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Aprenda a estudar de forma eficiente

Para reter informações a longo prazo, seu cérebro precisa se sentir desafiado. Em Superaprendizagem, George Marmelstein argumenta que fazer testes e simulações é a melhor técnica para aprender de verdade.

Por Camila Barros
10 mar 2023, 05h51

Em uma palestra para alunos da ECA-USP, o filósofo Clóvis de Barros Filho sugere aos seus alunos, de forma comicamente bruta, que leiam as três primeiras páginas da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, de Immanuel Kant. Mas que leiam de verdade – só se deem por satisfeitos quando já tiverem entendido os complicados e abstratos parágrafos.

O objetivo ali não era formar novos especialistas em moral kantiana, claro. Era fazer com que os universitários estudassem melhor, que buscassem desvendar textos desafiadores, como os do filósofo alemão, de pouquinho a pouquinho. “Pensar com competência exige tanto esforço quanto ter músculos. Exige empenho, dedicação e bunda na cadeira” – diz Clóvis.

George Marmelstein, autor de Superaprendizagem, assinaria embaixo. Doutor em direito pela Universidade de Coimbra, ele se tornou juiz da Justiça Federal do Ceará aos 24 anos. Já em seus primeiros anos de estudo, começou a procurar formas de tornar seu processo de aprendizagem mais eficiente.

A partir de obras de especialistas em ciência da aprendizagem, o jurista descobriu que não existe jeito fácil de aprender. Uma boa rotina de estudos exige controle de tempo, criação de hábitos e aperfeiçoamento de foco. E o principal: as técnicas certas, que garantam que a nova informação foi realmente assimilada pelo cérebro.

No trecho a seguir, Marmelstein explica o que é “aprendizagem ativa” e porquê esta seria a melhor maneira de reter conhecimento.

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(Arte/VOCÊ S/A)

 

Capítulo 7 – Configure seus treinos

 

Elizabeth e Robert Bjork desenvolveram o conceito de dificuldades desejáveis, um dos mais relevantes na ciência da aprendizagem (…): quanto maior for o esforço cognitivo exigido para processar a informação, mais eficiente será sua absorção. Dito de outro modo, alguns obstáculos que demandam mais engajamento mental podem contribuir para a consolidação da memória, aumentando o desempenho cognitivo.

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Em um estudo realizado com estudantes da Universidade Princeton, Daniel Oppenheimer e seus colegas testaram essa ideia, mesclando cartões que continham informações impressas em três fontes diferentes: uma de leitura fácil (Arial) e as outras de leitura mais difícil e em tom mais claro (Comic Sans e Bodii).

Após uma fase de treino, os participantes foram submetidos a um teste de memorização e acertaram 72,8% das informações impressas com a fonte fácil, contra 86% das escritas com fontes mais difíceis.

“O processo de aprendizagem só se completa quando há condições de utilizar as informações em um contexto prático. Até lá, o que se tem é apenas um dado alocado na memória de curto prazo”.

O que é “fácil de ler” tende a ser recebido com menos esforço e, por isso, há um menor engajamento mental. Além disso, a facilidade gera a ilusão de fluência: o cérebro recebe a informação de forma passiva, entende o significado geral e evita fazer esforços desnecessários por achar que aquela informação será assimilada com facilidade.

O resultado é que o conteúdo rapidamente é esquecido. Por outro lado, as fontes “difíceis de ler” transmitem um sinal para o cérebro aumentar o esforço cognitivo, gerando maior impacto na memorização. A dificuldade diminui a fluência, o que nos obriga a reduzir o ritmo da leitura e a prestar mais atenção. Com isso, o cérebro leva mais tempo para processar a informação, o que dá oportunidade de construir novas conexões neurais.

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O importante é captar a essência por trás da ideia. A aprendizagem é a expansão gradativa de neurônios. Quando saímos um pouco da zona de conforto, estamos possibilitando a criação de novas conexões neurais e, como consequência, ampliando a nossa capacidade cognitiva. 

Por isso, algumas dificuldades podem ser úteis e até desejáveis, desde que sejam desafiadoras o bastante para estimular o cérebro sem atrapalhar. Ao contrário do que pode parecer, a inclusão planejada de algumas dificuldades desejáveis no processo de aprendizagem não gera, necessariamente, desmotivação. Na verdade, elas estimulam a mente a entrar em estado de flow [momento de concentração plena]. 

(…)

Os projetistas de videogame costumam utilizar uma técnica (…) chamada curvas de dificuldade para manter os jogadores continuamente engajados na partida. Embora não exista uma curva ideal que se aplique a todas as situações, a fórmula-padrão costuma ser bem simples. A cada nova fase, há um pequeno aumento na dificuldade, pois se supõe que o cérebro se desenvolveu e se adaptou ao nível anterior, e assim o jogador se sente sempre desafiado. 

