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Como (não) combater a ansiedade, segundo a ciência

Livro do neurocientista Judson Brewer explica a origem do transtorno — e mostra estratégias para combatê-lo.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 3 ago 2022, 12h15 - Publicado em 14 jan 2022, 07h18

O Brasil é o país mais ansioso do mundo. São 18,6 milhões de ansiosos – 9,3% da população, segundo a OMS. Apesar da prevalência, a ansiedade continua sendo um fenômeno nebuloso, em certos aspectos. É difícil diagnosticá-la, já que se manifesta de maneiras diferentes. Tratá-la é ainda mais complicado. Pior: por muito tempo, o tema foi tabu até na ciência. Foi só a partir dos anos 1990 que os estudos começaram a explorar de fato a ansiedade.

O neurocientista Judson Brewer, autor do livro Desconstruindo a Ansiedade, especializou-se no tema. Na obra, ele explica que a ansiedade é fruto de um bug em nosso cérebro, que se divide em dois. O primeiro, instintivo, é “antigo”: evoluiu para que sintamos medo, o que nos mantém longe de perigos. O segundo (o córtex pré-frontal) é “novo”, exclusivo dos humanos. É a parte racional, capaz de planejar em longo prazo, a partir de dados. 

Mas as duas não se comunicam tão bem. Diante de algum problema, o córtex imagina situações hipotéticas para analisar as melhores saídas. A parte primitiva do cérebro, porém, acaba “escutando” os cenários mais pessimistas e liga o modo pânico.

Para aliviar a sensação, recorremos a gatilhos de prazer imediato: comida, álcool, drogas – que agem sobre o cérebro primitivo, e se tornam vícios.

O livro explica a ansiedade a partir de estudos científicos – e também mostra alguns truques eficazes contra ela. No trecho a seguir, o autor explica o que não funciona. 

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(Arte/VOCÊ S/A)

Capítulo 6 – Por que suas estratégias anteriores contra a ansiedade fracassaram

Os psicólogos e especialistas em tratamentos diversos identificaram várias estratégias para romper hábitos prejudiciais – de comer em excesso a procrastinar. No entanto, a eficácia dessas terapias depende da genética de cada um. Felizmente, a ciência moderna revelou que algumas práticas ancestrais podem unir o cérebro antigo e o novo para derrotar esses maus hábitos, não importa se você ganhou ou perdeu na loteria genética. 

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Antes, porém, lembre-se de que nosso cérebro antigo está configurado para nos ajudar a sobreviver. Além da aprendizagem com base em recompensas, ele tem outra carta na manga: assim que possível, pega o que aprende e desloca o aprendizado para a memória “muscular”. Em outras palavras, nosso cérebro é configurado para formar hábitos, de modo que possamos liberar espaço e aprender coisas novas. 

Imagine se você se levantasse todas as manhãs e tivesse que reaprender a ficar em pé, a vestir as roupas, a andar, a comer, a falar – ao meio-dia você estaria exausto. No “modo hábito”, agimos rapidamente, sem pensar, como se o cérebro antigo dissesse ao novo: “Não se preocupe, já cuidei disso. Não precisa gastar energia aqui, pode pensar em outras coisas.” Em parte, é com essa divisão de trabalho que as áreas mais novas do cérebro, como o córtex pré-frontal, o CPF, desenvolveram a capacidade de pensar e planejar. 

Também é por isso que os antigos hábitos continuam existindo mesmo depois de você fazer um mapeamento meticuloso. Ninguém quer passar um lindo fim de semana em casa, arrumando a bagunça do armário, se ainda há espaço para guardar mais lixo. Só quando o armário está lotado você é obrigado a arrumá-lo. Bom, acontece a mesma coisa com o cérebro, que não se incomoda com a velharia até que ela atinja um nível perigoso. As áreas mais novas preferem se ocupar com assuntos “mais importantes”, como planejar as próximas férias, responder a e-mails, aprender os truques mais recentes para manter a calma num mundo frenético e pesquisar as tendências nutricionais. 

