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Como aproveitar melhor a alta dos juros

A renda fixa não é tão fixa. Alguns títulos públicos podem entregar lucros estratosféricos, ao menos para quem entra no momento certo. Entenda a montanha-russa dos juros – e o que fazer para usufruir bem dela.

Por Alexandre Versignassi | Ilustração: Felipe del Rio | Design: Tiago Araujo
Atualizado em 2 nov 2021, 16h55 - Publicado em 17 set 2021, 04h00

É a melhor forma de perder dinheiro no longo prazo: ignorar a “rentabilidade real” dos seus investimentos. Rentabilidade real é aquela acima da inflação. Vamos lá. Se você pegar R$ 100 mil e deixar aplicados até o ano de 2045, a uma taxa de juros equivalente à da Selic atual, terá R$ 345 mil daqui a duas décadas e meia. E temos aí um lucro de 245%, certo?

Não. Esses R$ 345 mil não são um valor real. São aquilo que os economistas chamam de “valor nominal” – um número que diz rigorosamente nada sobre o poder de compra que essa grana terá em 2045.

Para ter alguma noção disso, você precisa colocar a inflação na conta. Pense num carro nem muito caro, nem muito barato. Um Jeep Renegade. Hoje, a versão mais barata dele sai por R$ 92 mil. Daqui a um ano, caso a inflação dos últimos 12 meses se mantenha, ele vai custar R$ 100 mil (9% a mais).
E qual será a inflação daqui até 2045? Como Mãe Dinah não está mais entre nós, não fazemos a mais vaga ideia. O que dá para fazer é uma projeção baseada em eventos passados.

Caso o país siga pelos próximos 24 anos, até 2045, com a mesma taxa de inflação que teve nos últimos 27 anos (a idade da nossa moeda), o preço de um carro dessa categoria será um tanto indigesto lá na frente.

Da estreia do real até hoje, passamos pelos governos FHC, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Ou seja: estivemos sob virtualmente todas as frequências de onda do espectro político, cada qual com o seu jeito de lidar com a economia. E a inflação média no país foi de 7% ao ano.

Foi muito. É por isso que, hoje, você precisa de R$ 63 para replicar o poder de compra que uma nota de R$ 10 tinha em 1994. O ideal para o futuro de longo prazo seria uma inflação de 2%, a meta tradicional dos países desenvolvidos.

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Mas nem na vida, nem na economia acontece sempre o ideal, então vamos imaginar que o futuro repetirá o passado. E que no museu de grandes novidades do ano de 2045 haverá uma inflação acumulada de 24 anos equivalente à dos últimos 27: 7% ao ano. Nesse cenário, um carro tipo o Renegade de hoje vai custar R$ 466 mil em 2045.

Ou seja: os seus R$ 345 mil não seriam o bastante para pagar por um carro que, hoje, caberia no seu orçamento. Mesmo poupando, você empobrece com o tempo. Fazendo a conta inversa: R$ 345 mil de 2045 equivaleriam a R$ 68 mil de hoje. Bem menos que os R$ 100 mil da aplicação inicial.

O que vai determinar se você terá ou não um bom pé-de-meia lá na frente é garantir uma proteção efetiva contra a inflação. A chave aí é a palavra “garantir”. Ações, por exemplo, podem render mais que a inflação no longo prazo. E geralmente fazem isso. Mas garantir, de fato, nenhuma garante. Para formar uma reserva polpuda correndo menos risco, faz sentido pensar em algo mais seguro do que a renda variável, e mais rentável do que o Tesouro Selic (poupança, esquece – aí a perda para a inflação é ainda mais pesada).

Isso não significa abrir mão do Tesouro Selic, ou dos fundos de baixo risco (e taxa zero, por favor) que só aplicam nessa modalidade. Por razões que vamos ver em detalhes ao longo deste texto, uma parte do seu dinheiro precisa mesmo ficar sujeita à renda mais minguada dessa classe
de investimento.

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Mas se você já tem algum dinheiro para de fato guardar, e sabe que não vai ter de mexer nele nos próximos muitos anos, vale a pena pensar em outro tipo de título público para completar o portfólio: o Tesouro IPCA+.

Ele paga a inflação, seja ela qual for, mais um chorinho até a “data do vencimento” – a hora em que o dinheiro que você aplicou volta para a sua conta. As datas de vencimento variam. Hoje, dá para investir em IPCA+ que vence em 2026, 2035, 2045…

Só o lance de ele pagar a inflação já garantiria que os seus R$ 100 mil mantivessem o poder de compra intacto. No cenário de inflação a 7% que a gente colocou aqui, eles se transformariam num montante com valor nominal de R$ 507 mil, mesmo sem o tal chorinho – o suficiente para comprar o Renegade de 2045 com a mesma facilidade que você teria hoje.

