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AES Brasil: o que o futuro pode reservar aos acionistas

A geradora de energia ampliou sua capacidade instalada de 2,65 GW para 5,18 GW, após investir pesado em parques eólicos. Mas o crescimento levou a uma dívida de 5,6 vezes o Ebitda, que ameaça as perspectivas da companhia. Entenda o momento atual de AESB3.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 26 abr 2024, 14h10 - Publicado em 1 fev 2024, 15h27

Luiz Barsi fez um movimento relevante em junho de 2023. Ampliou sua participação na AES Brasil para 5,02%. Nessa, o maior investidor pessoa física do país se tornou também o terceiro maior acionista da geradora de energia, atrás apenas da AES Corp., a matriz americana, que detém 47,32%, e do BNDESPar (6,98%).

São 30,1 milhões de ações da empresa nas mãos de Barsi. Esse tanto, em valores de janeiro de 2024 (R$ 11,32), correspondia a R$ 340 milhões – razoáveis 8,5% do patrimônio dele, estimado em R$ 4 bi.

A marca registrada do bilionário é investir em boas pagadoras de dividendos. Para escolher seus papéis, de qualquer forma, ele não olha apenas para os payouts recentes; analisa o “compromisso” da companhia.

Por exemplo: Barsi considera que o compromisso do Banco do Brasil é gerar dividendos para a Previ – o plano de previdência dos funcionários da instituição. Logo, sempre pagará bons proventos. No caso da AES Brasil, Barsi interpreta que o compromisso da empresa é gerar dividendos para a controladora, a AES americana – e, por consequência, para todos os demais acionistas.

Ok. Mas não é o que tem acontecido nos últimos anos. Pior. No dia 29 de janeiro, o colunista Lauro Jardim, de O Globo, informou que a AES Corp. contratou o Itaú e o Goldman Sachs para vender seus ativos de geração de energia, com o intuito de deixar o país.  

A AES Brasil deu a seguinte resposta, em nota: “Sua controladora avalia alternativas para financiar o crescimento da companhia e melhorar sua estrutura de capital”. Hora de entender o momento da AES Brasil, e como a geradora de energia chegou a essa situação.

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De TIET11 para AESB3

Começou em 1999, com a privatização da Companhia de Geração de Energia Elétrica Tietê. A americana AES Corp. comprou a estatal paulista e rebatizou-a como AES Tietê. O portfólio ali consistia em dez usinas hidrelétricas, cinco delas na bacia do rio Tietê – daí o nome –, com 2,65 gigawatts (GW) em capacidade instalada. Era o equivalente a 20% de uma Itaipu (14 GW), só para dar alguma referência.

Em 2001 veio o IPO, e a AES Tietê se tornou uma vaca leiteira de dividendos. A empresa tinha um ótimo contrato de fornecimento de energia com a AES Eletropaulo, do mesmo grupo, e então responsável pela distribuição de eletricidade no estado de SP.

A necessidade de investimentos era baixa. Todo o lucro, então, era distribuído na forma de proventos – às vezes mais, já que eventuais excessos de caixa também viravam dividendos. Eram comuns payouts equivalentes a 110%, 120% do lucro.

Mas o contrato com a AES Eletropaulo tinha data para acabar: 2015. Dali em diante a AES Tietê focou em duas frentes:

1) Conseguir clientes no mercado livre de energia, que permite a contratação direta de fornecimento entre geradoras e consumidores de grande porte (empresas), a preços mais baixos que os do mercado tradicional.

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2) Ampliar seu portfólio, para não depender só das hidrelétricas. Mas mantendo-se como uma fornecedora de energia limpa. Ou seja: a ampliação seria via usinas eólicas e solares.

Em 2017, rolou o primeiro passo no que diz respeito ao item 2: a compra do complexo eólico Alto Sertão II, na Bahia, que pertencia à Renova Energia. Com ele no portfólio, a AES aumentava sua capacidade instalada em 14,5% (386 MW).

Mais tarde, em 2019, veio a inauguração das primeiras usinas solares: Guaimbê e Ouroeste, no interior de SP. Mais 295 MW para a conta – nesse caso, devido a um compromisso de adicionar 400 MW extras no estado de São Paulo, firmado na época da privatização das hidrelétricas.   

A expansão continuaria nos anos seguintes com a compra de mais parques eólicos Brasil afora: Ventus (RN, 187 MW), Salinas (RN, 50 MW), Mandacaru (CE, 108 MW), Ventos do Araripe (210 MW, com aerogeradores distribuídos por PI e PE), Caetés (PE, 182 MW) e Cassino (RS, 64 MW).

