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O que mudou para os negros depois de 132 anos de abolição da escravatura?

Liliane Rocha, fundadora da consultoria Gestão Kairós, explica por que a escravidão está muito mais próxima de nós do que pensamos

Por Liliane Rocha*
Atualizado em 13 Maio 2020, 10h04 - Publicado em 13 Maio 2020, 08h00

Neste dia 13 de maio (quando, em 1888, a Lei Áurea foi instaurada e os escravos foram libertados no Brasil), temos uma chance única de revisitar a nossa história. Fazer isso é importante, pois a partir dessa memória podemos compreender o que estamos vivendo e como construir um país melhor e mais inclusivo. Isso se torna ainda mais fundamental porque muitos insistem em apagar os caminhos já trilhados e os aprendizados obtidos.

Estamos completando 132 anos de abolição da escravatura. Parece muito, não é? Mas quando paramos para pensar à luz da história, nos damos conta de que, na verdade, é bem pouco . Nos últimos dois anos, conversei com cerca de 15.000 pessoas, palestrando em grandes empresas que estão distribuídas por todas as regiões do País. E sempre que questiono a minha audiência sobre quantos anos de escravidão tivemos no Brasil, o que ouço é um silêncio ensurdecedor. A verdade é que, enquanto população em geral, realmente não sabemos, nos esquecemos ou nunca aprendemos na escola que a escravidão no Brasil durou 388 anos.

Por não nos recordarmos disso, não refletimos sobre aquela realidade e deixamos de contextualizá-la com os dias atuais. Foram quase quatro séculos em que a população negra no Brasil foi considerada um objeto, sem alma, que pertencia a outra pessoa. Servia à estrutura social e à construção de riqueza do país, mas sem ter acesso a ela. E o que mudou de lá para cá?

Mais perto do que pensamos

Tenho 38 anos, sou negra, minha geração não foi escravizada. A do meu pai e a da minha avó também não. No entanto, minha avó nasceu em 1919. Isso me faz pensar que, muito provavelmente, a minha bisavó foi escravizada.

São somente quatro gerações para trás. Essa história, na verdade, está muito próxima de nós. O que será que o seu bisavô ensinou para o seu avô? O que seu avô teria ensinado para os seus pais? E o que os seus pais ensinaram para você? Quando pensamos dessa forma, e conhecemos melhor a Lei Áurea, fica evidente o legado, neste caso negativo, que foi deixado para a população negra do País.

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Lembremos que a Lei Áurea, marco da abolição da escravidão no Brasil, tinha somente dois artigos:

“Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil.

Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.”

Sim, somente isso. Não contemplava políticas públicas sobre saúde, educação, trabalho, emprego ou qualquer outro direito básico. A consequência disso está exposta em diversas pesquisas. Nas 500 maiores empresas brasileiras, segundo estudo do Instituto Ethos, somente 4,7% da liderança é composta por negros e somente 0,4% são mulheres negras.

Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que, em 2017, a maior parte de trabalhadores domésticos no Brasil era formada por negros, sendo que desse total 68% são mulheres. Negros representam apenas 24,4% dos deputados federais eleitos em 2018 (IBGE). Ainda mais atual são os dados do Ministério da Saúde, mostrando que uma em cada três pessoas mortas pela covid-19 no país é negra.

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Vamos deixar para trás?

Em 1888 tomamos uma decisão deliberada de deixar uma parte da população para trás.  A pergunta que nos resta é: hoje, em  2020, com 55,8% da população composta por negros, em meio ao contexto de pandemia, iremos finalmente considerar a população negra como parte integrante do país, honrar o seu direito à cidadania, escutar a sua voz?

Invoco e trago a memória nomes de alguns dos principais abolicionistas negros que foram apagados da história, tais como Luísa Mahin, Luís Gama, André Rebouças, José do Nascimento e Dandara dos Palmares. É tempo de honrarmos esses heróis e heroínas. Finalmente concretizar a sociedade pela qual eles tanto lutaram.

Enfim, como diria Martin Luther King, eu tenho um sonho! Sonho com o dia em que todos os brasileiros, brancos ou negros, terão igualdade de direitos, sejam reconhecidos como cidadãos e possam viver em plenitude a sua existência.

*Liliane Rocha é CEO e Fundadora da Gestão Kairós, autora do livro Como Ser Um Líder Inclusivo.

 

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