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Como a Unilever ampliou lucros ao mesmo tempo que virou exemplo em ESG

No livro Impacto Positivo, o ex-CEO Paul Polman conta como transformou a Unilever em uma empresa net positive — ou seja, uma instituição que quer criar um impacto positivo na vida de todas as pessoas que ela atinge.

Por Camila Barros
9 set 2022, 06h28

Até então líder global do mercado de bens de consumo, a Unilever passou a comer poeira dos concorrentes durante os anos 2000. Aquisições grandes e campanhas de marketing caras não faziam efeito.

Paul Polman assumiu o cargo de CEO em 2008 com a tarefa de levar a companhia de volta ao topo. Achou importante mexer, primeiro, na cultura da empresa: tirar o foco dos resultados de curto prazo e pensar no propósito da coisa toda.

Polman introduziu um novo projeto de gestão interna para transformar a Unilever em uma empresa net positive, ou seja, uma instituição cujo objetivo final é criar um impacto positivo na vida de todas as pessoas que ela atinge, sejam funcionários, sejam clientes, seja a sociedade como um todo.

Ao redesenhar o plano de ação da empresa, ele trouxe consigo uma causa pessoal que já tinha abraçado em experiências prévias na carreira: sustentabilidade. A ideia era transformar a Unilever em uma das empresas mais sustentáveis do mundo. E parece que deu certo: desde 2011, a companhia aparece em primeiro lugar no ranking de sustentabilidade do GlobeScan.

No livro Impacto Positivo (Net Positive), que ele escreveu com Andrew Winston, consultor de estratégia corporativa, Paul conta como ajudou a multiplicar os lucros da Unilever ao mesmo tempo em que fortaleceu essa preocupação com o meio ambiente dentro da empresa.

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Eles argumentam que engajamento social não é inimigo do lucro – aliás, eles dizem, fica cada vez mais claro que empresas que se preocupam com os desafios da sociedade (como mudança climática e desigualdade social) têm mais chance de prosperar. No trecho a seguir, a dupla mostra alguns princípios que guiaram essa virada de chave ESG na Unilever.

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(Arte/VOCÊ S/A)

 

Capítulo 3 – DESBLOQUEIE A ALMA DA EMPRESA

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Revivendo o coração da Unilever

No ano 2000 a Unilever comprou a Bestfoods por 24,3 bilhões de dólares. Foi a maior aquisição já feita pela Unilever e a maior na história do ramo de alimentação. A empresa estava otimista e numa farra de aquisições. As expectativas eram altas, mas em 2008 surgiu um quadro diferente.

O preço das ações não havia se movido em uma década. Algumas marcas estavam indo mais devagar, e, depois de vender alguns negócios grandes, como o de detergentes nos Estados Unidos, as receitas tinham descido do pico de 55 bilhões de euros para 38 bilhões de euros. A Unilever ficou atrás das suas maiores concorrentes em margens e em crescimento anual durante vinte anos; era a única que havia encolhido de modo significativo na década de 2000. Perdeu seu status de maior empresa de bens de consumo do mundo, ocupando um distante terceiro lugar, muito menor em receita e avaliação do que suas principais rivais, a Nestlé e a P&G.

O que aconteceu é uma história antiga. Na expectativa de sinergia e crescimento, as aquisições custaram caro, mas não conseguiam produzir resultados. Os acionistas exigiam retorno, e por isso os executivos se concentravam em entregar metas de lucro irreais, de curto prazo. Isso levou a reduções drásticas em investimentos e inovação, o coração de uma empresa de bens de consumo. Durante anos a Unilever não construiu nenhuma fábrica, não lançou uma nova marca significativa nem se engajou em fusões e aquisições além de vender negócios “com baixo desempenho”. (Há alguma verdade quando dizem que não existem negócios de baixo desempenho, apenas organizações de baixo desempenho.) As marcas principais estavam ávidas por publicidade e apoio promocional, o que acelerava o declínio. As palavras “marketing” e “inovação” foram substituídas por “finanças” e “reestruturação”. É uma espiral da morte com a qual muitas empresas podem precisar se relacionar.

