Value investing: como construir uma carteira sólida de ações
A técnica de Warren Buffett para escolher papéis pode ajudar você a formar um patrimônio à prova de intempéries no longo prazo – sem colocar o seu dinheiro em aventuras arriscadas.
Você não compra ações esperando que elas caiam. Warren Buffett, sim. Ele sempre diz que torce por quedas “para poder comprar mais”, pois seus olhos estão sempre voltados para o longo prazo. Investidores como Buffett não buscam ganhos rápidos. Seu objetivo é possuir fatias cada vez maiores de empresas sólidas, maduras (que, em tese, nem têm muito mais para onde crescer). Quanto maior a participação na companhia, maior a fatia nos dividendos – que é o foco final de quem realmente olha para o longo prazo.
Essa é a síntese do value investing (investimento em valor), um método criado no final dos anos 1940 por Benjamin Graham (1894-1976), mentor intelectual e primeiro empregador de Buffett no mercado financeiro. A filosofia está explicada em O Investidor Inteligente, livro de 1949 que Buffett diz ser, até hoje, o melhor sobre o assunto.
A essência do value investing é fazer mais ou menos o oposto daquilo que a maior parte dos coletinhos da Faria Lima faz. Investidores comuns tendem a buscar ganhos rápidos, de curtíssimo prazo. Apostam em criptomoedas para tentar lucros de 50% em um mês. Escarafuncham o mercado em busca da “nova Magalu” – alguma empresa pequena que esteja fora do radar (como a Magalu já esteve) e que acabe tendo seu valor multiplicado por dez de um ano para o outro.
A lei de Benjamin Graham e Warren Buffett é outra. O value investing prega a escolha de ações de empresas grandes, com marcas que já são líderes e que dão lucro ano a ano, faça chuva, faça sol. Não só. Essas companhias precisam estar em um mercado que existirá por décadas e que só um meteoro seria capaz de extinguir.
Parece um tanto óbvio. Não é. Ações de empresas já solidificadas tendem a não subir tanto no curto prazo, ou no médio. Logo, elas tendem a ficar “fora de moda” de tempos em tempos, como diz o próprio Buffett.
Nesses momentos, elas apresentam preços mais convidativos, o que abre portas para você se tornar sócio de uma empresa bem estabelecida sem ter de pagar tanto por isso. Esse é o ponto do mantra “comprar uma ação e torcer para que ela caia”. Porque essas quedas tendem a ser temporárias. E o que vem depois, em boa parte dos casos, são altas brutais. Mais sólidas que a de qualquer “nova Magalu”.
É o que aconteceu com a Apple. Buffett não apostou na empresa da maçã quando ela era uma companhia pequena. Só entrou 30 anos depois do IPO, e dez anos após a criação do iPhone, quando a empresa já era uma das mais valiosas do mundo. Ela parecia não ter mais para onde crescer.
Buffett fez isso em 2016. As ações da Apple tinham despencado 25% em relação ao ano anterior. Estavam “fora de moda”. E isso nada tinha a ver com os fundamentos da companhia. O iPhone já era o produto mais importante da Terra, havia muito tempo, e seguia anos-luz à frente da concorrência (como ainda segue). Os lucros da Apple seguiam aumentando de forma consistente ano após ano. Mas o mercado americano parecia mais preocupado em encontrar a “nova Magalu” deles, e os preços dos papéis da Apple foram caindo.
Buffett, porém, não é o mercado. Ele bate o mercado. E foi o que aconteceu. Desde que sua empresa, a Berkshire Hathaway, se tornou uma das maiores acionistas da companhia da maçã (com uma participação em torno de 5%), a ação não parou de subir. 25%? Não: 844,92% desde o dia da aquisição, há cinco anos. Isto é value investing.
E parece que tem dado certo. A Berkshire Hathaway também é uma empresa de capital aberto – suas ações ganham valor conforme os papéis que ela detém vão subindo. E o valor de mercado da Berkshire sobe 20% ao ano há meio século, o que significa um ganho acumulado de 2.000.000%.
