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Por que as empresas de e-commerce estão em uma encruzilhada

Magalu, Americanas e Via enriqueceram muitos investidores – até que suas ações implodiram. Entenda o combo de problemas, e se há uma saída.

Por Fábio Marton | Edição: Tássia Kastner | Design: Carolina Aranha | Ilustração: Douglas Lopes
13 Maio 2022, 05h20

Até 2020, a Magalu era a Tesla brasileira, e uma camada expressiva de investidores apostava que a Via e a Americanas seguiriam a mesma trajetória meteórica. As ações do varejo decolavam. Via tinha subido 150% em três anos. Americanas, 490%. Magazine Luiza, 950%. 

Só que, em um voo, você precisa prever as zonas de turbulência. Nisso, o mercado financeiro falhou. O sacolejo chegou em 2021 sem que ninguém tivesse antecipado, levando o trio do e-commerce ao posto de maiores quedas do Ibovespa no ano passado – tombo de 60% para Americanas, 66% para a Via e 71% para a Magalu. 

E no fundo do poço ainda havia um alçapão: só no acumulado de janeiro a maio deste ano, Via caiu mais 40%, Americanas outros 30% e Magalu 25%.

Para o investidor, foi como queimar dinheiro. Quem terminou 2020 com R$ 50 mil em Magalu ou Via tem hoje R$ 10 mil e uns quebrados. 

Banho de sangue. E o instinto natural diante de uma tragédia é buscar culpados. O alvo da vez é a China. Do ano passado para cá, a Shein e a Shopee se somaram ao AliExpress como os grandes e-commerces do sudeste asiático dispostos a atacar o varejo nacional. Frete grátis e dinheiro ilimitado são os canhões deles para competir com vendedores locais. 

Você sabe: muito do que a gente consome em qualquer loja – física ou virtual – já vem da China. Para as varejistas brasileiras, então, permitir que os consumidores comprem “direto da fonte”, sem pagar os impostos de importação que elas pagam, é concorrência desleal.

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Elas abriram uma frente de pressão em Brasília. Formalmente, quem lidera essa batalha são a Multilaser e a Havan, e o que elas pedem é o fim da isenção de impostos para compras abaixo de US$ 50 entre pessoas físicas – brecha que permite a compra das pechinchas importadas, ampliada pelo câmbio desfavorável para o real e os preços ridiculamente baixos dos sites chineses. O ministério da Economia prometeu intervir, mas foi bem ao estilo dos últimos três anos e meio – até a conclusão desta reportagem a medida provisória com regras mais duras não havia sido divulgada.

O medo tem fundamento: as compras de brasileiros em sites hospedados fora do país saltaram 60% em 2021, de acordo com uma pesquisa da Nielsen. Entre os consumidores que fazem compras online, 68% disseram que compraram produtos importados no período. 

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O aplicativo da Shopee se tornou o mais baixado entre os e-commerces. Olhando para a audiência dos sites, que é um jeito de comparar o potencial de mar- ket share das empresas, o que se sabe é o seguinte: o Mercado Livre detém 30% do mercado, seguido por um empate técnico entre Americanas, Amazon e Magalu (13%, 12% e 11%, respectivamente). Depois vem a Shopee, sediada em Singapura mas com forte presença de lojas chinesas, com 9%, só então Casas Bahia (maior marca da Via) e seus 7%, seguida pela chinesa AliExpress em 6,6%. São presenças relevantes para quem não tem tradição no mercado brasileiro.

O mesmo medo de uma invasão gringa já existiu antes, quando há cinco anos a Amazon decidiu vender mais do que livros no Brasil. Só que a gigante americana não estabeleceu-se aqui com o peso que tem nos EUA, e as empresas locais seguiram brilhando.

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Houve ainda o período em que as acusações de pirataria e concorrência desleal recaíam sobre o Mercado Livre. Agora o inimigo é outro, e o Meli luta a mesma batalha. É que o e-commerce pode até ter controle argentino e ações em Nova York, mas quem manda mesmo é o mercado brasileiro: 55% da receita vem daqui. E as ações dele também caíram 25% neste ano. 

Mas o problema do varejo não é só a concorrência com os players do sudeste asiático. Enquanto a ameaça de fora chegava, uma combinação tóxica já corroía o resultado das empresas: juros altos mais inflação estratosférica.

Juros + inflação

Foi como um sapo na panela. O varejo estava lá, convivendo com inflação pequena e juros baixos, nos primeiros meses da pandemia. Era uma crise, mas não parecia. As compras online, inclusive, cresceram, já que não havia mais onde gastar.

A água passou a esquentar com a alta da inflação, que começou a dar as caras no final de 2020. A primeira reação do Banco Central para conter a alta de preços foi em março de 2021, com a primeira alta de juros desde 2015. 

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Foi numa dose agressiva, a Selic saiu da mínima histórica de 2% para 2,75%. Só que o susto mesmo veio em agosto. Ali a inflação beirou os 10% pela primeira vez desde 2016 e o Banco Central anunciou que os juros passariam a subir de 1 ponto percentual em 1 ponto percentual (uma traulitada em termos de política econômica). 

A água entrou em ponto de ebulição, e não havia mais como o sapo fugir.

