Como não quebrar o seu negócio

Metade dos empreendimentos fecha antes de chegar ao quarto ano de vida. Veja algumas posturas que podem corrigir rotas e ajudar o seu negócio a não entrar para essa estatística.

Por Rodrigo Oliveira | ilustração: Felipe del Rio | design: Caroline Aranha | edição: Alexandre Versignassi
10 fev 2023, 05h35
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 (Felipe Del Rio/VOCÊ S/A)
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A empresária Jacqueline Ferrari, de 48 anos, nutre uma ligação afetiva com chocolate desde a infância. Ela cresceu ajudando a mãe no preparo dos doces para complementar a renda da família. Em 2015, o chocolate ganhou uma conotação ainda mais importante em sua vida. Após viver uma gestação interrompida, ela abandonou a carreira de instrumentadora cirúrgica para investir nos dotes culinários que pulsavam em seu DNA. “Procurei o que me faz feliz para diminuir o peso do trauma”, conta.

A produção de brigadeiros começou em pequena escala, na cozinha de sua casa, em Florianópolis. Jacqueline vendia na porta de um restaurante. Depois, passou a aceitar encomendas e alugou um ateliê. Trabalhava 15 horas por dia em busca da melhor fórmula de temperagem – a técnica de aquecimento e resfriamento do chocolate.

Também passou a fazer caixas personalizadas para noivas, sabonete no formato de brigadeiro e até aromatizante com cheiro de chocolate. “Atirei para todos os lados”, admite. Até que foi buscar orientação no Sebrae. E, ainda em 2015, formalizou sua primeira empresa – a Palha Cioccolato della Nonna. Foi aí que os desafios aumentaram.

Cada vez mais gente tem feito como Jacqueline. Só no primeiro semestre de 2022, mais de 2 milhões de novas empresas surgiram no Brasil. Cerca de 79% foram microempreendedores individuais (MEIs) – praticamente oito a cada dez CNPJs gerados.

E o processo está mais simples. O prazo médio para abrir uma empresa no Brasil é de 26 horas. Em 2019, era de 106 horas. A redução é reflexo de avanços como a digitalização de serviços públicos e a flexibilização de dispositivos legais.

O problema: é provável que, em 2024, um em cada quatro dos negócios que abriram as portas nos últimos meses já tenham quebrado. E apenas metade deles deve seguir de pé em 2025. Pois é. De acordo com o Sebrae, 25% das empresas fecham em até dois anos e 50% não resistem ao terceiro ano.

“Não basta ter uma grande ideia que ninguém compre. Também é necessário uma visão precisa e realista das próprias competências”, diz Giovanni Beviláqua, coordenador de acesso a crédito e investimentos do Sebrae Nacional. Jacqueline conheceu alguns desses obstáculos de perto. Mas encontrou meios de superá-los.

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25% das empresas fecham as portas em até dois anos.

O cliente é o chefe

Em 2017, a Palha Cioccolato della Nonna ganhou um espaço de 28 metros quadrados no Passeio Pedra Branca, um shopping a céu aberto em Palhoça (SC). Os doces caíram no gosto da freguesia, mas o nome e a identidade visual do estabelecimento geravam confusão. “Ninguém entendia a marca. Um cliente chegou a pensar que vendíamos granola”, recorda. Outro problema era a restrição do cardápio. Todos os pratos eram doces. A casa também não oferecia salgados nem café, pedidos constantes dos clientes.

Ao notar que precisava de uma correção de rumos, a chocolatière foi novamente bater na porta do Sebrae. “Muitas vezes, é necessário deixar a emoção de lado e investir em um processo realista e racional de avaliação”, ressalta.

O público de sua loja havia sinalizado interesse em um cardápio mais diversificado. Identificar essa propensão levou a uma mudança importante no negócio. Com uma proposta reformulada, a Palha Cioccolato della Nonna transformou-se no 1401 TEA.

Larissa, filha de Jacqueline, é especialista em chás e infusões. O conhecimento adquirido na faculdade de Química a ajudou a criar harmonizações entre os chás e os bolos e chocolates da mãe. Mais do que isso: as ervas usadas nas bebidas passaram a ser um ingrediente presente em todas as receitas. “Foi a sacada que mudou tudo”, explica Larissa. Elas também renovaram a identidade visual e a estrutura da loja – registrando todos os elementos da marca. A virada deu certo. O número de clientes aumentou, e o time cresceu. Tanto que, em 2019, o registro de MEI foi substituído pelo de microempresa.