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Complexo solar de Ouroeste (SP), próximo à divisa com MG. Foi inaugurado em 2019, com potência instalada de 145 MW. (AES BRASIL/Divulgação)

Com a empresa espalhando-se pelo território nacional, já não fazia mais sentido ela se chamar “AES Tietê”. Em 2021, então, veio a mudança de nome para AES Brasil. E a de ticker na bolsa: de TIET11 (uma unit composta por ações preferenciais e ordinárias), para AESB3 – uma ON –, marcando também o ingresso da companhia no segmento Novo Mercado da B3 (no qual todas as ações devem ser ordinárias, com direito a voto).

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Bom, em 2022 a AES já tinha saltado daqueles 2,65 GW em capacidade instalada para 4,13 GW. E em 2023 duas joias da coroa entraram em operação: os complexos eólicos de Cajuína 1 (RN, 314 MW) e Tucano (BA, 322 MW).

Não eram apenas as maiores usinas eólicas em capacidade instalada, mas também as primeiras construídas do zero pela companhia, em vez de adquiridas de terceiros (são projetos greenfield, no jargão). Juntas, as duas somam 107 turbinas eólicas – 52 em Tucano e 55 em Cajuína 1.

Esse “1” de Cajuína significa “fase 1”. A fase 2 está prevista para entrar em operação no primeiro semestre de 2024, com mais 65 aerogeradores. Quando estiver rodando a todo vapor (a todo vento, no caso), Cajuína 2 será o maior parque eólico da AES, com 370 MW.

Também consta na agenda para 2024 uma expansão da usina solar de Ouroeste (SP), com a adição de mais 33 MW. Já Tucano ainda não funciona a 100% da capacidade, como a AES planejava: das 52 turbinas, só 37 estão girando. A previsão é que as outras 15 entrem em funcionamento até maio.

Parte do atraso na instalação tem a ver com a complexidade das novas turbinas eólicas, que geram bem mais energia. As de Tucano têm 6,2 MW cada uma, contra 1,6 MW das de Alto Sertão II, mais antigas.    

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Quando tudo estiver pronto, de qualquer forma, a capacidade da AES Brasil será de 5,18 GW – com 1 GW tendo entrado em operação entre 2023 e 2024 (Tucano e as duas fases de Cajuína).   

Neste momento, a distribuição de fontes de energia ali é a seguinte: 51% hídrica, 43% eólica e 6% solar – o foco do crescimento foi bem maior nas turbinas de vento, já que elas são mais eficientes que placas fotovoltaicas (convertem 55% do vento em energia; as placas, 32% da radiação do Sol).  

Já a continuação da parte hídrica depende da renovação da concessão das usinas adquiridas lá em 1999. O contrato vai até 2032, e o prazo-limite para a renovação é 2029 – logo ali. O desafio será chegar a um acordo bom para as duas partes envolvidas: a empresa e a União.

Com a incerteza sobre o futuro das hidrelétricas, a AES esforçou-se para trazer estabilidade de receita para o longo prazo com as eólicas. A empresa não constrói novos projetos sem antes selar os contratos de fornecimento. Os 370 MW de Cajuína 2, por exemplo, estão fechados com três grandes clientes: Unipar, BRF e Microsoft. A duração média dos contratos é de 16,4 anos.

Dores do crescimento

Legal, mas toda expansão tem seu preço. Nos últimos anos, a AES Brasil converteu-se de vaca leiteira para empresa em crescimento, que demanda um Capex (investimento) gordo. O payout de dividendos, então, caiu de 116% em 2019 para 88% em 2020. Em 2021, 18%. Em 2022, 66%. (O de 2023 sai nos primeiros meses de 2024.)

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Em paralelo, a empresa passou por duas capitalizações. Um follow on em 2021 e um aumento de capital privado em 2022 – ou seja, um follow on aberto apenas para quem já era acionista.

A primeira consistiu na emissão de 93 milhões de novas ações, vendidas a R$ 12 cada uma (11% abaixo do preço de mercado à época), e levantou R$ 1,11 bilhão. Na segunda, criaram 95,4 milhões de papéis, e venderam a R$ 9,61 cada (2% menos que o valor de mercado naquele período). Isso colocou mais R$ 917 bilhões nos cofres da empresa.

A base acionária da AES, então, cresceu de 413 milhões de ações para 601 milhões. Na prática, cada ação AESB3 dá direito hoje a uma fatia 31% menor de dividendos do que dava antes dessa diluição. Por outro lado, a capacidade instalada cresceu 95% – daqueles 2,65 GW da era totalmente hídrica para os 5,18 GW de agora.

A AES americana, vale notar, entrou nas duas capitalizações, mantendo a proporção de ações que tinha antes (na verdade, aumentando marginalmente, de 45% para 47%). Isso foi visto com bons olhos pelo mercado – mostrou que o acionista majoritário estava a fim de encarar o risco que qualquer projeto de crescimento representa.

O maior desses riscos é o de um endividamento eventualmente insustentável. E essa revelou-se justamente a grande pedra no sapato da companhia. Em 2017, para dar uma ideia, a dívida líquida da AES Brasil era de 0,9 vez o Ebitda. Quase nada: até 2x é algo que o mercado considera tranquilo.