Tudo isso sem precisar apostar na nova ação do momento, no day trade ou em cripto. O grosso do portfólio da Berkshire, depois de Apple (cujo lucro cresceu 64% nos últimos 12 meses), é formado por empresas como Bank of America (+58%), American Express (+70%), Coca-Cola (+42%) e Kraft-Heinz (+23%).
Aqui vamos ver como aplicar a lógica do value investing ao mundo das ações brasileiras. E o primeiro passo é mirar nos setores mais sólidos da economia, caso deste aqui embaixo.
Never bet against bancos
Os bancos são o alimento da economia. Eles multiplicam o dinheiro, na forma de crédito, tal qual Cristo com os pães e com o vinho, um fenômeno que faz a fábrica de dinheiro se retroalimentar colocando bilhões nos cofres dessas instituições todos os trimestres. É que poucas coisas no mundo têm tanto potencial de dar lucro quanto conceder empréstimos. Os quatro grandes bancos do país com ações na bolsa (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander) lucraram ao redor de R$ 20 bilhões no segundo trimestre, uma alta de 63% na comparação com igual período de 2020.
O Itaú, maior banco do país, ganha entre R$ 10 e R$ 15 bilhões a cada três meses só com empréstimos. O total de dinheiro que ele coloca para circular por aí soma R$ 700 bilhões, e o ativo total alcança R$ 1,8 trilhão. A bolada estacionada na forma de patrimônio líquido rende todo ano ao redor de 20% – em menos de cinco anos, o banco transforma cada R$ 10 mil em R$ 20 mil. Em outros países, esse número não passa de 15%. Esses são números superlativos que dão a dimensão exata do que Buffett e Graham quiseram dizer com investir em “negócios sólidos e em marcas reconhecidas”. Para arrematar, o banco ainda paga dividendos religiosamente todos os meses a seus acionistas, como se fosse um fundo imobiliário (coisa rara no mercado).
Mesmo assim, o mercado não anda exatamente satisfeito com o Itaú e outros bancões. As ações do laranjinha caem 30% no acumulado do ano, bem mais que o tombo de cerca de 10% do Ibovespa.
“Bancos não deram dinheiro [em termos de valorização das ações] nos últimos anos. O PIB estagnou e eles ainda foram muito atacados pela concorrência [com os bancos digitais]”, diz Gabriel Marzotto, sócio da gestora Quasar.
De 2016 para cá, foram toneladas de mudanças de regras no setor financeiro, que têm como efeito colateral limitar os ganhos mastodônticos. Houve a nova regulamentação do cartão de crédito, que limitou o período de cobrança de juros escorchantes, o teto da taxa de juro do cheque especial a 8% ao mês, um valor máximo de tarifa para compras pagas no cartão de débito, a elevação do imposto chamado CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e ainda a ameaça da reforma do Imposto de Renda, que passaria a taxar dividendos.
Não é que essas medidas fizeram os bancos dar prejuízo, claro que não. O fato é que o cenário adverso massacrou as ações do setor, sem que os fundamentos estivessem de fato abalados.
Nos últimos cinco anos, os papéis do Itaú até viveram dias melhores, mas voltaram ao zero a zero em relação a 2016. Pode ser frustrante para quem não olha 100% para o longuíssimo prazo – já disse Buffett que um prazo bom para manter uma ação é “para sempre”. Por outro lado, o dividend yield (rendimento com o pagamento de dividendos) médio dos últimos cinco anos ficou em 7,24%, algo generoso em comparação com a média do Ibovespa, de menos de 4%. O problema, para o mercado, é que ele andou caindo.
Isso enquanto eles eram fortemente atacados pelas fintechs. De 2016 para cá foi o período de consolidação de Nubank, Inter e outros bancos digitais. Só tem um detalhe. Esses bancos cresceram na prestação de serviços, como a oferta de conta e cartão de crédito sem tarifas, mas ainda não têm matéria-prima (dinheiro) nem know-how o bastante para fazer dinheiro com a galinha dos ovos de ouro do mundo financeiro: o crédito, tal qual os bancões fazem. E agora, com a Selic se reaproximando dos dois dígitos, a tarefa fica mais complexa para os pequenos, ao passo que se torna uma atividade (bem) mais rentável para os bancões. Ou seja: o cenário está melhorando para eles, mas suas ações seguem fora de moda.