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Saber ler o consumidor e identificar as demandas latentes pode ser a chave para dar uma nova vida ao negócio. “As coisas mudam o tempo inteiro. Essa capacidade de entender cenários, sem deixar de confiar em si mesmo, é essencial”, diz Beviláqua. A pandemia, aliás, deixou ensinamentos claros nesse sentido.

Quatro atitudes para se manter de pé

Remodele seu negócio
Sua ideia pode ser ótima, mas provavelmente ainda não está completa. Preste atenção às eventuais frustrações dos clientes com os serviços que você presta ou os produtos que vende. E busque formas de eliminá-las.

Converse com quem já chegou lá
Escute pessoas mais experientes, inclusive da concorrência. Só cuidado para não tomar decisões importantes com base em conselhos de quem não conhece a realidade do
seu negócio.

Não seja um “herói solitário”
Num negócio próprio, você terá de lidar com finanças, gerenciamento de estoque, divulgação, atendimento ao cliente. Busque parcerias para poder focar no seu
maior talento.

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Tenha uma reserva de capital de giro
Isso vai diminuir seu rendimento, mas é importante construir uma reserva para o caso de o faturamento cair a um patamar perigoso. Sem isso, você não terá o tempo necessário para remodelar seu negócio.

Reserva de capital

Em 15 de março de 2020, Jacqueline recebeu o anúncio de que precisaria fechar as portas, por conta das restrições da pandemia. A empresa ainda conseguiu resistir durante um semestre. Em outubro, Jacqueline não tinha capital nem para honrar os compromissos trabalhistas de seus colaboradores.

Um estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) aponta que, em 2020, 75 mil lojas brasileiras fecharam suas portas em razão dos impactos da pandemia. Beviláqua, porém, reforça que a maior parte dos negócios não tinha caixa para durar um mês no início da crise sanitária. Daí a importância da constituição de uma reserva de capital de giro.

O volume dessa reserva deve ter os custos de operação como parâmetro. Num cálculo simples, você precisa se perguntar quantos meses teria fôlego para sobreviver caso o faturamento caísse a zero. A construção dessa poupança é integrada às contas mensais da empresa, como uma rubrica a mais na rotina financeira. Isso irá impactar nos seus ganhos. Mas trata-se de uma prevenção importante para momentos de baixa ou cenários mais drásticos.

Quem tem a intenção de contrair algum tipo de financiamento precisa ter ainda mais cautela. “É fundamental entender que a economia funciona em ciclos. Muitas vezes, a melhor alternativa é inovar para tornar os processos produtivos mais baratos, aumentando as margens”, aconselha o coordenador do Sebrae.

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A chef Mariana Pelozio, de 36 anos, sabe bem disso. Ela abandonou a área de administração e marketing e, incentivada pelo marido, decidiu migrar para a gastronomia. Em 2012, após fazer um curso de chef internacional, ela criou o Duas Terezas, um restaurante que mescla comida brasileira e italiana. A operação começou em uma estrutura do tipo container em São Paulo. Em 2018, a marca inaugurou uma filial no bairro Jardim Paulista, com dois andares e 70 lugares. Mas a pandemia quase derrubou o negócio.

A chef precisou agir depressa. As primeiras medidas foram movimentos simples de gestão, com foco em manter as contas em dia e adequar a operação à nova realidade. Mariana renegociou o aluguel com a proprietária do imóvel e passou a procurar outro lugar que tivesse espaço aberto. Encontrou um local na mesma rua e se mudou para lá. Tentou fazer delivery, mas não deu certo.

Foi quando um colaborador teve a ideia de oferecer pacotes de assinatura de comida em que o cliente pudesse fazer a adesão por semana. A casa montou um cardápio de acordo com o que havia no estoque. Funcionou.

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(Felipe Del Rio/VOCÊ S/A)

De olho nas parcerias

Além da criatividade para achar soluções, você não pode ser um “exército de um homem só” – mesmo que isso seja uma praxe nos primeiros dias do negócio. Um empreendimento, por menor que seja, é um organismo complexo. Existem muitas frentes de trabalho: finanças, estoque, produção, divulgação, atendimento ao cliente. Cada uma delas tem sua influência para o bom funcionamento da empresa e, por isso mesmo, donos de negócio precisam compreender que não é possível ser excepcional em todas elas. “Sofri muito tentando fazer de tudo. Agora, conto com o apoio de uma empresa de assessoria de imprensa, tenho um ótimo contador e até uma gerente de eventos”, conta Mariana. “Esse apoio permite que a pessoa foque no talento dela.”