[…] O declínio geral afetava a cultura e tornava a organização mais focada em si mesma. Apesar de tentativas de criar uma “única Unilever”, a empresa era altamente descentralizada e as pessoas se sentiam mais conectadas com as próprias carteiras, marcas, funções e regiões do que com a empresa geral. O orgulho e a coesão pareciam faltar – nos banheiros da empresa havia sabonetes das concorrentes e as lanchonetes tinham estoque de chás de outras marcas e ofereciam manteiga, mas nenhuma das margarinas da Unilever.

Paul chegou à Unilever depois de toda uma carreira na indústria de bens de consumo, os três anos anteriores como diretor financeiro e chefe dos negócios da Nestlé nas Américas. Era o primeiro CEO que a Unilever já havia contratado de fora da empresa. A cantilena de questões que a empresa enfrentava pode parecer terrível agora, mas a possibilidade do que ela poderia oferecer era cativante. A Unilever estava cheia de pessoas fantásticas vendendo produtos amados. O coração de uma organização empolgante, com propósito, ainda estava ali, mesmo batendo devagar.

[…] A Unilever precisava recuperar o pique e lutar. Não é divertido trabalhar numa empresa em declínio. A prioridade era o básico: pôr ordem na casa, colocar as pessoas certas a bordo, afiar a estratégia, trazer de volta uma mentalidade e uma cultura de crescimento e ir em frente.

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Colocando ordem na casa

Se você não tem os alicerces de uma empresa saudável estabelecidos, qualquer tentativa de estratégia direcionada por missão ou modelo de impacto positivo provavelmente irá fracassar. Você não terá os recursos, a energia e o foco no propósito de que precisa. Na Unilever, pôr ordem na casa centrou-se em algumas áreas:

Concentrar-se no básico e reinvestir na empresa. Paul aumentou os investimentos em pessoal, marcas, P&D e manufatura para melhorar a qualidade, garantir a competitividade e restabelecer a vibração e o crescimento do negócio central. Introduziu novas ferramentas e práticas para identificar áreas de crescimento, reduzir custos e liberar capital para reinvestimento – nada diferente da maioria das empresas, mas foi bastante trabalho.

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[…] Reiniciar o crescimento, eliminar custos que não acrescentassem valor e executar um trabalho rigoroso de administração de capital (de negativo para positivo) liberaram verbas para reinvestir em prioridades de longo prazo, objetivas, e acelerar as fusões e aquisições. À medida que a empresa mudava, voltaram a confiança e o entusiasmo com seu potencial, o que levou a mais investimentos. Foi o início de um círculo virtuoso.

Criar uma visão atraente baseada em valores fundamentais. A mensagem de crescimento era visível, mas a linguagem da chefia mudou de outras maneiras importantes. Usar de modo consistente palavras como “propósito”, “múltiplas partes interessadas” e “longo prazo” – e agir a partir dessas ideias – começou a mudar a cultura. Além disso, a Unilever criou uma nova ferramenta de estratégia, a Bússola, um documento simples, de duas páginas, que estabelecia o básico para vencer no ramo de bens de consumo.

A Bússola deixava claro por que a empresa existia e proporcionava disciplina, um conjunto comum de valores, uma predisposição para ação e padrões de liderança claros – coisas como manter uma mentalidade de crescimento, investir nas pessoas e assumir responsabilidade. Uma empresa governada por princípios, dentro de uma estrutura, é muito mais eficaz do que uma que apenas segue regras […].

Simplificar a estrutura em nome da velocidade. A Unilever se reorganizou para reduzir a descentralização e a complexidade. Estar perto dos diferentes mercados e geografias para entendê-los era vital, mas também eram vitais a solidariedade e o objetivo comum. A liderança queria que a Unilever se sentisse como uma empresa única com marcas poderosas – e não um conglomerado de silos independentes – mas que permanecesse suficientemente ágil para vencer em mercados muito competitivos. Era um equilíbrio.

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A empresa se moveu em direção a estruturas mais esguias para obter feedback mais rápido dos mercados e minimizar a chance de “se perder na tradução”, o que costuma acontecer com as empresas. O centro de gravidade precisava mudar do foco interno no interesse próprio para uma visão “de fora para dentro”, centrada nos cidadãos aos quais a empresa servia.

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(Arte/VOCÊ S/A)
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