Vacina da Índia tira o Ibovespa do buraco
Mas a liberação do lote não bastou para tirar o índice do vermelho. Outras forças puxam o Ibov para baixo: o medo de uma alta nos juros, e a falta do IFA.
O Ibovespa atingiu o seu menor patamar do ano: 118.328 pontos, depois de uma queda de 1,10%; e distanciou-se bem da máxima de 125 mil pontos. Enquanto isso, em Nova York, tudo se manteve estável. Ou seja: o problema é doméstico. Acontece que os investidores não digeriram muito bem o relatório do Copom, divulgado depois do fechamento de mercado de quarta-feira (20).
O Banco Central manteve a Selic em 2%, mas mandou um recado: não será por tanto tempo assim. O BC retirou o forward guidance – justamente a orientação de que os juros seguiriam nesse patamar a perder de vista.
Isso significa que podemos nos deparar com aumento das taxas nas próximas reuniões do Copom. Os analistas da Guide Investimentos apostam que o BC vai deixar a Selic estacionada até março, pelo menos, sustentando uma postura de “esperar para ver”. A expectativa é de que a taxa básica feche o ano entre 3% e 4%. E juros mais altos são necessariamente ruins para a bolsa, já que tornam o investimento em ações menos atraentes do que em títulos públicos.
Alguns fatores contribuíram para essa decisão. O primeiro, e mais importante, é o risco fiscal. A inflação acelerou e fechou 2020 com um acumulado de 4,52%. E se a alta dos preços continuar nesse ritmo, a inflação pode romper o teto da meta. Para 2021, o centro da meta perseguido pelo BC é de 3,75%, com margem de 1,5 ponto percentual (ou seja, de 2,25% a 5,25%).
O Banco Central ainda ressalta uma incerteza em relação ao 1º trimestre. O nível de desemprego continua em seu maior patamar, com mais de 14 milhões de pessoas sem trabalho. Além disso, o fim do auxílio emergencial deve impactar a retomada da economia.
Por falar em auxílio emergencial, os dois candidatos à presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), fizeram declarações favoráveis à volta da ajuda financeira à população. Mas sem recursos para o novo auxílio, o mercado teme que o teto de gastos seja quebrado.
Na UTI
Como se a situação macroeconômica não bastasse, também há a preocupação com a saúde. O País enfrenta o aumento de contaminados e mortos pela Covid-19. Ontem foram registradas 1.382 mortes nas últimas 24 horas – é o maior número de óbitos registrado em um dia desde 4 de agosto. No total, já são 212.893 vidas perdidas.
A falta de oxigênio em Manaus e no município de Faro, no Pará, acenderam a luz vermelha: a segunda onda traz um risco ainda maior para o colapso da saúde pública do que a primeira.
Por mais que as vacinas Coronavac e Oxford-AstraZeneca tenham sido aprovadas pela Anvisa (e a imunização emergencial esteja rolando em todos os Estados), o Brasil ainda pena para ter os insumos necessários para a produção de mais doses.
Acontece que o Brasil tem 14,8 milhões de pessoas no grupo prioritário para a vacinação e 10,8 milhões de doses de imunizantes (como as doses precisam ser duplas, isso só atende 5,4 milhões de pessoas). A conta não fecha e tem gente que vai ficar sem vacina. Sem o IFA (Insumo Farmacêutico Ativo, a matéria prima de cada uma das vacinas), nem o Instituto Butantan nem a Fiocruz conseguem produzir doses. E os carregamentos do material, como você tem visto no noticiário, está preso na China, o país produtor dos IFAs de ambas as vacinas.
Não faltam interesses por trás dessa pendenga. Primeiro, a China tem uma relação conflituosa com o governo Bolsonaro – o presidente, seus filhos e outras autoridades cansaram de dizer que a China se beneficia com a pandemia. Mas não é só isso.
O governo tinha dado a entender que barraria a chinesa Huawei das licitações para equipamentos das futuras redes 5G (a justificativa foi a mesma de Trump: os equipamentos de telefonia poderiam facilitar a espionagem internacional). É possível que o governo chinês esteja usando os IFAs para barganhar pela liberação dos sistemas da Huawei – e parece que o governo entendeu o recado, já que agora pretende facilitar as coisas para a gigante chinesa de telecomunicações.
Além disso, há o fato de que a China tem 1,3 bilhão de pessoas para vacinar. E, como faltam doses em todos os países do mundo (inclusive nos EUA, o que melhor se prepara para enfrentar a pandemia), é cabível que o governo de lá tome medidas para restringir a exportação de matéria prima para as vacinas.
A notícia boa é que o governo da Índia liberou as exportações comerciais de vacinas Oxford-AstraZeneca e o Brasil deve receber 2 milhões de doses na sexta-feira (22). Até semana passada, o país se recusava a liberar as doses até ter o suficiente para imunizar a sua população. Como a vacina da AstraZeneca tem eficácia de 70% na primeira dose, estuda-se aplicar uma única injeção. Nisso, a vacina serviria de fato para 2 milhões de pessoas – um alívio bem-vindo diante da situação com o IFA.
O resultado sobre o Copom desesperançoso e dúvidas sobre o futuro da vacinação? Queda generalizada na maioria dos papéis do Ibov. O índice chegou ao patamar dos 117 mil pontos, mas reduziu um pouco as perdas com o anúncio das vacinas vindas da Índia, no início da tarde.
Entre as maiores baixas está a Eletrobrás, que despencou -6,15% (ELET6) e -5,15% (ELET3). A culpa foi de Rodrigo Pacheco. O candidato à presidência do Senado afirmou que a privatização da estatal não é sua prioridade e que não vê problemas em deixar a votação sobre esse assunto para o segundo semestre.
Dia bom mesmo só para a PetroRio, que fechou com alta de 4,90%. A petroleira anunciou na terça (19) e emissão de novas ações no mercado – o que pode render até R$ 2,2 bilhões para o caixa da empresa. Mas isso é ruim para os atuais acionistas. Eles ficam com sua participação diluída. Cada uma das ações que já estavam em circulação, afinal, passa a dar direito a uma proporção menor dos lucros da companhia. Os papéis tinham caído 5,5% desde o anúncio. E o que vimos hoje foi a recuperação dessa queda. Mais um indício de que o dia realmente foi fraco. Aguardemos os próximos capítulos das nossas duas grandes novelas, a da economia e a da vacina. Pelo visto, não faltará drama.
Maiores altas
PetroRio: 4,90%
B2W: 2,62%
Copel: 1,77%
Qualicorp: 1,55%
Hapvida: 1,44%
Maiores baixas
Eletrobras (preferenciais): -6,15%
Eztec: -5,64%
Cyrela: -5,35%
Eletrobras (ordinárias): -5,15%
Cosan: -3,90%
EM NY S&P 500: +0,03%, aos 3.853 pontos
Nasdaq Composite: +0,55%, aos 13.530 pontos
Dow Jones: -0,04%, aos 31.176 pontos
Dólar: +0,98%, cotado a R$ 5,36
Petróleo
Brent (referência internacional): + 0,04%, cotado a US$ 56,10 o barril
WTI (referência nos EUA): -0,34%, cotado a US$ 53,13 o barril
Minério de ferro: +0,56%, cotado a US$ 171,51 por tonelada em Qingdao (China).