uma iniciativa da casa de análise Spiti. Casas de análise vendem relatórios independentes com recomendações para investidores, geralmente os que têm objetivos de longo prazo, o oposto do day trade. A Spiti pertence à XP, mas afirma ter independência nas suas recomendações de investimento. O vídeo atacando o day trade, que gera receitas polpudas à corretora, pode ser tomado como um atestado de que a separação existe.

Só que nem com autonomia a Spiti consegue escapar de dar espaço a “vendedores de cursos”, o que mostra a escala do problema do day trade. Durante o filme, aparecem depoimentos em texto de pessoas que perderam tudo — algumas dizem ter tentado se matar depois disso. 

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Quem também fala sobre isso, em vídeo, é Alex Martins, apresentado como analista de ações e investidor. Alex conta que teve um prejuízo de R$ 1 milhão em seu primeiro dia operando com o próprio dinheiro, em 2010. Diz que só não se jogou do prédio porque morava em um andar baixo.

Mais de uma década depois, Alex não desistiu do day trade. Não só. Hoje ele é sócio de uma empresa chamada Fênix Traders, que se autodenomina “a melhor sala educacional de preparação de traders do Brasil”. Ao vivo, durante o funcionamento do mercado, a empresa ensina como comprar e vender minicontratos (o instrumento mais usado para day trade). Isso não é dito no documentário. 

É verdade que a Fênix Traders não vende uma vida de luxo, e isso já é uma diferença gritante em relação aos youtubers do segmento. O ponto é que as pesquisas sobre day trade mostram que a formação, melhor ou pior, e a experiência não são suficientes para evitar prejuízos vultosos de quem está no computador de casa.

Tentar a carreira de day trader é, portanto, uma questão de crença. A crença que você faz parte dos 3% que vão ganhar dinheiro. Nisso já é um pouco melhor que a cloroquina, cuja chance de te salvar é zero mesmo.

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