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Vale a pena ter ações da Natura (NTCO3)?

Ela fez três aquisições em uma década e se tornou o quarto maior grupo de beleza do mundo. Agora, sofre para tornar as novas operações rentáveis. Veja o que a companhia está fazendo para virar o jogo – e se já é hora de colocar NTCO3 na carteira.

Por Tássia Kastner
9 dez 2022, 05h49

Em 2020, a BlackRock “decretou” que todas as empresas se tornariam ESG em um futuro próximo. Era isso ou fechar as portas, dizia a maior gestora de fundos do mundo. Tratava-se de uma premissa radical: investidores, incluindo aí a própria BlackRock e os US$ 7,96 trilhões sob sua gestão, não estariam mais dispostos a financiar negócios que destroem o meio ambiente, não incluem mulheres, negros e outras minorias no quadro de funcionários ou ainda têm uma gestão falha e pouco transparente. É dos investidores que vem o dinheiro grosso para financiar a expansão e continuar a crescer. Daí que apenas os negócios que seguissem a pauta ambiental, social e de governança corporativa seriam viáveis no longo prazo. 

Ali naquele começo de 2020, a Natura (NTCO3) era um símbolo de que dava, sim, para atender aos anseios dos acionistas e da sociedade em geral, num exemplo bem acabado de que lucro e compromissos sociais poderiam andar lado a lado. Desde os anos 1980, a empresa usa embalagens refil para diminuir o consumo de plástico. Depois, migrou parte de seus frascos para o plástico verde, feito de cana-de-açúcar – e não de petróleo. Trabalha com cooperativas na Amazônia para a extração de matérias-primas de forma sustentável. Aumentou as licenças-maternidade e paternidade, num esforço de reduzir a desigualdade de gênero. Também havia finalizado a compra da operação global da Avon e se convertido na quarta maior empresa do grupo de beleza do mundo – estava atrás apenas de P&G, Unilever e L’Oréal. 

Ali ela passou a ser uma empresa avaliada em US$ 11 bilhões, com faturamento de R$ 40 bilhões. A última receita da Avon sem a Natura tinha sido de R$ 19,7 bilhões, em 2019.

O anúncio de que havia fechado a compra da Avon veio em maio daquele ano. Na época, as ações eram negociadas a R$ 29. Quando a aquisição foi concluída formalmente, em 3 de janeiro de 2020, os papéis já haviam subido 45%, a R$ 42. Um mês depois, eles avançaram mais 19%, batendo os R$ 50. Em julho de 2021, as ações atingiram a máxima histórica de R$ 60,05. Só que, dali para frente, o que se seguiu foi um bombardeio de notícias ruins que levou o papel a afundar 80% até chegar ao patamar de R$ 12 em novembro de 2022, quando este texto era escrito. 

Há sinal de que a ação esteja pronta para sair dos escombros? Para responder isso, primeiro é preciso entender o que é a Natura hoje.

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Organização

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Existe uma Natura antes da Avon e outra depois da Avon. Foi ali que a companhia criou de fato uma holding, a Natura &Co, sob a qual estão a Natura, a própria Avon e outras duas companhias que tinham sido adquiridas antes: a britânica The Body Shop e a australiana Aesop. Juntas, elas formam um grupo com atuação em mais de 100 países. Os resultados financeiros são divididos da seguinte forma: toda a receita gerada pela marca Natura fica sob o guarda-chuva da unidade Natura &Co Latam. Nesse mesmo braço ficam os resultados de Brasil e América Latina das outras três marcas. Avon, The Body Shop e Aesop têm resultados separados no resto do mundo.

Dos R$ 9 bilhões de faturamento no terceiro trimestre deste ano, 64% vieram da Natura &Co Latam, 18,3% da Avon, 10,8% da The Body Shop e 6,7% da Aesop.

A primeira a chegar ao grupo Natura foi a Aesop. Em 2013, a Natura havia arrematado uma fatia da companhia australiana com o objetivo de espalhar seus tentáculos pelo mercado asiático. Havia mais benefícios com a aquisição. O lance da Aesop é ser uma marca de luxo, e seguindo parte dos preceitos sustentáveis que a Natura já pregava, como usar princípios ativos botânicos e não fazer testes em animais. Estava acessível a outros bolsos e países, sem competir com o consumidor da Natura. E ainda vendia em lojas próprias, coisa que a brasileira ainda não sabia fazer.

