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Márcio Fernandes

É autor dos livros "Filosofia de Gestão", "Felicidade Dá Lucro" e "O Fim do Círculo Vicioso"
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Em vez de aumento, viagens e jantares. Conheça o “salário emocional”

Márcio Fernandes desvenda uma prática controversa: oferecer aos funcionários a participação em um "clube seleto" no lugar de aumento salarial

Por Márcio Fernandes, colunista de VOCÊ S/A
Atualizado em 9 mar 2020, 13h30 - Publicado em 9 mar 2020, 13h30

São Paulo – Quando ouvi pela primeira vez o termo “Salário Emocional”, fiquei muito curioso para entender do que se tratava. Confesso que achei criativo e me despertou interesse, mas com o passar do tempo fui percebendo do que se tratava de fato.

Em uma das empresas em que trabalhei, ainda em posições intermediárias, fui compulsoriamente submetido a este tipo intrigante de remuneração.  Certa vez, numa reunião, meu gestor, um americano, me perguntou se eu estava feliz com meu salário. Achei ótimo ele me perguntar e devolvi a pergunta com outra: já faz quantos anos que a gente não faz uma pesquisa de remuneração? Ele desconversou e disse: sabe, vamos ter um fórum em Houston no Texas sobre nossa estratégia e quero que você vá e represente a unidade no Brasil fazendo uma apresentação.

É claro que achei o máximo e foi mesmo muito legal: me senti o cara, aprendi e conheci gente diferente. No ano seguinte, ainda não tínhamos voltado a falar de minha remuneração, que já estava nitidamente defasada e fui novamente para a mesma reunião nos EUA.

Na terceira vez, já estava tudo bem claro, era apenas um showzinho, um cumprimento de tabela, uma espécie de exercício de poder por parte do chefe gringo, cujo valor agregado de fato era muito questionável, quase uma viagem de turismo, mas que fazia, entre outros fatores, entorpecer minha busca pela progressão salarial, devido é claro a enorme massagem no meu ego que o tal evento gerava. No início realmente é útil, legal e até desenvolve, não dá pra negar, mas depois de três vezes fica bem repetitivo, previsível e chato.

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Efeito entorpecente

Um dia tomei coragem e falei novamente sobre o tabu (salário) com o meu gestor e ele me disse: mas eu te dei aumento! Fiz uma baita cara de UÉ, pois não havia recebido nenhum reajuste no meu salário e aí aprendi o termo. Ele completou: realmente seu salário em dinheiro não mudou, mas seu Salário Emocional aumentou demais não é mesmo? Já foram três viagens para a Matriz desde então… um fórum muito seleto.

Mais adiante, na carreira, o efeito entorpecente do tal Salário Emocional me tentou outras vezes. Em especial com jantares e eventos de gala que apareciam ano após ano e já descaradamente propunham que estar naquele seleto clube de notáveis e poderosos seria o ápice do Salário Emocional.

Um dia cheguei a pensar em não ir a um evento destes fora do país e um amigo me alertou: “Cara, será um grande incidente diplomático, você tem que ir, leve sua esposa, deixe seus filhos com alguém e enjoy”. Não sei se você já foi num evento desses. São espetaculares, mas para mim, estar a 10.000 km dos meus filhos era torturante.

Moeda de troca

Existem inúmeros tipos de Salários Emocionais. Uma forma muito comum (realizada sempre com a desculpa do desenvolvimento, é claro), é participar de Conselhos de Administração de outras subsidiarias do grupo, em outros países, sem remuneração financeira.

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Depois de alguns anos e algumas múltiplas empresas simultaneamente, a agenda combinada entre todos os atributos fica realmente impraticável. A título de experiência, vale mesmo. Mas depois de um tempo, isso se transforma em mais Salário Emocional.

O Salário Emocional sempre foi uma bela moeda para ajudar a desenvolver, mas é usado erroneamente para protelar, fazer o tempo passar e acomodar as pessoas no futuro sem grandes investimentos no presente.

A regra deveria ser clara

Não posso dizer que seja uma ferramenta ruim, mas gostaria de sugerir algumas regras estruturais para o Salário Emocional, pois se organizarmos bem, podemos capturar coisas boas e evitar os círculos viciosos que essa prática pode gerar.

Então segue um roteiro básico:

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1. A política de Salário Emocional não deve substituir a pesquisa e os ajustes de remuneração, nem ser usada para protelar a aplicação de uma política estratégica de remuneração

2. O Salário Emocional costuma afetar mais o ego do que o aprendizado propriamente dito. Portanto, é importante que essa recompensa tenha fundamento no desenvolvimento do indivíduo.

3. O Salário Emocional não pode substituir o desenvolvimento estruturado das competências. Investir apenas no Ego forma o que você não quer ser e o que a empresa não quer ter.

4. O uso prolongado desta “solução” pode trazer efeitos colaterais para a empresa (como resultados abaixo do esperado) e para os profissionais (baixo engajamento). O típico “me engana que eu gosto”. Por isso, a ferramenta deve ser clara, com premissas explícitas e coerentes, imparciais e bilaterais.

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5. Não sou contra o turismo combinado com trabalho. Existe até um nome pra isso: “Bleasure”, a junção de Business (trabalho) com Pleasure (prazer). Apenas recomendo que o propósito da viagem de trabalho agregue valor para o negócio e que o turismo seja apenas uma consequência e não o fato gerador do evento.

6. Estar em um grupo seleto de pessoas interessantes pode ser muito legal. Mas não exagere nos pedágios pagos e nunca deixe o que realmente importa de lado por isso: sua família, seus valores etc. A empresa que propõe só o caminho dos grupos seletos para você deve ser vista com certa desconfiança.

7. Não iluda seu time com a estratégia do Salário Emocional. Caso queira usá-lo, vincule a algo que faça sentido. Desenvolva e valorize, de fato, as pessoas. Nunca (nunca) deixe o Salário Emocional se tornar um título de nobreza.

Num mundo cada vez mais conectado e com redes sociais “bombando”, o salário emocional pode gerar muitos posts, selfies, fazer seu ego brilhar e, até, te iludir. Mas cuidado: o uso em excesso vicia.

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(Divulgação/VOCÊ S/A)

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