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Vale a pena comprar ações da Ambev (ABEV3)?

A companhia que detém 60% do mercado de cervejas enfrenta uma concorrência pesada, e suas ações voltaram ao preço de 10 anos atrás. Para dar a volta por cima, ela aposta num portfólio cada vez mais amplo e na distribuição via app. Será o bastante para recuperar os papéis?

Por Tássia Kastner
11 nov 2022, 05h51

Ser a Seleção Brasileira na Copa do Mundo é uma espécie de supertrunfo: quando você é o líder e carrega cinco estrelas na camisa, cada nova partida começa com uma vantagem. Quando a bola rolar pela primeira vez na Copa do Catar, em 20 de novembro, e os brasileiros estiverem em  frente à TV, quem terá o benefício psicológico de jogar em casa é a Ambev.

Ela é uma gigante da cervejaria e a quarta empresa mais valiosa da bolsa brasileira, avaliada em R$ 238 bilhões. No quarto trimestre de 2021, há um ano, a Ambev produziu 5,1 bilhões de litros de bebidas. Foi o recorde histórico. Desse volume, 3,4 bilhões de litros (ou 66%) são consumidos no Brasil, o maior mercado da companhia. O resto é distribuído em três regiões: América Latina Sul (que engloba Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia), América Central/Caribe (com 11 países na região) e o Canadá.

Depois do pico de 2021, a Ambev conseguiu manter a produção lá em cima, entre 4,1 bi e 4,5 bilhões de litros por trimestre. Tecnicamente, houve uma redução, mas no caso de bebidas, o que vale mesmo é a comparação anual. Afinal, é em dezembro que todo dia é uma sexta-feira, fenômeno que prossegue até o Ano-Novo.

Para bater o recorde do 4T21, a empresa terá, de maneira inédita, o calendário a seu favor. Venderá cerveja (e refrigerantes e outras bebidas) a torcedores brasileiros que, pela primeira vez, estarão em frente à TV acompanhando a seleção no calor do fim do ano. Com isso, a Ambev (ABEV3) espera convencer de que é possível, sim, vender ainda mais cerveja e voltar a expandir seus lucros. 

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Gigante entalado 

É até difícil acompanhar a quantidade de rótulos de cerveja da Ambev, já que toda hora aparece algum novo. Neste momento, o site da empresa cita 34, com Skol, Brahma, Antarctica e Budweiser nas bases e Spaten no time intermediário. Na linha “premium”, tem Beck’s e Stella Artois, as “artesanais” Colorado e Wäls mais as importadas, como Goose Island e Leffe. E ainda as regionais, tipo a Polar e a Magnífica.

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Existem ainda os refrigerantes (Guaraná Antarctica, Pepsi e Tônica), chás, energéticos (a Ambev distribui o Red Bull no Brasil) e as bebidas mais ou menos novas que são destilados prontos em coquetéis (tipo Skol Beats Senses).

Não faltam concorrentes fortes no Brasil, claro – principalmente Heineken e da Coca-Coca, mais o Grupo Petrópolis (da Itaipava). Mesmo assim, a companhia tem robustos 60% de market share em cervejas no país. A Heineken vem em segundo, com cerca de 20%.

São números tão superlativos que fica difícil imaginar como continuar crescendo – jogar parado também não é uma possibilidade. Voltemos à Seleção: a última vez em que o Brasil venceu uma Copa foi em 2002. Em 2006, a Itália levou o seu quarto troféu e chegou perto da Canarinho. Em 2014 (alerta de gatilho), foi a vez da Alemanha na Copa realizada no Brasil.

Mesmo na liderança, a Ambev precisa continuar crescendo para se manter a posição. A cervejeira foi criada nos anos 2000 a partir da fusão da Brahma com a Antarctica. Naquela época, a Brahma já era comandada por Jorge Paulo Lehmann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, o trio brasileiro do private equity 3G Capital, célebre por grandes fusões de empresas – outra delas é a Kraft Heinz.

