Magalu: é hora de dar um novo voto de confiança às ações da empresa?

Foi uma alta de 6.700% em cinco anos. Dali em diante, ela perdeu 70% do seu valor e deixou no prejuízo meio milhão de investidores.

Por Tássia Kastner
11 fev 2022, 07h00
No centro da imagem, um guindaste movimenta um caixote no centro de distribuição da Magalu
Centro de distribuição em Louveiras (SP). Localização virou peça-chave para reduzir prazos de entrega. (Magalu/Divulgação)
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Olhando pelo retrovisor é fácil. Ao longo dos últimos anos, investidores lamentaram não ter comprado ações da Magazine Luiza lá por 2016. Naquele ano, 12 mil pessoas tinham Magalu na carteira. E, pensando bem, era muito. A empresa estava longe de ser considerada um negócio promissor: ainda era uma varejista física, offline, com um negócio de margens apertadas e resultados esquálidos. Um ano antes, havia registrado prejuízo de R$ 65 milhões. Havia gente no mercado sugerindo que o melhor para a companhia era sair da bolsa. 

A história da transformação digital ainda era um projeto embrionário, iniciado quando Frederico Trajano foi ungido pela mãe, Luiza, e alçado à presidência da empresa. Investir em Magalu, nos idos de 2016, era dar um voto de confiança a Fred.

Três anos depois, o resultado já aparecia nas ações: 2.900% de valorização, de R$ 0,40 cada uma para R$ 12. Se um daqueles 12 mil investidores tivesse colocado R$ 10 mil em Magalu, veria no app da corretora um saldo de R$ 300 mil. Uma alta meteórica capaz de atrair investidores com a força de um campo magnético. 

No fim de 2019, a Magalu chegou a 31 mil acionistas. Um ano depois, 388 mil, um exército que chegou quando a companhia já estava em suas máximas históricas. Com a ação a R$ 27,45, a alta atingia surrealistas 6.700%. 

gráfico de ações

Mas… quem entrou nessa última leva começou 2022 com um tombo de 70%. A ação virou o ano a R$ 7,22. R$ 10 mil nessa teriam virado R$ 3 mil. E mesmo quem comprou há mais de dois anos, bem antes do pico, segue no prejuízo.

Também usando o retrovisor, fica fácil dizer que o risco era óbvio. O alerta do perigo soava há tempo: o P/L, o indicador que divide o preço somado de todas as ações da empresa pelo lucro nos últimos 12 meses, chegou a superar a faixa de 500. Grosso modo, esse número diz quantos anos são necessários para o investimento se pagar. Estávamos falando de meio milênio, isso enquanto o P/L histórico do Ibovespa ronda os 15.

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Mas, como acontece em qualquer mania financeira, das Tulipas holandesas do século 17 até hoje, quem apontava para o risco de comprar Magalu a R$ 27, com P/L fora de qualquer curva, corria o risco de ser taxado de maluco – ou de loser por não ter comprado antes. 

Afinal, ninguém em 2020 apostaria contra uma Tesla ou qualquer outra tech famosa de P/L hipertrofiado – com a Magalu era a mesma coisa. Companhias desse tipo têm alto potencial de crescimento, então em algum momento o lucro dispararia, fazendo o P/L baixar para níveis realistas. Era o que diziam os defensores da compra da ação mesmo perto das máximas. Em janeiro de 2021, com a ação em torno de R$ 25, BB Investimentos e Elite Investimentos incluíram a ação em suas carteiras recomendadas. 

Só que MGLU3 já começou o ano em queda livre, e sob o olhar incrédulo da Faria Lima. Parecia tão improvável que a ação do Magazine Luiza continuaria a cair que mais 200 mil se tornaram investidores no ano passado, enquanto o preço rolava ladeira abaixo. Meio milhão de pessoas tinham sido sugadas para um vórtex de negação. Era como se qualquer baixa se convertesse em “Liquidação Fantástica”, uma oportunidade única de compra para quem chegou atrasado na festa, tal qual a tradicional promoção de queima de estoque do Magazine Luiza. O problema é que saiu mais parecido com uma black fraude, e a ação continuou a cair até atingir aquela faixa de R$ 7 em dezembro, com 70% de desvalorização diante do pico, que tinha rolado um ano antes. 