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A Natura seguiu praticamente desde a sua fundação o modelo de venda porta a porta com as suas revendedoras, assim como a Avon fez por mais de um século. Mas os hábitos dos consumidores mudaram e a companhia entendeu que precisava estar disponível em outros canais de venda, como farmácias, lojas próprias e venda online.

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A transição começa em 2016, justamente quando a Natura arremata 100% da Aesop. É naquele ano que a marca brasileira passa a abrir lojas próprias e a vender parte de seus produtos em farmácias. E a Aesop valeu o investimento não só pelo know-how, mas também porque é até hoje a unidade de negócio mais rentável da Natura &Co.  

Era o momento para o próximo passo. Um ano depois, em 2017, a Natura comprou a britânica The Body Shop, da L’Oréal. A história era parecida com a da Aesop – uma empresa em outro mercado, com know-how em lojas físicas, e valores de sustentabilidade semelhantes aos da Natura.

A The Body Shop estava à venda porque os resultados da companhia vinham sofríveis. Quando a Natura e a The Body Shop foram criadas, nos anos 1970, preocupações ambientais eram vanguarda. Hoje, como bem atestou a BlackRock, se tornaram obrigação. Nisso, a The Body Shop havia perdido seu maior diferencial no seleto mercado europeu e analistas do setor clamavam por uma transformação capaz de atrair millennials. Àquela altura, a marca não tinha o fator novidade, tampouco algum chamariz para ampliar suas vendas.

Alguns analistas apontaram, já na época, para os riscos da aquisição. A Natura pagou € 1 bilhão pela companhia, o equivalente a um ano de faturamento do negócio à época. 

Dois anos depois, quando ainda tentava reerguer a The Body Shop, a Natura foi às compras mais uma vez. Levou a Avon por cerca de US$ 2 bilhões. 

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Logo após a aquisição, o JP Morgan escreveu que a Avon seria uma distração para a companhia que estava com os resultados empacados desde a aquisição anterior. E a Avon padecia de problemas que a Natura e a The Body Shop enfrentavam, mas de forma potencializada. A Avon ainda operava na venda direta, algo que a Natura desejava contornar, e ainda com uma marca que havia envelhecido de tal maneira que tinha dificuldade de atrair novos consumidores, o mesmo problema que havia massacrado a The Body Shop.

Não é só isso. Mesmo com os esforços de transição para outros canais, 78% das vendas do grupo em 2021 foram feitas por revendedoras – o online e o varejo ficaram com 11% cada um. 

No terceiro trimestre de 2022, a companhia registrou um prejuízo de R$ 559 milhões, ante um lucro de R$ 269 milhões um ano antes. Olhando apenas para o Ebitda (que mede o lucro operacional, sem despesas com impostos e depreciação), a queda foi de 38%. Todas as unidades de negócio lucraram menos na comparação anual, mas o caso da Avon é ainda mais dramático. O segmento registrou prejuízo operacional de R$ 29 milhões. Quase dois anos depois da fusão, a Avon segue drenando o caixa da Natura. 

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E a situação não é exatamente confortável. O endividamento da companhia está em 4,15 vezes o Ebitda. Esse dado mostra quantos anos do lucro gerado nos últimos 12 meses a empresa precisa para quitar a dívida de curto prazo. Investidores tendem a considerar um número ok o endividamento abaixo de duas vezes. E ainda há um problema adicional para empresas com dívida elevada hoje – a alta da taxa de juros.

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Maré de azar

Investidores estavam cientes desde o início que seria um desafio incorporar a Avon à Natura. E mesmo assim os primeiros sinais foram encorajadores. A fusão para valer aconteceu no primeiro ano da pandemia e, apesar da queda nas vendas de maquiagens, houve uma expansão na demanda por produtos ligados à higiene e ao bem-estar. Havia ainda o bônus dos programas de transferência de renda no mundo todo – a exemplo do auxílio emergencial no Brasil. A receita do grupo cresceu e a ação foi junto.

Só que o otimismo refletido nas ações não era exatamente porque investidores estavam muito confiantes nos resultados da empresa nessa nova fase, e sim pelo caminhão de dinheiro despejado pelos bancos centrais na economia para conter os danos da Covid. Os juros caíram a zero nos Estados Unidos e a 2% no Brasil. O dinheiro estava tão barato que era possível fazer qualquer tipo de aposta – ações de todo tipo de empresa subiam sem parar (e coisas bem mais arriscadas, como as criptos, também). A Natura, nesse cenário, era quase uma renda fixa. Tratava-se de uma empresa com histórico sólido, ajustando as engrenagens do negócio para voltar a crescer.

