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O que são as “emendas de relator”, afinal de contas?

Entenda de uma vez essa jabuticaba, que serve para o governo comprar votos legalmente em Brasília – caso a lei não mude.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 12 nov 2021, 11h02 - Publicado em 9 nov 2021, 08h46

“Emendas” são os pitacos que os deputados podem dar no Orçamento Geral da União – ou seja, na grana que o governo vai gastar durante o ano em obras e compras (como insumos para um hospital). 

Essas emendas estão disponíveis em quatro “sabores”:

  1. Emendas individuais: no Orçamento deste ano, aprovado em 2020, cada um dos deputados e senadores tem o direito de apresentar até R$ 16,3 milhões em emendas. O jogo é aberto: deputado X pede R$ 10 milhões para construir um ponte sobre um riacho de sua comunidade, por exemplo, e fica registrado se rolou ou não. Separou-se R$ 9,6 bilhões do Orçamento para isso.
  2. Emendas de bancada: são os gastos do Orçamento com os pedidos acordados pelas bancadas dos partidos. Partido tal pede obra tal. Foram reservado R$ 7,3 bilhões.
  3. Emendas de comissão: a infinidade de comissões da Câmara e do Senado tem o direito de pedir gastos específicos também. Mas o Poder Executivo, que é quem dá a cartada final não é obrigado a acatá-las. Para 2021, foram cortadas. Zero dinheiro.
  4. Emendas de relator: vamos lá. O tal “relator” é o congressista que organiza a distribuição de emendas individuais e de bancada junto aos demais deputados e senadores. O relator do Orçamento de 2021 foi o senador Marcio Bittar (MDB-AC), mas a liminar de Rosa Weber nada tem a ver com ele especificamente (como o nome da coisa, às vezes escrito como “emendas DO relator”, dá a entender). 

O relator pode ser qualquer um. A diferença aqui é outra: trata-se de uma grana que fica guardada na mão do governo para distribuir aos parlamentares que ele bem entender. Quem faz o meio de campo é o relator do Orçamento (daí dizer que esse tipo de emenda é dele, quando na verdade não é; é de cada parlamentar que pede para entrar no jogo). 

E o pulo do gato: não fica registrado em nome de qual parlamentar o gasto rolou. Daí o apelido dessa modalidade: “orçamento secreto”.

Pra que serve? Oras: é um mecanismo criado para que o governo tenha mais poder de barganha no Congresso. O Executivo pode combinar com o deputado X um voto a favor da PEC dos Precatórios, por exemplo, em troca de uns bons milhões para uma obra no curral eleitoral dele (sem falar que desde a Roma Antiga obras são a forma mais clássica de enriquecimento de políticos, via comissões à margem da lei recebidas das empresas que tocam as obras). Logo há sempre muita demanda no Congresso por tal agrado – ainda mais levando em conta o sigilo.   

Para o Orçamento de 2021, o maior naco das emendas foi reservado justamente para esse orçamento secreto, orçamento de barganha: R$ 18,5 bilhões. 

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Até agora “empenharam” (liberaram) R$ 9 bilhões. O problema: R$ 2,9 bilhões o foram no mês de outubro, justamente às vésperas da votação em primeiro turno da PEC dos Percatórios – menina dos olhos do governo.

“Tem caroço nesse angú”, pensou a ministra do STF Rosa Weber, com palavras mais bonitas. 

Na sexta-feira, ao apagar das luzes em Brasília, ela concedeu uma liminar suspendendo o pagamento das emendas de relator. Alegou, naturalmente, que falta transparência na destinação desse dinheiro. Além disso, ela segue, essas emendas criam um grupo privilegiado de parlamentares que podem investir tudo em suas bases eleitorais. Ou seja, quem é do clubinho do governo ganha e pode jogar dinheiro no lugar que dá mais votos para si.

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A decisão da ministra, claro, veio acompanhada de um terremoto em Brasília. O Congresso chiou. Argumentou que lei é lei e o STF não tem nada de querer arrumar o motor com o carro andando. Não adiantou: a maioria dos ministros do Supremo votou nesta semana pela mantenção da liminar. O STF também deu 30 dias para o governo mostrar quais foram os gastos aprovados por essa via. Enquanto isso não acontece, o dinheiro destinado ao orçamento secreto segue bloqueado.

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