Além de pensar e planejar, o CPF também é a parte do cérebro a que recorremos para controlar nossas vontades. O cérebro antigo funciona no “modo escassez” e vive preocupado com a fome. Quando você vê um salgadinho, seu cérebro antigo manda você agarrá-lo, pensando “Calorias! Sobrevivência!”. 

Talvez você se lembre da estranha corrida para comprar mercadorias nos supermercados no início da pandemia de Covid-19. Se você estiver na loja e vir o carrinho de alguém cheio, correrá para pegar o que restou, mesmo que tenha bastante em casa. Em contraste, seu cérebro novo diz ao antigo: “Espera aí. Você acabou de almoçar. Isso não é saudável. Além disso, você nem está com fome!” ou “Temos muito papel higiênico. Não precisamos comprar mais agora.” 

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O cérebro novo é aquela voz racional que lhe diz para comer a salada antes da sobremesa. Também é ele que o ajuda a manter as resoluções de Ano-Novo (e, ironicamente, é a mesma voz interior que o condena quando você fracassa – falarei sobre isso adiante). 

Agora, vamos discutir algumas estratégias que, segundo lhe disseram, poderiam ajudá-lo a lidar com a ansiedade e outras emoções negativas ou a mudar maus hábitos entranhados. Vamos discutir também por que elas talvez não funcionem.

ESTRATÉGIA ANTI-HÁBITO Nº 1: FORÇA DE VONTADE

Quando você usa sua reserva de força de vontade, seu cérebro novo deveria dizer ao antigo para simplesmente pedir salada em vez de hambúrguer, não é? Se você é ansioso, deveria ser capaz de dizer a si mesmo para relaxar e, então, ficar mais relaxado. Parece que a força de vontade deveria funcionar assim, mas há duas grandes ressalvas. 

Primeiro, pesquisas recentes têm questionado algumas ideias consagradas sobre a força de vontade. Alguns estudos mostram que esse recurso é atribuído geneticamente a meia dúzia de sortudos; outros defendem que a força de vontade em si é um mito. Mesmo as pesquisas que apontam que a força de vontade é real tendem a concluir que, na verdade, as pessoas com mais autocontrole não têm mais sucesso do que outras no cumprimento de suas metas. 

Na realidade, quanto mais esforço investem, mais esgotadas elas ficam. Apertar o cinto, cerrar os dentes e se obrigar a fazer o que precisa ser feito podem ser estratégias contraproducentes que talvez ajudem em curto prazo (ou pelo menos levem você a achar que está fazendo alguma coisa), mas não em longo prazo, que é o que de fato importa. 

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Em segundo lugar, embora a força de vontade possa ser boa em condições normais, você se estressa (e-mail do chefe, briga com o cônjuge, exaustão, fome), seu cérebro antigo assume o controle e passa por cima do cérebro novo, basicamente desligando este último até o estresse passar. Portanto, justo quando você mais precisa da sua força de vontade – que reside, lembre-se, no CPF/cérebro novo –, ela não está lá, e seu cérebro antigo mandará você comer salgadinhos até seu cérebro novo voltar a funcionar. 

Pense no CPF da seguinte maneira: por ser uma área mais jovem do cérebro e com menos desenvolvimento evolutivo, ela também é a mais fraca. Isso significa que, na hora da tentação, depositamos toda a nossa fé na área mais franzina do nosso cérebro. Depois, nos sentimos culpados. Porém, para a maioria de nós, a ausência de força de vontade é mais um defeito do cabeamento (e da evolução) do cérebro do que uma falha nossa. 

Relacionar a força de vontade à ansiedade é algo lógico, mas meio equivocado para as massas. Quando tinha ataques de pânico, minha amiga Emily dizia a si mesma: “Você acha que vai morrer, mas não vai. É seu cérebro armando pegadinhas para você. Você decide o que vai acontecer.” 