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A chave virou em meados de 2021. A inflação brasileira estava prestes a cruzar a marca dos 10% em 12 meses, o que fez o Banco Central brasileiro anunciar que as altas de juros seriam feitas de 1 em 1 ponto percentual. Nesse momento, todas as empresas chamadas de consumo cíclico, como a própria Natura e as varejistas tipo Magazine Luiza, Via e Americanas, passaram a afundar.

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O cíclico ali é de “ciclo econômico”. Se a economia vai bem, as pessoas têm mais renda e conseguem gastar com produtos não essenciais. Vale para a troca de geladeira, mas também para perfumes e maquiagens. Se a inflação faz o salário acabar antes do fim do mês, é natural que a prioridade sejam os itens essenciais.

As vendas da Natura como um todo começaram a esfriar, o que se traduz em menos receitas e menos lucro. Não era um problema só no Brasil. A inflação no mundo todo vinha subindo e espalhando esse mesmo efeito em basicamente todos os mercados onde a Natura &Co atua.

A bomba final foi a guerra na Ucrânia. Quando a Rússia decidiu invadir o país vizinho, causou dois problemas diretos para a companhia. Por um lado, levou a uma disparada nos preços das commodities, encarecendo a produção. Do outro, ceifou em 20% as vendas da Avon International (que tem grande presença na Rússia), prejudicando ainda mais os negócios da companhia.

A gota d’água

Com o estrago causado pela guerra nos números do primeiro trimestre deste ano, a Natura decidiu preparar analistas do mercado para o pior. Em abril, a companhia realizou várias teleconferências com a Faria Lima nas quais forneceu detalhes além do esperado. Conforme ia explicando a situação da companhia – isso antes da divulgação

dos resultados oficiais –, as ações foram caindo. Estava claro que a Natura sabia que os resultados viriam muito aquém das expectativas. Não se tratava mais de esperar o momento econômico desafiador passar: a Natura precisaria fazer alguma coisa para recuperar a confiança dos investidores.

Dois meses depois, a companhia anunciou a troca de presidente. Fábio Barbosa, que ocupava a presidência do conselho de administração da Natura, passou para o posto de CEO no lugar de Roberto Marques. O plano do executivo passou a ser o de simplificar aquela intrincada estrutura que faz da Natura &Co uma holding com quatro unidades de negócio.

Quando Barbosa assumiu, a Natura prometeu a investidores acelerar a integração entre as marcas Natura e Avon na América Latina, convidando as revendedoras da Natura a vender produtos da Avon e vice-versa. Um segundo plano é simplificar o catálogo de produtos da Avon, que vende não só itens de beleza, como também roupas e produtos para casa. Há ainda um esforço de digitalizar as vendas, ainda calcadas nas revendedoras.

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Por fim, a empresa tem enfatizado os planos de entrada na China – primeiro com a Aesop e depois com a The Body Shop –, isso apesar do cenário difícil para a economia do país, que continua travada pela política de Covid zero.

Talvez o anúncio mais simbólico de que a mudança já teria começado foi o de que a Natura estaria disposta a fazer um IPO da Aesop. O plano ficaria para 2023, já que depende da melhora das condições de mercado, claro. As bolsas continuam pouco amigáveis a IPOs, reflexo justamente da alta de juros. Esse anúncio pegou bem entre investidores porque é, no fundo, uma medida de curto prazo. 

Apesar do cenário sombrio, analistas estão relativamente generosos com a companhia. BTG Pactual, Citi e Goldman Sachs têm recomendação neutra para a ação, com preços entre R$ 16 e R$ 20. A mensagem principal do trio de bancos é que o cenário é incerto demais para a companhia. Já a XP recomenda a compra e estima que o papel deveria bater os R$ 25. Ou seja, a Natura mais que dobraria de valor.

Mas talvez o melhor resumo tenha sido feito pelo Itaú, com recomendação outperform (acima da média do mercado, equivalente a compra) e preço-alvo de R$ 17. “Nós vemos a Natura como uma ação barata com pesados ventos contrários no curto prazo.” 

Ser sustentável e lucrativa não é um caminho em linha reta. Com a crise atual, a Natura oferece mais um exemplo perfeito para a tese ESG da BlackRock: um teste para saber quão pacientes investidores podem ser enquanto esperam a companhia voltar a gerar resultados robustos – sem abandonar práticas sustentáveis. 

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