Essa fórmula tem um enorme potencial para a aprendizagem. As pessoas tendem a acreditar que o caminho mais fácil é sempre o melhor e buscam, em geral, estratégias de aprendizagem que não demandem tanto esforço. No fundo, o que querem é desfrutar de uma sensação de conforto e bem-estar. O problema é que a aprendizagem ocorre justamente na adversidade. (…)

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Por isso, se você quiser aprender com eficiência, não se iluda com falsas promessas de que será fácil nem se engane com a sensação de bem-estar gerada pela fluência. Prefira, em vez disso, métodos que tirem o seu cérebro da zona de conforto e impulsionem o progresso contínuo, sendo desafiadores, porém não tão altos a ponto de gerar frustração ou baixos a ponto de gerar tédio.

(…)

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Em 2010, pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) monitoraram por uma semana todas as atividades de um estudante universitário, medindo suas atividades eletrodermais (EDA). Para isso usaram um equipamento colocado no pulso que consegue calcular o nível de ativação do sistema nervoso simpático, a área do cérebro responsável pelo controle do estresse e que, portanto, indica que algum esforço cognitivo está sendo feito.  

Depois de monitorar a rotina semanal do estudante de forma ininterrupta, os pesquisadores extraíram alguns dados bem curiosos. (…)

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[Eles descobriram que] o nível de atividade cerebral do estudante ao assistir a uma aula é semelhante a quando vê TV. Nesses dois momentos, é como se o cérebro estivesse em estado de completo relaxamento, com baixíssima atividade. A maior ativação ocorre justamente nos períodos de aprendizagem ativa (resolução de questões no laboratório) e durante o sono. Em tese, se ele estivesse dormindo durante a aula, a sua atividade cerebral seria maior do que acordado!

Geralmente, o que se costuma chamar de estudo, pelo menos no modelo tradicional, é pseudoestudo, pois é um processo passivo de recebimento de informações, sem o correspondente processamento ativo. O processo de aprendizagem só se completa quando há condições de utilizar as informações recebidas em um contexto prático. Até lá, o que se tem é apenas um dado alocado na memória de curto prazo. Se a informação não for aplicada, a tendência é que, em pouco tempo, seja excluída do hipocampo e não seja mais possível recuperá-la.

Por isso, se após assistir a uma aula alguém fica satisfeito porque entendeu o conteúdo, sinto informar que essa pessoa está contaminada pelo inimigo número um da aprendizagem: a ilusão de fluência. Ela provavelmente terá problemas quando precisar usar a informação em um contexto real.

“Prefira métodos que tirem o seu cérebro da zona de conforto e impulsionem o progresso contínuo.”

Essa mesma lógica se aplica também à leitura passiva. Ao ler sobre um tema pela primeira vez, não estamos de fato aprendendo, mas apenas nos familiarizando. Compreender um assunto é o primeiro passo para dominá-lo, mas não é ainda aprendizagem. Esta só ocorre em um momento subsequente, quando o conhecimento recebido passa a fazer parte do rol de habilidades que estamos aptos a aplicar. Assim, o input apenas fornece matéria-prima para a aprendizagem, mas é o output que a transforma em conhecimento dominado. 

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(…) O input é uma etapa inicial e envolve atividades como ler, assistir a aulas e vídeos, ouvir audiolivros ou podcasts, consultar resumos ou mapas mentais etc. Já o output envolve atividades como dar uma aula, escrever um texto, resolver questões, elaborar mapas mentais ou resumos, utilizar a informação em um projeto específico etc. É talvez a parte mais importante da aprendizagem, pois sinaliza para o cérebro que aquela informação é útil e merece ser guardada. (…)

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(…)

É difícil estabelecer uma proporção ideal entre input e output. Existem alguns temas que precisam de mais tempo de leitura ou de aula para serem assimilados. Outros exigem atividades práticas. A relação também muda de acordo com o campo de conhecimento. De todo modo, o ponto central permanece o mesmo: em qualquer processo de aprendizagem, o tempo dedicado ao output deve ser maior do que ao input.

O que chamo de processamento ativo da informação é qualquer técnica que force o cérebro a tentar recordar e aplicar o conhecimento recebido. Pode ser recitar, resolver questões, explicar o assunto, elaborar um mapa mental ou um resumo etc. É difícil indicar com precisão quais métodos são mais eficientes, até porque envolvem habilidades distintas. O que se pode dizer é que, quanto mais variadas forem as formas de processamento da informação, mais conexões cerebrais serão criadas.

No entanto, há um método que merece destaque: fazer simulações e testes. Eles são importantes porque funcionam como um instrumento para medir a eficácia do sistema de aprendizagem ao deixar rastros que podem servir de métrica para uma comparação do progresso. Além disso, mostram o que ainda não foi aprendido, fornecendo a oportunidade para que possamos identificar eventuais pontos cegos e evoluir a partir daí.

(…)

Em alguns contextos, vale incluir dificuldades artificiais para forçar o cérebro a se acostumar com situações adversas. Uma opção é fazer simulações com uma música alta ao fundo, em uma praça de alimentação ou em um ambiente com a temperatura baixa. Vale até mesmo colocar questões de matérias totalmente estranhas só para treinar o cérebro a pensar de modo versátil. 

O processo de aprendizagem só se completa quando há condições de utilizar as informações em um contexto prático. Até lá, o que se tem é apenas um dado alocado na memória de curto prazo. 

Prefira métodos que tirem o seu cérebro da zona de conforto e impulsionem o progresso contínuo. 

 

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(Arte/VOCÊ S/A)
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