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Como os checklists podem ser aliados da produtividade no trabalho

Para Atul Gawande, autor de Checklist, confiar apenas na memória e na experiência é perigoso, já que até profissionais de alto nível estão sujeitos ao esquecimento, ao estresse e à dúvida. Por isso, criar listas com as etapas de uma tarefa pode ajudar a evitar erros simples e complexos.

Por Camila Barros
12 Maio 2023, 05h53

Na década de 1970, um ensaio publicado pelos filósofos Samuel Gorovitz e Alasdair MacIntyre tentou explicar por que cometemos erros. Eles dividiram as falhas humanas em três categorias. A primeira ganhou o nome de “falibilidade inevitável”: erramos simplesmente porque as habilidades físicas e mentais dos seres humanos são limitadas. 

Já os outros dois obstáculos seriam evitáveis e contornáveis. Um deles é a ignorância: erramos porque não temos o conhecimento necessário para executar certa atividade. O outro é a inépcia – quando o conhecimento existe, mas não é aplicado corretamente por falta de habilidade ou de cuidado. 

Para o americano Atul Gawande, autor de Checklist, a inépcia é o fator mais comum em erros cometidos no trabalho. De acordo com este médico e pesquisador na área de saúde pública, o problema central é o seguinte: com o avanço da ciência, o nível de sofisticação de certas áreas cresceu – e, consequentemente, a dificuldade de realizá-las também. A tecnologia forense, por exemplo, melhorou a solução de crimes. Mas o perito pode se esquecer de isolar uma das evidências, contaminando o material, e jogar tudo por terra. 

Gawande acredita que confiar apenas na memória e na experiência é perigoso, já que até profissionais de alto nível estão sujeitos ao esquecimento, ao estresse e à dúvida. Para evitar erros fatais, ele tem uma sugestão simples: fazer listas. Um passo a passo capaz de garantir que nenhuma etapa da sua tarefa ficará de fora. 

No trecho a seguir, ele explica que tipo de problema os checklists conseguem solucionar, e compara a atuação de profissionais da medicina (que não costumam usar a técnica) com os da engenharia civil (que incorporam as listas em todas as etapas de trabalho). 

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(Arte/VOCÊ S/A)
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Capítulo 3 – O fim do mestre de obras

(…) Os checklists são ferramentas capazes de proteger qualquer pessoa, mesmo as mais experientes, de falhas em muito mais tarefas do que se pensara. Eles fornecem uma espécie de rede cognitiva que ajuda a captar lapsos mentais inerentes a todos nós – lapsos de memória, atenção e concentração total. E, por isso, apresentam possibilidades inesperadas. 

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Supõe-se, porém, que também tenham limitações. Portanto, um primeiro passo fundamental é identificar os tipos de situações em que os checklists são úteis e aqueles em que não passam de perda de tempo. 

Dois professores que estudam a ciência da complexidade – Brenda Zimmerman, da Universidade York, e Sholom Glouberman, da Universidade de Toronto – propuseram uma diferenciação entre três tipos de problemas: os simples, os complicados e os complexos. Problemas simples, segundo eles, são como preparar um bolo. Há uma receita. Às vezes, é preciso aprender algumas técnicas básicas. Porém, depois que esses fundamentos são dominados, seguir a receita oferece alta probabilidade de sucesso. 

Os problemas complicados são como enviar uma sonda espacial à Lua. Por vezes, é possível desdobrá-los numa série de problemas simples, mas não há receita pronta. 

Os checklists fornecem uma espécie de rede cognitiva que ajuda a captar lapsos mentais.

O sucesso quase sempre exige a participação de muitas pessoas, não raro de várias equipes, além de conhecimentos especializados. Imprevistos são frequentes. A programação e a coordenação das atividades se tornam preocupações sérias. 

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Os problemas complexos são como educar os filhos. Depois que se aprende a enviar sondas à Lua, é possível repetir e aperfeiçoar o processo. Uma sonda é como outra sonda. Porém, não é assim na criação de filhos, observam os professores. Cada criança é absolutamente única e singular. (…) A expertise é valiosa, mas não é suficiente. Muitas vezes, o próximo filho pode exigir métodos completamente diferentes dos adotados com êxito na criação do anterior. 

(…)

A toda hora somos assediados por problemas simples. Na medicina, entre as falhas banais se incluem não usar máscara ao instalar cateteres venosos centrais ou não se lembrar de que uma das causas de paradas cardíacas é overdose de potássio. (…) Os checklists são eficazes na prevenção desses erros elementares. 

 

No entanto, boa parte das atividades mais importantes do trabalho profissional não é assim tão simples. Conectar um cateter venoso central é apenas uma das 178 tarefas a serem coordenadas e executadas todo dia por uma equipe de UTI – e aqui cabe indagar se seremos capazes de criar e de seguir checklists eficazes para todas elas. (…)

Além disso, os indivíduos são diferentes entre si e não podem ser padronizados como foguetes. Somos seres complexos. (…) A medicina envolve todo o espectro de problemas – os simples, os complicados e os complexos – e, em certas ocasiões, o médico simplesmente precisa fazer o que tem que ser feito naquele caso único. Esqueça a papelada. Cuide do paciente. 

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Venho pensando nessas questões há muito tempo. (…) O valor do checklist para a solução eficaz de problemas simples é evidente. Porém, será que essa ferramenta pode contribuir para evitar falhas e fracassos quando as situações envolvem todo tipo de problemas, desde os mais simples até os mais complexos? 