“Quando o crédito custa mais caro, os bancos ganham mais dinheiro. Eles se adaptaram, e fatos recentes demonstram que as empresas combatentes [fintechs] estão tendo dificuldades”, complementa Gabriel, menos pessimista para o futuro dos grandes bancos.
O próprio Nubank reconhece que está passos atrás dos bancões. No documento apresentado ao mercado financeiro antes da estreia de suas ações na bolsa de Nova York, ele escreveu o seguinte: “Estimamos que a receita média mensal por cliente de varejo ativo para bancos incumbentes [os grandes] no Brasil foi dez vezes maior que a nossa”. Claro que eles esperam diminuir esse gap, mas ainda têm uma longa estrada para trilhar.
Aqui vale um comentário. Buffett investiu US$ 500 milhões para comprar um pedaço do Nubank. Isso é tal qual andar na corda-bamba de seus princípios de value investor. Apostou em um banco, um setor que entende como indestrutível, ao mesmo tempo em que investiu em uma companhia que ainda dá pouquíssimo lucro. Toda regra, afinal, tem suas exceções. O Nubank é uma das de Warren.
O lance é que bancos do tamanho do Itaú e amigos são a definição perfeita de “grande demais para quebrar”. Se eles colapsam, levam junto o país inteiro de volta para a Idade da Pedra. Daí que ter ações de uma instituição financeira dessas – que podem até crescer menos em períodos mais duros, mas crescem, e sobrevivem – pode ser uma das decisões mais seguras a se tomar quando a ideia é seguir o value investing.
Outro setor à prova de terremoto, e que fica o tempo todo fora de moda na Faria Lima, é o das marcas líderes na área do consumo básico.
Hold my beer
Buffett tem Coca-Cola em seu portfólio desde 1988, mas a relação com a marca vem desde jovem, quando o trabalho de verão do nosso oráculo era vender Coca na praia para os banhistas em férias. Ele sempre acreditou que as pessoas jamais abandonariam o líquido preto açucarado – no que realmente estava certo. Apesar das preocupações com a saúde, que até levaram a uma redução do consumo, a Coca continua por aí há quase 130 anos. Buffett tem 91.
É um hábito tão arraigado que não vai desaparecer tão cedo (nem tão tarde) – tipo beber cerveja. E nisso temos por aqui a Ambev, uma gigante de R$ 273 bilhões em valor de mercado, atrás apenas de Vale e Petrobras e imediatamente à frente do Itaú.
Esse mamute viveu um ciclo de baixa na produção de bebidas durante a recessão que se abateu a partir de 2015. Ela só ensaiou uma recuperação ali por 2019. Agora, no pós-pandemia, a empresa vem batendo recordes.
Foram 18 bilhões de litros de bebidas nos últimos 12 meses. O lucro, que vinha estagnado nos últimos três anos, ao redor dos R$ 11 bilhões anuais, já acumula mais de R$ 9 bi até setembro, o que a deixa encaminhada para romper a marca neste ano, já que as vendas de final de ano tendem a ser mais robustas por causa do período de calor e de festas. O retorno sobre o patrimônio líquido, uma medida de capacidade de a empresa fazer dinheiro, ronda os 20% – taxa de bancão.
Essa é a magia de empresas gigantescas. Por mais que elas enfrentem ciclos de baixa do próprio negócio ou da economia, costumam ter caixa o bastante para atravessar eventuais vacas magras. Mais do que isso, elas não têm dívidas exorbitantes, o que impede que quebrem quando geram menos dinheiro para pagar as contas. A dívida de curto prazo da Ambev (que vence em um ano) soma R$ 889,3 milhões, equivalente a meros 14% de todo o caixa gerado apenas no terceiro trimestre deste ano.
A relação dívida/geração de caixa é uma das métricas recomendadas por Benjamin Graham a investidores. Companhias muito endividadas tendem a sofrer em períodos de recessão, quando o custo para refinanciar os débitos aumenta. Não só.
Sem boletos a pagar e com dinheiro em caixa, a empresa tem mais força para expandir seu market share. A disparada da Ambev no terceiro trimestre foi sobre o mercado da Heineken, que vem enfrentando problemas no fornecimento de garrafas e sofreu uma redução de 40% nas vendas de marcas mais econômicas (a Heineken é dona da Amstel).