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Buscar conselhos no mercado também ajuda. “Dialogar com outros empreendedores é uma das coisas mais importantes que aprendi. Não é necessário tratar a concorrência como oponente”, argumenta. A união de forças, aliás, foi o rumo que o 1401 TEA tomou para superar a crise.

Jacqueline fechou o ponto de venda original e orquestrou uma virada. Tornou-se fornecedora de doces e chás para outros estabelecimentos de Santa Catarina, e hoje coordena uma pequena fábrica, com quatro funcionários. A ideia agora é voltar a ter lojas próprias num sistema de franquias. “Queremos ter lojas em todo o estado, avançando para Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro”, projeta.

​​Aprenda fazendo

Há pontos em comum nas histórias de Jacqueline e Mariana. O principal deles é a transformação do negócio em face das dificuldades. Tanto a 1401 TEA quanto o Duas Terezas precisaram se reinventar para não sucumbirem aos momentos de crise. E lançaram mão de soluções que não haviam sido previamente desenhadas. Traçar estratégias é vital para qualquer projeto. Mas o empreendedor não recebe uma bola de cristal quando registra um CNPJ. Por isso, é preciso saber lidar com a imprevisibilidade. Um negócio só se torna longevo depois que aprende a atravessar as pontes do imponderável.

A indiana Saras Sarasvathy, professora da Darden School of Business, da Universidade de Virgínia (EUA), criou um método que pode ajudar nessa missão. O conceito é chamado de
effectuation – ou seja, efetuação, execução. Em linhas gerais, é um conjunto de medidas que auxiliam não só a colocar de pé um projeto, mas a conservá-lo em meio às intempéries. Saras o engendrou a partir de pesquisas feitas com empreendedores de diferentes áreas e perfis. A partir dessa análise, ela compilou insights para quem está disposto a colocar a mão na massa.

O primeiro deles é começar com algo que você já tem. Pode ser um recurso material, como uma horta no fundo da sua casa (que pode se tornar uma fornecedora de vegetais orgânicos). Ou uma habilidade aprendida na infância. Ou mesmo a sua rede de contatos. É possível montar um negócio a partir da exploração desse ativo que você identificou. Depois, encontre um nível confortável de investimento para começar. Refinanciar o apartamento para levantar recursos, por exemplo, pode ser demais. Procure gerenciar o risco. Calcule quanto você pode perder sem que isso arruíne a sua vida. A partir daí, não se isole. Forme parcerias permanentes e pontuais.

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(Felipe Del Rio/VOCÊ S/A)

Os últimos dois conselhos do método tratam diretamente dos momentos difíceis. Saras sugere que o empreendedor não gaste tantos esforços na tentativa de prever cenários. É preciso abandonar a utopia de controlar o futuro. Lembre-se da máxima do pugilista Mike Tyson: todo mundo tem um plano até tomar o primeiro soco na cara. Problemas inesperados simplesmente irão surgir. Na hora de enfrentá-los, use como arma fatores que estão sob o seu domínio – como a melhoria do produto ou do serviço.

Coragem para testar também é um trunfo. Mantenha o que está funcionando, mas experimente variações em pequena escala. O arrojo é bem-vindo dentro de um cenário controlado. Observe a aceitação do seu público. Essa prática ajuda a pavimentar caminhos para onde o seu negócio pode derivar.

“Não se pode perder o controle ao primeiro sinal de problema. As falhas fazem parte do processo.”

Saras Sarasvathy, pesquisadora da Universidade de Virgínia (EUA)

O propósito do Effectuation é estimular pessoas a evoluir à medida que elas consolidam seus negócios, aprendendo com os obstáculos, deslizes e frustrações. Sempre de maneira prática. “Não se pode perder o controle ao primeiro sinal de problema. As falhas fazem parte do processo”, defende Saras Sarasvathy. Em entrevista à Você S/A, a pesquisadora ainda reforçou uma postura: não tome decisões importantes com base em conselhos de quem não entende a realidade do seu negócio. Já uma consultoria especializada (como a do Sebrae, que é gratuita) pode ser de grande valia.

Por fim, se o pior acontecer e o negócio realmente naufragar, seja maleável. Aceite a mudança. A crise não precisa ser o fim da linha. Mas uma janela para a sua reinvenção como empreendedor.

Fontes: Giovanni Beviláqua, analista e coordenador de acesso a crédito e investimentos do Sebrae Nacional, e Saras Sarasvathy, professora e pesquisadora da Universidade de Virgínia (EUA)

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