Encontrei a resposta num lugar improvável. Um dia, me deparei com ela ao andar pela rua.  

Numa manhã ensolarada de janeiro, em 2007, eu me dirigia do estacionamento para a entrada principal no nosso hospital quando avistei um novo edifício em construção para o centro médico. (…) Parei um instante e fiquei em pé na esquina, observando um operário soldar um encaixe enquanto se equilibrava numa viga mestra (…). Fiquei pensando: como será que ele e todos os outros operários sabem que estão fazendo a coisa certa, da maneira certa? Como podem ter certeza de que toda essa estrutura não desabará de uma hora para outra?

(…)

Ao projetar um edifício, os especialistas devem considerar uma variedade imensa de fatores: as características do solo, as dimensões e o peso da estrutura, a resistência dos materiais disponíveis e a geometria da construção, para mencionar apenas alguns deles. Em seguida, na conversão dos projetos em realidade, eles enfrentam outra gama de dificuldades para garantir que todos os trabalhadores e equipamentos executem o trabalho conforme as especificações (…).

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Fui conversar com Joe Salvia, o engenheiro estrutural da nova ala de nosso hospital. Eu queria saber como era o trabalho na profissão dele e logo constatei que procurara a pessoa certa. (…)

Ele (…) explicou que, durante boa parte da história moderna, remontando à Idade Média, a construção civil dependeu de mestres de obras que elaboravam o projeto, desenvolviam a engenharia e supervisionavam a construção, do começo ao fim, dos alicerces ao telhado. (…) Porém, em meados do século XX, os mestres de obras já estavam mortos e enterrados. A variedade e a sofisticação dos avanços em todos os estágios do processo de construção haviam superado em muito a capacidade do mais brilhante dos indivíduos.

 

Na primeira divisão do trabalho, o projeto de arquitetura e engenharia se separou da construção. Em seguida, item a item, cada componente se tornou mais especializado e se desmembrou, até que os arquitetos ficaram de um lado, (…), e os engenheiros, de outro (…). Os construtores também se fragmentaram em diferentes divisões, desde locadores de guindastes até marceneiros de acabamento. Em outras palavras, a área se tornou muito semelhante à medicina, com todos os seus especialistas e superespecialistas.

No entanto, a medicina insiste num sistema criado na era do mestre de obras – um sistema em que um médico experiente com um receituário, uma sala de cirurgia e alguns auxiliares que cumprem suas orientações (…). A medicina tem sido lenta em se adaptar à realidade atual, quando um terço dos pacientes, no último ano de vida, tem pelo menos 10 médicos especialistas participando de sua saúde de forma direta (…). E a prova de nossa lerdeza em nos adaptarmos às novas condições são as altas taxas de duplicação ou de omissão de assistência médica e a mais absoluta falta de coordenação entre os diversos especialistas.

A variedade e a sofisticação dos avanços em todos os estágios do processo de construção haviam superado em muito a capacidade do mais brilhante dos indivíduos.

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Na construção civil, explicou Salvia, esse fracasso é inadmissível. (…) Em virtude de sua inadequação às novas condições, o velho paradigma foi deixado de lado. E foi encontrado um modo diferente de fazer as coisas da maneira certa.

Para me mostrar o que fazem, Salvia me levou para ver um dos canteiros de obras onde ele e a equipe estavam trabalhando. (…)

Na parede à direita de quem entrava, estava a programação da construção. Ao examiná-la de perto, vi uma listagem linha a linha, dia a dia, de todas as atividades do projeto a serem executadas, na sequência certa e com indicação da data de início (…). A programação se estendia por numerosas folhas. Havia um código de cores especial, com itens em vermelho que destacavam atividades críticas a serem executadas antes de outras, como condição necessária. (…) A programação da construção era basicamente um longo checklist.

Como todo edifício é uma nova criatura, com peculiaridades próprias, todo checklist de construção também é único. Ele é elaborado por um grupo formado por representantes de cada um dos 16 ofícios (…). Então, o checklist completo é enviado às empreiteiras e a outros especialistas independentes para que se certifiquem mais uma vez de que tudo está correto e de que nada foi omitido.

Os resultados são notáveis: uma sequência de verificações diárias que orientam a construção do edifício e garantem a aplicação do conhecimento de centenas ou talvez milhares de pessoas no lugar certo, na hora certa e da maneira certa. (…)

“Mas o que vocês fazem para dar conta de tudo?”, perguntei. O’Sullivan [executivo do projeto] me mostrou então outra folha de papel afixada na sala de reuniões. Na parede esquerda, oposta àquela em que estava a programação da construção, via-se outra grande folha de papel, quase idêntica, denominada “programação de consultas”.

Também era um checklist, mas não especificava atividades de construção, e sim atividades de comunicação. Os gerentes de projetos lidam com o inesperado e com a incerteza garantindo que os especialistas falem uns com os outros (…). Os especialistas podem formular seus julgamentos pessoais, mas devem fazê-lo como membros de uma equipe, que levam em conta os interesses e as preocupações uns dos outros, discutem as ocorrências imprevistas e chegam a um acordo quanto às soluções. (…)

Assim, a programação de consultas promovia e incentivava conversas. 

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(Arte/Você S/A)
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