Após uma década de consolidação como gigante da cerveja, a Ambev viu o mercado da bebida se transformar. A Heineken ganhou espaço, as cervejarias artesanais também. Ninguém mais queria beber “cerveja de milho”, só “puro-malte”. Skol, Brahma e Antarctica perderam espaço no paladar dos consumidores mais endinheirados. As mesas dos bares e os baldes de gelo dos churrascos passaram a ostentar cada vez mais garrafas verdes, e menos garrafas marrons.

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Foi quando a Ambev começou a comprar pequenas cervejarias brasileiras. Em 2015, levou a Colorado, de Ribeirão Preto, e a Wäls, de Minas Gerais. Ainda assim, os resultados da gigante continuavam afundando. 

Mesmo tentando atacar, ela seguia perdendo terreno para a mudança estrutural de mercado. Em 2018, a companhia chegou ao fundo do poço com o menor volume vendido de cerveja desde 2010. Foi pior inclusive do que nos anos mais agudos da recessão brasileira, entre 2014 e 2016.

Dali em diante, a cervejaria reagiu promovendo transformações em seu portfólio. Um dos primeiros passos foi definir quais marcas seriam priorizadas. É claro que Skol e Antarctica continuariam à venda, mas como rótulos consolidados. Foram chamadas de marcas “core”, e seguem como as mais vendidas do Brasil. O foco era expandir nos segmentos premium, aproveitando o refinamento do paladar e a disposição do consumidor a pagar um pouco mais.

E houve ainda uma aposta no segmento premium, onde já estavam a Stella e a Original. Só que nenhuma delas conseguia enfrentar a Heineken. Em 2019, quando o processo de mudança de portfólio começou, a Ambev trouxe para o Brasil também a marca Beck’s, que tinha por objetivo competir com a holandesa Heineken e sua garrafa verde. O esforço se pagou quando, em 2021, Heineken enfrentou dificuldades de abastecimento no país justamente na reabertura dos bares – foi ali que a outra cerveja da garrafa verde ganhou terreno. A estratégia da Ambev ia se consolidando.

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Além disso, a clássica Brahma ganhou força na versão “Duplo Malte” e a companhia aproveitou para lançar no Brasil mais uma marca com garrafa verde, a alemã Spaten, que fazia parte do portfólio global da AB Inbev, a multinacional controladora da Ambev (também sob a batuta do 3G Capital). Essas entraram num segmento chamado de “core plus” – um meio termo entre as premiums e as “normais”. Com o portfólio recauchutado, veio o recorde de vendas lá do final de 2021.

Agora, analistas de ações se perguntam se a companhia teria atingido um teto. O Brasil já é o terceiro maior mercado de cerveja do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China. O consumo per capita é menor que em países europeus, mas também está próximo de seus recordes. Se na Alemanha bebe-se coisa de 95 litros por pessoa, por ano, no Brasil o número ronda 62 litros. E não haveria novas fronteiras a expandir, já que os outros países têm suas próprias cervejarias irmãs, todas controladas pela AB Inbev. 

E isso enquanto o Cade (o órgão de defesa da concorrência no Brasil) começa a impor limites a acordos de exclusividade da Ambev com bares. Em algumas regiões, como centro expandido de São Paulo, zona sul do Rio e o Plano Piloto de Brasília, a companhia chega a ter mais de 20% dos bares atrelados a acordos que impedem a comercialização de marcas concorrentes. A Heineken, então, foi ao Cade reclamar.  

O órgão decidiu proibir a Ambev de firmar novos contratos até a conclusão do julgamento. A Heineken  também  foi impedida de fixar novos acordos se já tivesse mais de 20% de participação de mercado em alguma região específica.

Para a Ambev, o aumento do poder de compra da população ajudaria a expandir o consumo de cerveja no interior do país. Jean Jereissatti, CEO da companhia, respondeu a essa pergunta com um exemplo didático. “No interior, ainda não é possível comprar cerveja [para os amigos] na sua festa de aniversário.”