Ser gigante, portanto, não significa jogar parado. Enquanto sofria com a desconfiança do mercado, a Ambev tirou do papel o Zé Delivery, um aplicativo que faz as cervejas da companhia chegarem geladas na casa do consumidor em coisa de meia hora. A bebida sai de depósitos parceiros da empresa, reduzindo os custos logísticos – e evitando que você consuma o líquido da concorrência. A companhia tem ainda o BEES, o Zé Delivery de bares e restaurantes. As duas ferramentas são consideradas cruciais hoje pelo mercado para a continuidade da expansão do negócio.
Mas esse crescimento tende a ser numa escala menos gigantesca, a ponto de atrair avaliações bastante conservadoras da Faria Lima. O BTG Pactual tem preço-alvo de R$ 16 para a ação que, ao final de outubro, estava ao redor dos R$ 17. Itaú aposta em R$ 19.
Aí o value investor enfrenta um dilema. Depois de encontrar empresas grandes e robustas, a ideia é comprar as ações quando elas estão relativamente baratas. Isso é chamado de margem de segurança e serve para reduzir o risco de perdas caso as perspectivas para o negócio não se confirmem. Não existe um número mágico para esse desconto. Alguns gestores falam em coisa de 20% ou mais em relação ao preço-alvo. O problema: quem monta o preço-alvo é o mercado. E é em cima dos erros do mercado que sujeitos como Buffett ganham – ninguém previa em 2016 um preço-alvo 800% maior para a Apple.
Seja como for, empresas realmente sólidas não costumam mesmo ser baratas. É o que vamos ver agora.
Na tomada
O melhor jeito de saber se uma companhia está barata ou cara é espiar o P/L, um indicador que divide o preço das ações (P) pelo lucro (L) que a companhia gerou nos últimos 12 meses. Ele diz quantos anos um investimento em ações levaria para se pagar (caso a empresa pagasse 100% de seus lucros na forma de dividendos). Você não precisa fazer isso na unha: a conta vem de mão beijada em sites como o da Você S/A. Historicamente, a relação preço/lucro média do Ibovespa é de 13; hoje, está em 6 – ou seja, a bolsa está barata.
E algumas empresas que caberiam numa carteira de value investing também estão. O P/L do Itaú ronda os 8. O do Banco do Brasil, 5. O da Ambev está em 13 – mais do que a média, mas ainda assim não tão alto para uma companhia sólida.
Outras empresas líderes e aparentemente indestrutíveis não estão tão baratas assim. Ou seja: não saíram de moda – seguem caras, já que sempre há toneladas de investidores comprando os papéis delas. É o caso da Weg e seu P/L de 44.
Mesmo assim, 44 parece pouco diante do histórico da Weg. Há um ano, era mais de 80 – muito para qualquer padrão. Graham recomendava que não se comprassem ações caras. A empresa pode ser excelente, dar lucro em cima de lucro, e com dívidas cada vez mais administráveis (caso da Weg). Mas você fica sujeito a ter de esperar muitos e muitos anos até ver uma ação cara subir. A ideia é aproveitar os momentos em que o P/L cai. É o que aconteceu com a Weg. Por dois motivos: um é que as ações caíram 12% no período; outro é que o lucro líquido cresceu 20% (e quando o lucro aumenta o P/L diminui).
E a rota de alta nos ganhos segue firme. O lucro no terceiro trimestre foi de R$ 813 milhões, alta de 26% em um ano. A multinacional de Jaraguá do Sul (SC) é uma máquina de fazer motores elétricos – e dinheiro. De lava-roupas a transformadores que fazem a energia chegar a sua casa, passando por automação industrial de mineração e plataformas de petróleo, tudo usa tecnologia da companhia. Outra frente em que a empresa lucra é o da infraestrutura para energia eólica e solar – cuja demanda só tende a crescer mais e mais.
Nisso, a companhia abriu tantas frentes de negócio que é capaz de fazer milagres com o dinheiro que investe. Para cada US$ 1 milhão que entra no negócio, ela lucra US$ 300 mil – há um ano, era US$ 230 mil. Trata-se de uma margem de 30%, comparável à da Apple.