Depois desse processo traumático, a pergunta é uma só: já chegou a hora de comprar Magalu?

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A pioneira

A bolsa brasileira tem um desequilíbrio entre oferta e demanda. A maior parte das ações disponíveis são de empresas da velha economia, como Vale, Petrobras, bancos e siderúrgicas. Enquanto isso, investidores sonham com uma carteira recheada de big 

techs. Isso explica um pouco da euforia quando a transição da Magalu para o digital foi dando certo – no momento em que ela deixou de ser só uma rede tradicional de lojas físicas focada em eletrodomésticos para se transformar em um site que vende absolutamente tudo, de fralda descartável a comida, passando por creminhos de skin care. E com um adicional: com a encomenda entregue na sua casa em menos de uma hora.

Foi uma evolução gradativa, claro. A Magalu foi a primeira a usar os estoques das lojas físicas como pequenos centros de distribuição, isso lá entre 2015 e 2016. Estava mais perto da casa do cliente, e se ele tivesse muita pressa, ainda podia pagar pelo site e retirar na loja mesmo. Era um diferencial competitivo.

Junto veio a conversão do site em um marketplace, em 2017. Isso resolveu um segundo problema: para vender tudo o que o cliente quer e entregar em uma hora, o estoque precisaria ser infinito. Não rola. Mas com outros vendedores usando o site e o app da Magalu para anunciar, fica viável. Esse, por sinal, já era o modelo do Mercado Livre. 

Dito daqui de 2022, tudo o que a Magalu fez parece óbvio e banal. Mas, voltando no tempo, é preciso lembrar que as operações das lojas físicas e virtuais das principais concorrentes eram completamente apartadas. Casas Bahia online e física tinham em comum apenas o nome. Americanas, o site, e Lojas Americanas, por sinal, só foram unificadas no ano passado.

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E o fato é que o caminho trilhado deu certo. O prejuízo anual de 2015 foi o último (ela voltou a ter perda trimestral em 2020, mas por causa dos fechamentos de lojas na pandemia – não porque estava mal das pernas). Em 2016, a empresa lucrou R$ 86 milhões. Um ano depois, o resultado cresceu 350%, para R$ 389 milhões. Em 2018, subiu a R$ 597 milhões e, no final de 2019, se aproximava de um lucro anual bilionário: R$ 921 milhões. De 2016 a 2019, o lucro cresceu 970%. Sob essa perspectiva, tratava-se mesmo de uma empresa tipo tech, de alto crescimento.

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Mais: a operação digital estava explodindo. No primeiro trimestre de 2020, pela primeira vez a companhia vendeu mais pelo online do que nas lojas físicas. Dos R$ 7,7 bilhões de faturamento no trimestre, R$ 4,1 bi vieram do e-commerce.

Aqui vale uma pausa importante. Em sua carta aos acionistas do final de 2016, a diretoria escreveu que nenhuma empresa analógica, até ali, tinha sido bem-sucedida em sua transformação digital. Quando alguma ultrapassasse a marca de vendas online, oficialmente se tornaria uma empresa que conseguiu virar a chave. Foi o que a Magalu conseguiu naquele início de 2020.

Em parte, a estratégia deu certo por conta de aquisições. A Magalu comprou a Netshoes e a livraria online Estante Virtual em 2018. De quebra, levou know-how para ampliar a oferta de serviços online. Mais recentemente, a lista ganhou outras seis aquisições ligadas ao varejo. Com isso, a companhia havia conseguido virar uma one-stop-shop de fato, um lugar onde se compra tudo.

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Loja da Magalu. Em primeiro plano, no alto, um letreiro com o slogan
Loja da Magalu em São Paulo. Unidades são usadas como pequenos centros de distribuição. (Magalu/Divulgação)

A missão parecia completa. Só que, quando isso aconteceu, o que era diferencial virou feijão com arroz. Agora todas as varejistas grandes têm tudo à venda e disputam quem entrega mais rápido. 

Isso significa que o esforço de fidelizar o cliente pela conveniência se esvai. Se você quiser comprar algo online, talvez não abra o app da Magalu ou de nenhum concorrente: vai no Google ver quem tem o preço mais baixo. E depois filtra prazo e custo de frete.