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Fechando a conta

Existe um problema adicional nessa equação: a alta dos preços. Trigo, cevada milho, alumínio, energia, combustíveis para fazer a bebida chegar aos bares. Tudo que se relaciona à produção de cerveja teve um salto brutal de preço nos últimos dois anos. Isso enquanto o bolso do consumidor também estava mais curto justamente por causa da crise econômica e da inflação.

E isso era um problema em todas as áreas de atuação da Ambev. Daí por que investidores ficaram surpresos com o aumento de 18% na receita líquida da companhia agora no terceiro trimestre de 2022. No Brasil, a empresa conseguiu faturar 36% mais com bebidas não-alcoólicas e crescer 17% na receita com venda de cervejas, isso apesar dos volumes relativamente estáveis.

O que aconteceu foi um aumento de preços, para cobrir a alta de custos, e uma mudança nos volumes. Houve mais crescimento nos segmentos premium, segundo a companhia. Ou seja, a relativa melhora na economia brasileira no terceiro trimestre, com a deflação e queda do desemprego, ajudou a Ambev a manter seus resultados no mercado nacional.

Mas em outras regiões o movimento não foi tão suave. O principal ponto de atenção da empresa é hoje a América Central, que enfrentou furacão e protestos inflamados por causa da alta da inflação. 

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Plataforma

Não se trata só de melhorar o portfólio e controlar bem os custos. Empresas também dependem de uma boa história para contar na hora de atrair mais investidores. Se você é uma Vale, uma Petrobras, um Itaú, vai ficando cada vez mais difícil tirar novos coelhos da cartola para alavancar crescimento. Talvez o exemplo mais emblemático recente tenha sido a descoberta do pré-sal, pela Petrobras, e o investimento nessa frente de exploração de petróleo.

Por essa lógica, o pré-sal que a Ambev busca é a digitalização. O aplicativo Zé Delivery cortou os intermediários Ifood e Rappi e passou a vender bebidas diretamente para os consumidores. A Ambev tirou partido de uma rede ultracapilarizada de depósitos de bebidas que já estavam sendo abastecidos para usá-los como estoques do app. São 3 mil estabelecimentos ligados ao Zé Delivery, que chegou a 4 milhões de clientes ativos e 15 milhões de pedidos no terceiro trimestre. O problema? O app parou de crescer quando os bares reabriram (só o fato de os números não terem caído foi motivo de celebração por analistas).

A outra frente tech é o Bees, um aplicativo que ajuda a centralizar os pedidos de bares e restaurantes, o que otimiza o trabalho dos vendedores da companhia. Para além das entregas de bebidas, o Bees fechou parcerias com BRF, M.Dias Branco e Pão de Açúcar para vender produtos a esses pequenos estabelecimentos. 

E há ainda a expansão no mundo das outras bebidas alcoólicas. O segmento, chamado de beyond beer, reúne coquetéis doces prontos à base de vodca e gim. O alvo são as mulheres – que bebem proporcionalmente menos cerveja do que homens – e os jovens que acabaram de alcançar a idade legal para beber, mas não estão tão interessados em álcool.

Passados esses cincos anos de saída da crise, a Ambev enfrentou fechamento de bares e bateu recordes de vendas, conseguiu repassar custos e abriu novas frentes de negócio. Ainda assim, a ação da Ambev está relativamente estagnada. No fim de outubro, o papel era negociado ao redor dos R$ 15, mesmo patamar do começo do ano. Pior. R$ 15 era o preço da ação lááá em 2012. Ela chegaria a um pico de R$ 24 em 2018 – para retornar depois ao valor de 10 anos atrás. 

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XP e Credit Suisse acreditam que os esforços da companhia devem levar a ação a a R$ 18. Bank of America e BTG Pactual são mais céticos e estimam que o papel está mais ou menos no preço justo, que seria de R$ 16. Em resumo, eles estão dizendo que a Ambev está entrando em campo para tentar ganhar a Copa, mas, com os jogadores que tem, o troféu não vem. Com todo o investimento, o melhor que a companhia deve conquistar é garantir a manutenção de sua liderança. Mas isso a gente só vai saber depois que o juiz apitar. 

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