É nesse latifúndio de fazer dinheiro que a companhia tende a estabilizar, segundo estimativas do Credit Suisse. O banco calcula que a ação tenha potencial para chegar aos R$ 46, o que significa uma valorização de 17%. Pelo critério lá dos 20%, então, as ações da Weg estão voltando a ficar baratas.
Seja como for, existe um outro jeito de compensar os riscos de colocar na carteira empresas consideradas caras: comprando aos poucos – do mesmo jeito que deveríamos fazer com o dólar antes de uma viagem para a Disney. Com um preço médio, você dilui o risco de só pagar caro demais, caso o mercado caia. E também não precisa esperar uma baixa para comprar. Até porque ninguém sabe quando virá uma baixa – nem Buffett.
Um futuro promissor
O oposto de investir em uma empresa “de valor” é apostar numa “de crescimento”. Essas têm P/Ls estratosféricos, pois suas ações custam muito mais do que o lucro que elas apresentam de fato. O P/L da Magalu, por exemplo, está naquela faixa perigosa de 80. O do Banco Inter, cujo preço da ação é descolado de seu lucro real, está em 1.000. Isso mostra que a ação está, definitivamente, “na moda”: o mercado sonha que, um dia, esse tipo de empresa passe a apresentar lucros gigantescos, a ponto de fazer seus P/Ls entrarem em níveis terráqueos. Essas são as empresas de crescimento. O lado sombrio delas: se as expectativas não forem alcançadas, elas levam tombos incríveis. É o caso da Méliuz, uma empresa de cashback, setor que concentra altas apostas. Do pico, em julho, ela caiu 70%. Isso não costuma acontecer no mundo das empresas de valor.
Algumas companhias, porém, oscilam entre o mundo das ações de valor e o cosmos das ações de crescimento, onde os preços podem disparar no curto prazo. A Petrobras, à época da descoberta do pré-sal, em 2008, virou ação de crescimento.
Nisso, o que gestores seguidores de Buffett têm buscado é uma combinação das duas coisas: empresas muito sólidas, mas com uma perspectiva de crescimento futuro para além do feijão com arroz. Na gringa, quem melhor veste esse manto é a Apple, claro. Para o Brasil, Gabriel, da Quasar, cita a Renner como exemplo. A varejista é líder em um mercado ainda minúsculo: o varejo de moda online. Por enquanto, o e-commerce de vestuário responde por algo como 10% do faturamento total do setor.
Assim como o resto do varejo já ampliou sua fatia online, o mesmo provavelmente chegará ao segmento de roupas.
E, diz Gabriel, a Renner estará preparada. No período mais agudo da pandemia, a empresa gaúcha emitiu novas ações e colocou R$ 4 bilhões em caixa para ampliar a atuação online. O mercado viu um plano de consolidar a liderança e decidiu financiar a iniciativa. Isso apesar do cenário extremamente adverso – o comércio de moda foi um dos que mais padeceram no ano passado. 2022 tampouco parece animador, já que a renda das famílias está massacrada pela inflação de quase 10% ao ano, enquanto os juros também estão subindo, deixando as compras a prazo mais caras.
O mantra do value investing é não se abalar com os impactos de curto prazo que esses fatores podem trazer para o negócio. “Vou ganhar dinheiro com as ações da Renner mês que vem? Não sei. Mas tenho convicção de que sim se eu carregá-la por três anos”, diz Gabriel.
Claro que não seria uma aposta gratuita. Ainda que os lucros continuem voláteis nesse pós-pandemia, a empresa tem uma dívida completamente sob controle. Se ela pagasse todas as suas obrigações hoje, ainda ficaria com mais R$ 2 bilhões em caixa – cortesia da emissão de ações.
Não se trata de um papel barato (P/L de 80, de novo), mas de uma empresa que combina a solidez do value com um bom horizonte de crescimento.
E as commodities?
A essa altura você deve estar se perguntando por que ainda não falamos de Vale e Petrobras, as duas maiores companhias do país. Existe um motivo. A ideia do value investing é escolher empresas que tenham uma fonte de receitas estável, o que não é o caso daquelas que dependem de commodities. Ela são fortemente atadas aos ciclos econômicos.