Ela é uma em um milhão, com um cérebro altamente treinado para atender às suas ordens. Se, quando a ansiedade aparecesse, bastasse ordenar a mim mesmo que não ficasse ansioso, eu estaria muito satisfeito em outra linha de pesquisa. Não é assim que o cérebro funciona, ainda mais quando o estresse e a ansiedade desligam as mesmas regiões que deveriam nos guiar pelo raciocínio em um momento difícil. Se não acredita em mim (nem nas evidências), experimente o seguinte: na próxima vez que se sentir ansioso, diga a si mesmo para se acalmar e veja o que acontece. 

ESTRATÉGIA ANTI-HÁBITO Nº 2: SUBSTITUIÇÃO 

Se você tem vontade de fazer X, faça Y no lugar. Assim como a força de vontade, a substituição se baseia no cérebro novo. Essa estratégia tem muita ciência por trás e é uma das mais usadas na psiquiatria da dependência. 

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Por exemplo, se quiser parar de fumar, mas estiver louco por um cigarro, coma um doce. Isso funciona com um subconjunto de pessoas (e foi uma das abordagens que aprendi durante a residência), mas, como mostraram as pesquisas do meu laboratório e outras, não vai acabar com o desejo em si. O ciclo de hábito permanece intacto, mas o comportamento muda para outro mais saudável. Como o ciclo de hábito ainda existe, é provável que você retome o antigo hábito em algum momento no futuro. 

Essa também é uma estratégia sugerida para lidar com o estresse e a ansiedade. Quando ficar ansioso, distraia-se olhando fotos fofas de cachorrinhos nas mídias sociais. Uma das pessoas que usaram nosso aplicativo de ansiedade chegou a programar um bot que retuitava fotos de filhotes sem que ela precisasse procurar. Bastava abrir sua conta no Twitter e logo aparecia uma enorme quantidade de fotos de cachorrinhos. Isso não acabou com a ansiedade dela (nem com a procrastinação), e nosso cérebro acaba se cansando dessa tática. 

ESTRATÉGIA ANTI-HÁBITO Nº 3: PREPARE O AMBIENTE 

Se você ama sorvete, não tenha essa tentação no congelador. Mais uma vez, essa estratégia envolve o irritante cérebro novo. Vários laboratórios que estudam o preparo do ambiente constataram que as pessoas com bom autocontrole tendem a estruturar sua vida de tal maneira que não precisem tomar decisões envolvendo autocontrole. Quem se exercita toda manhã e compra alimentos saudáveis transforma em hábito manter a forma física e preparar refeições nutritivas; é mais fácil manter esses hábitos. 

Aqui, há duas ressalvas: (1) você tem realmente que adotar o hábito de fazer a coisa saudável; (2) quando escorregar, como o cérebro fixa os hábitos antigos muito mais profundamente do que os novos, você pode recair no padrão de hábito antigo e ficar por lá. 

Vejo isso o tempo todo em minha clínica. Meus pacientes tentam essa estratégia por algum tempo, mas voltam a fumar, beber ou usar drogas. É por essa razão que as academias oferecem descontos no início do ano. Sabem que você vai se matricular, frequentar por algumas semanas, faltar alguns dias quando esfriar ou chover, parar de aparecer e finalmente abandonar o projeto fitness. Provavelmente, repetirá o ritual em janeiro do ano seguinte, quando se sentir culpado por estar fora de forma.

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Como o preparo do ambiente funciona com a ansiedade? Afinal, não se trata de uma mercadoria, como o sorvete, que podemos deixar de comprar. Seria ótimo se tivéssemos uma “zona sem ansiedade” dentro de casa, mas, mesmo que você se esforce para criá-la, a ansiedade aparecerá. 

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(Arte/VOCÊ S/A)
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