Agora a história é bem diferente. Pelo balanço do 3T23, a dívida estava em 5,6x o Ebitda. Além da linha vermelha mesmo para uma empresa em fase de investimentos pesados. Fato é que o valor da dívida praticamente dobrou em um ano, de R$ 4,4 bilhões para R$ 8,7 bilhões.

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Hidrelétrica de Água Vermelha, em Barra Bonita (SP). A AES já foi 100% hídrica. Agora, essa forma de geração responde por 51% da capacidade. (AES BRASIL/Divulgação)

Por outro lado, a receita vem crescendo com a entrada dos novos ativos em operação. Foram R$ 1,54 bilhão de Ebitda nos últimos 12 meses até setembro de 2023 (data dos últimos dados disponíveis até o fechamento desta edição) – contra R$ 1,18 bilhão em 2022 e apenas R$ 865 milhões em 2021.

Com o Ebitda apontando para cima, a relação dívida/Ebitda fica menos pressionada. E com a necessidade de novos investimentos apontando para baixo, agora que os projetos recentes estão mais maduros, a tendência passa a ser de queda. “Em 2024 teremos um Capex bem menor que os de 2022 e 2023”, diz José Simão, CFO da companhia. Ele afirma que a razão dívida/Ebitda deve cair a 4,5x até o final deste ano.

A entrevista, de qualquer forma, aconteceu antes da notícia de Lauro Jardim. Se ela for confirmada, significa, claro, que a AES Corp não está confortável com a sustentabilidade da dívida da subsidiária.

E o que acontece com o acionista?

Caso a matriz realmente queira sair da jogada, o mais convencional seria a AES Corp. vender o controle da AES Brasil para outra empresa.

Os acionistas minoritários, então, teriam direito a tag along. Ou seja, o eventual comprador precisaria fazer a mesma oferta para todo mundo. Se pagarem, por exemplo, R$ 12 por ação à AES Corp., terão de oferecer R$ 12 por ação a todos os portadores de AESB3 – é o previsto para empresas do segmento Novo Mercado, que protege melhor os minoritários.

Já se o comprador for uma empresa de capital aberto, pode haver uma “troca de ações”. Vamos dizer, hipoteticamente, que uma Eletrobras da vida compre os ativos da AES Brasil. Com isso, quem tem X ações AESB3 poderia receber como pagamento uma quantidade Y de papéis ELET6.

Fato: acionista minoritário também é dono – o dinheiro que cada um tem investido ali não some. Mas pode haver perdas caso o valor pago por ação (seja em dinheiro, seja em papéis da empresa que comprar) acabe sendo menor do que o tanto que o minoritário pagou pela ação.   

Até o fechamento desta edição, de qualquer forma, não havia mais notícias sobre as intenções da acionista majoritária. O jogo seguia aberto.  

Anyway the wind blows

Mesmo antes da publicação da notícia sobre a eventual saída da AES Corp., os analistas estavam mistos em relação à subsidiária brasileira. O BTG, por exemplo, reiterou sua recomendação neutra (nem compra nem venda), com preço-alvo de R$ 11, em seu relatório mais recente sobre a empresa, publicado em novembro, à luz dos números do 3T23.

Já o Itaú BBA tem recomendação de venda, com preço-alvo de R$ 9,20, por conta do tamanho da dívida. É a mesma posição do JP Morgan. O banco americano também destaca o problema da dívida em 5,6 vezes o Ebitda e traz recomendação de venda, ainda que seu preço-alvo seja maior, R$ 11,00.

A XP enxergava a situação de forma diferente. “A notícia positiva do 3T23 é a evolução dos projetos greenfield, que estão muito próximos de serem concluídos. Sua geração de caixa é fundamental para reduzir a alavancagem da empresa”, diz o documento, que conclui: “Mantemos nossa recomendação de compra, com preço-alvo de R$ 15”.

O BB, que também tinha uma visão otimista em seu relatório de novembro, ressaltava a freada nos investimentos. “O Capex de 2024 refere-se principalmente ao restante necessário para finalizar a construção da fase 2 de Cajuína, já 84% concluída, e nos anos seguintes apenas à manutenção das usinas”, escreveram os analistas do banco. O preço-alvo ali é de R$ 14 para o fim de 2024. “Mantemos nossa recomendação de compra frente ao relevante potencial de valorização implícito.”

O jogo agora é aguardar os desdobramentos da possível saída da AES Corp., que pode culminar com o fechamento do capital da empresa (sua saída da bolsa). Caso isso não se concretize, esperar pelos próximos balanços de olho na redução da dívida. Enquanto ela estiver num patamar fora da curva, o futuro da AES Brasil seguirá turbulento. A ver em que direção os ventos irão soprar.

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