A Vale hoje é o melhor exemplo disso. A gigante brasileira lucrou R$ 20,6 bilhões no terceiro trimestre, alta de 20% na comparação com um ano antes, mas um tombo de 50% ante o segundo trimestre.
Tudo a ver com o preço do minério de ferro, que bateu a marca recorde de US$ 230 por tonelada em maio para depois derreter para a faixa de US$ 100, reflexo da menor demanda na China, a maior importadora da matéria-prima.
O investidor fica entre a cruz e a espada. O dividend yield deste ano deve somar estelares 20%, nas projeções do BTG Pactual, o que dá quase três vezes a Selic do ano. Só que essa é uma cortesia do passado, não das perspectivas para o futuro. O banco espera uma queda para a faixa de 13% em 2022. Ok, é ainda muito superior à média das empresas do Ibovespa, mas com uma vantagem substancialmente menor. Por sinal: até antes de Brumadinho (2019), a Vale sequer era considerada uma boa pagadora de dividendos, tal a volatilidade na distribuição de resultados.
Fugir de commodities, porém, não é algo escrito em pedra para quem curte o value investing. Buffett tem ações da petroleira Chevron, a 15ª empresa com maior peso em seu portfólio. Então, se você quiser ter ações da Petrobras e dizer que sua carteira é value, tudo bem. Pelo seguinte: ficou para trás aquele vórtex criado pela combinação de preços baixos de petróleo, operação Lava Jato e uma dívida que beirou os R$ 500 bilhões, causada por investimentos mal planejados e o subsídios aos preços de combustíveis. Hoje a estatal vende seu petróleo no exterior pelo maior preço em dólar em cinco anos e ainda se beneficia do câmbio acima de R$ 5,50. E, diferentemente do minério, o mundo vive uma escassez do líquido negro e outros combustíveis, de modo que não há sinais de que os preços cairão com força no curto prazo.
O BTG calcula que os dividendos da estatal vão escalar para os 20% em 2022, em vez de encolher, como ele prevê para a Vale. Só precisa combinar com Brasília, claro, porque o governo Bolsonaro segue ameaçando a autonomia da estatal em repassar a alta do petróleo e do dólar aos preços dos combustíveis – o que torna a Petro uma empresa pouco querida hoje no mercado: o valor de suas ações está estagnado, na mesma faixa de dezembro de 2020.
Agora, uma coisa é certa. As apostas para o futuro das duas gigantes estão descoladas dos preços das ações, e o P/L delas estão baixos, coisa de 5. Isso torna as duas perfeitamente enquadráveis na caixinha das ações de valor que passam por uma janela amigável a quem deseja comprar – estão excessivamente baratas e a tendência é que elas voltem à média histórica do Ibovespa, em torno de 13. Resta saber se será com a alta nos preços das ações (bom se você comprá-las) ou se os lucros vão encolher (aí você perde).
Só não espere acertar na mosca. Nem Buffett consegue. No final do ano passado, ele decidiu vender um naco da Apple por achar que as ações tinham subido demais, a um patamar irracional, e que seria natural uma queda para que os preços voltassem à média – aí ele compraria de novo a preços mais camaradas, embolsando um lucro na operação. Só tem um detalhe. A Apple continuou a subir na bolsa, assim como os lucros dela.
Aí Buffett refez suas contas e, no fim, mudou de opinião. Entendeu que a dona do iPhone continuava barata. Que vender uma parte das ações havia sido um erro.
E tudo bem. Não existe estratégia 100% certeira. Como disse Buffett, a regra número 1 dos investimentos é não perder dinheiro. A número 2 é não esquecer a regra número 1. Com o value investing, você tem grandes chances de cumpri-las – e já terá se saído melhor que boa parte dos investidores do mercado financeiro.
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Fontes: Livro O Investidor Inteligente, de Benjamin Graham (Editora HarperCollins); Luiz Fernando Araújo, CEO da Finacap; Daniel Utsch, gestor da Fator Administração de Recursos; Gabriel Marzotto, sócio da Quasar e gestor do fundo Quasar Tropos; e Welliam Wang, responsável pela estratégia
de renda variável da AZ Quest.