Pior (para o e-commerce brasileiro): quem não tem prazo caça com preço baixo. É o caso das chinesas AliExpress, Schein e Shopee. Esta última se tornou o app mais baixado entre os de varejistas.

“Essas empresas estão avançando e têm capital. O que elas não têm é know-how de mexer com o Brasil. Não vão vender geladeira. Mas isso complementa a nossa tese [sobre a Magalu]. Ela vendeu a ação falando que ia criar um super app, e buscou se diferenciar porque tinha a expectativa de fidelizar o cliente. Só que o cliente vê menor preço, não há fidelidade”, diz Anderson Meneses, fundador da casa de análise Alkin Research, um dos mais vocais analistas a apontar, lá atrás, que ação tinha tudo para derreter.

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É a economia

Só que, não fosse a inflação e a alta cavalar de juros necessária para contê-la, talvez investidores ainda estivessem ignorando os riscos de comprar ações caras demais e de empresas sob ameaça de concorrência pesada. Quem realmente estragou a festa da Magalu foi esse combo de IPCA acima de 10% e taxa Selic subindo de 1,50 p.p. em 1,50 p.p. rumo aos dois dígitos. É nitroglicerina pura para empresas como a Magalu.

Por mais tech que ela tenha se tornado, no fim trata-se de uma empresa que digitalizou o varejo. E ela ganha dinheiro quando vende produtos exatamente como acontecia no passado. Para vender, é preciso que as pessoas tenham renda e acesso a crédito barato. O desemprego alto, também de dois dígitos, já era uma pedra no sapato que vinha sendo contornada pelo crescimento do e-commerce.

área de descanso da Magalu ao ar livre. Há plantas, bancos e bate sol. No primeiro plano, existe um escorregador que termina em uma piscina de bolinhas.
Sede da Magalu em São Paulo tem decoração de startup – com direito a escorregador de acesso à área de descanso. (Magalu/Divulgação)

Até que a disparada da inflação limou o poder de compra de supérfluos e concentrou no que é essencial. Se a conta do supermercado fica mais pesada todo mês, a nova geladeira passa a ser um plano de longo prazo. Especialmente quando não dá mais para comprá-la a prazo, porque o juro também foi à estratosfera.

Isso também aumenta os custos operacionais da empresa. Quando a Magalu faz estoque de geladeiras encalhadas, o gasto é maior – com o problema adicional de que, se ela tentar repassar esse custo ao consumidor, menos gente se dispõe a comprar, retroalimentando o ciclo vicioso. Resultado: a rentabilidade da empresa diminui. 

Dá para ver isso pela margem bruta, resultado da divisão do lucro operacional pela receita. No quarto trimestre de 2019, ela estava em 28%. Aí foi caindo consistentemente até chegar a 20% no terceiro trimestre de 2021, o dado mais recente disponível. O resultado fechado de 2021 será divulgado em 10 de março.

No fim, a transformação digital fez a ação da Magalu subir a montanha. Mas quem derrubou o papel lá de cima do Everest foi a economia brasileira. 

Apesar desse cenário nebuloso, bancos e corretoras ainda acreditam na varejista – recomendam a compra como uma das melhores do segmento. Em parte porque, com a dívida líquida (de curto prazo) praticamente zerada, ela deve atravessar melhor que a concorrência um terceiro ano de economia travada.

Mas esqueça ações a R$ 27. Agora, as estimativas são bem mais modestas. Goldman Sachs fala em ações a R$ 12 no fim deste ano, o mesmo patamar da Alkin. Otimista, a XP ainda estima R$ 18 em dezembro.

Dá uma valorização entre 70% e 157% na comparação com o fim de janeiro, quando os papéis eram negociados ao redor de R$ 7. Só que esses R$ 7 não tornam a empresa necessariamente barata. No atual patamar de ações, o P/L da Magalu ronda os 65. Bem mais palatável que os 500 de 2020, mas ainda mais caro que os 54 da Amazon, por exemplo. No fim, passado o ajuste mais duro no preço das ações, agora é o momento de ajustar as expectativas dos investidores. 

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