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Os juros estão agora na faixa de 12% ao ano. E o crédito ficou bem mais caro, num nível que não se via desde 2017. Só que em 2017 a inflação estava em 3%. Em março de 2022, o IPCA anual chegou a 11,30%. Não só isso: a renda do trabalho derreteu, o combo perfeito para fazer com que boa parte da população consiga comprar só o básico. Sobra pouco para o e-commerce.

Comprar geladeira, máquina de lavar, TV e celular é algo que você só faz depois de pagar o aluguel e o supermercado. Se a grana está curta, vai ser parcelado. E se o crédito está caro, aí que não compra mesmo. 

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Resultado: no fim de 2021, o estrago começou a aparecer. A Magalu perdeu 7,9% em receita bruta na comparação com 2020; a Via, 6,9%. Americanas teve um crescimento de 28,3%, mas a verdade é que os números estão mesclados em um processo complexo de reestruturação societária. No meio do caos, a Lojas Americanas (operação física) e  B2W (Submarino e Americanas.com) finalmente se fundiram.

Sair desse vale deve ser difícil. Mesmo que a inflação recue da casa dos dois dígitos, ainda assim ela deve permanecer em patamares elevados por um bom tempo. O mercado financeiro tem falado em coisa de 7% no final do ano. Mas a cada semana tem-se revisado a previsão para cima – até outro dia, em fevereiro, apostavam em 5%. E o desemprego, apesar de ter caído desde o auge da pandemia, ainda atinge 11,9 milhões de brasileiros (11,1% dos trabalhadores; versus os 4% ou 5% dos momentos em que a economia vai bem).

Risco futuro

O dilema, agora, é o seguinte. Enquanto o comércio brasileiro mergulha num vale, as varejistas do sudeste asiático vêm chegando. E o trunfo delas é o preço baixo, algo que conta muito num cenário em que o bolso está curto.

Essa é justamente uma das crises das varejistas nacionais: quando investiram em superapps, que vendem de tudo, o plano era fidelizar o cliente até que ele se dispusesse a pagar um pouco mais pelo produto – este momento, porém, só vai chegar quando, e se, a economia voltar aos eixos.

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Mais do que isso: todos os sites ficaram mais ou menos iguais, e a disputa migrou para a velocidade de entrega. Nesse quesito, as asiáticas ainda perdem feio. Não

é trivial montar um sistema de entregas que cubra o país de norte a sul, menos ainda com frete grátis. No mês passado, o Mercado Livre anunciou um contrato com a Gol para ter aviões disponíveis para ampliar os envios rápidos. Enquanto isso, os sites chineses ainda levam, em média, 28 dias para fazer o produto chegar. Uma vida inteira, pelos padrões atuais do e-commerce, que às vezes consegue entregar um aparelho eletrônico na mesma velocidade que os apps de comida entregam hambúrguer. 

Só que essa diferença também está em vias de mudar. A Shopee afirma que já não é mais um site de compras internacionais. Em entrevista recente à Folha de S.Paulo, o executivo da empresa no Brasil afirmou ter 2 milhões de lojistas nacionais cadastrados no site – lojistas que enviam os produtos daqui do Brasil. Desse jeito, a medida de taxação de importados planejada para equilibrar a concorrência seria inócua contra a concorrência da Shopee. A AliExpress também tenta encurtar prazos: fretou um voo semanal da Emirates para as entregas.

Trocando em miúdos: quando o consumidor voltar a ter dinheiro, talvez já tenha mudado seus hábitos de consumo. Tenha se acostumado a comprar (também) na Shopee e na AliExpress. E elas seguiriam como concorrentes fortes para as nacionais mesmo depois de a poeira da crise ter baixado.  

Larissa Quaresma, analista da Empiricus, entende que, mesmo assim, há espaço para todo mundo. Assim como a Amazon não implodiu o varejo brasileiro, as asiáticas tampouco teriam uma força destruidora sobre as empresas locais. 

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“Por muito tempo, vigorou a teoria de que o e-commerce brasileiro seria aquele jogo em que o vencedor leva tudo”, diz a analista. “Mas talvez seja um cenário em que o consumidor queira mesmo ter várias opções.”

Para o investidor, o dilema é o seguinte. As ações dessas empresas estão nas mínimas, mas não necessariamente baratas. O valor somado de todas as ações da Americanas equivale a 33 vezes o lucro anual dela. O da Magalu, a 55. A média do Ibovespa para esse critério, o P/L (preço sobre lucro), é de 7. A Via nem tem um P/L para chamar de seu, já que não deu lucro nos últimos 12 meses – ou seja, está ainda mais cara que Magalu e Americanas.       

Ainda assim, a queda foi tão grande que já tem gente sugerindo a compra de ações das varejistas nacionais. Caso da XP, que recomenda ações da Magalu e da Americanas. A MGLU3 tem preço-alvo de R$ 12, o que daria uma valorização de 145% até o fim do ano. No caso da Americanas, o potencial estimado é de 66%, para R$ 40. Para Via, a recomendação é neutra.

O Bank of America vai na mesma linha: sugere compra de Magalu, mas diz que a Via está com desempenho abaixo da média do mercado (ou seja, não compre).

Se a Magalu subir até onde a XP espera, ainda valerá a metade da sua máxima histórica. No fim, o que o mercado financeiro está dizendo é o seguinte: quer comprar? Compra. Mas não dá mais para apostar que uma das nossas varejistas será a Tesla brasileira. 

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