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Mas a graça mesmo é o chorinho. Em termos técnicos, o nome dele é “juro real”, uma renda além da inflação. E o juro real que o governo paga no IPCA+ varia de acordo com a situação econômica do país. Quando está tudo bem, o Tesouro Nacional vende títulos IPCA+ pagando um choro meio baixo, coisa de 3% para os títulos de prazo mais longo.

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Quando está tudo mal, o chorinho cresce. Vai para 4%, 5%. Investir em títulos públicos, afinal, é emprestar dinheiro para o governo. Motivo: em épocas de vacas magras, o governo precisa de mais dinheiro para tocar a vida. Então paga juros mais altos nos títulos para conseguir esse dinheiro.

Se você aproveita esses momentos, pode se dar bem lá na frente. Por um motivo fundamental. Quando você compra um título que paga o IPCA mais 4% ou 5% até 2045, você está fechando um contrato com o Tesouro Nacional. Ele vai te pagar essa taxa na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, por longos 24 anos.

Não interessa se, em 2030, o Brasil entrar para a OCDE, se tornar a terceira maior economia do mundo, e virar emissor de uma moeda mais valiosa que o franco suíço – o que daria ao governo da próxima década o poder de pegar dinheiro emprestado pagando juros próximos de zero, como acontece no mundo rico. Não importa. Seu juro seguirá alto.

Por outro lado, se a economia decair para uma hiperinflação de 1.000% ao ano (toc, toc, toc), pelo menos protegido o seu dinheiro fica. A Renegade de 2045 vai custar um zilhão de dinheiros, mas você chega em 2045 podendo comprá-la.

E aí chegamos ao mote deste texto: este é um bom momento para comprar IPCA+? De novo, só Mãe Dinah poderia dar uma resposta precisa.

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Mas sabemos que as contas públicas estão pela hora da morte, e que o governo começou a pagar mais para pegar dinheiro emprestado.

Em novembro de 2019, quando o clima na economia era de otimismo, e “pandemia” era uma palavra que remetia à Peste Bubônica do século 13, o governo estava pagando um chorinho de 2,8% no IPCA+ 2045.

Quando a pandemia bateu, em março de 2020, o juro desse título subiu para 4,9% (mais a inflação, não se esqueça). Baixada a poeira inicial, ainda em julho do ano passado, caiu para a casa dos 3%. Agora, enquanto este texto era escrito, eles tinham voltado para o patamar do pânico: 4,9%.

“Ah, mas faz assim uma baita diferença tirar 2,8% ou 4,9%?”, alguém pode perguntar. Faz diferença, sim. Seus R$ 100 mil, a 2,8% ao ano, chegam em 2045 valendo R$ 197 mil em dinheiro de hoje (de novo: não importa o valor nominal, só o real). A mesma grana a 4,9% se transforma em R$ 316 mil.

É isso, a mágica dos juros compostos transforma uma diferença aparentemente pífia de rentabilidade numa discrepância monstruosa. R$ 119 mil de diferença.

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Por sinal: também existe outro título IPCA+, o que paga juros semestrais. Mas eles não trazem a magia dos juros compostos – o que os torna menos interessantes para formar um pé-de-meia. E há ainda os prefixados, que pagam um juro maior na lata – tipo 9,9% até 2026. Mas esses são mais especulativos, pois não protegem contra a inflação. Por isso focamos aqui no IPCA+ “normal” mesmo.

E está falado. Acabou a matéria. Produção, pode subir os créditos!

Brincadeira. Ainda tem bastante filme pela frente, e com alguns plot twists.

Breve história da nossa economia

Plot twist número um: a projeção lá do comecinho do texto foi injusta. A Selic hoje remunera abaixo da inflação, mas essa não é uma situação trivial. O normal é que ela pague mais. Às vezes, bem mais. Há dez anos, em 2011, tínhamos uma inflação de 6,5% contra uma Selic de 11%. Ou seja: um juro real de grossos 4,5% ao ano. Há 20 anos, eram 10%.

Na prática, mal valia a pena abrir negócios no país. É tão difícil montar uma empresa que dê 10% de lucro além da inflação que, para quem tinha grana, era melhor deixar tudo em renda fixa e ir morar na praia. E muita gente com bala na agulha fazia exatamente isso. Eram os “rentistas” – o pessoal de grana que preferia mamar nos juros do Estado a dar à luz investimentos produtivos.E o problema era óbvio: com menos negócios abrindo, surgem menos empregos. E quanto menos empregos, mais pobreza.

Mas por que, então, isso existia? Para “proteger os rentistas”, como se dizia nos Centros Acadêmicos da época? Não. Era para evitar inflação. Juro alto é o remédio mais clássico contra aumentos de preços. Eles reduzem o consumo (pagar a prazo fica bem mais caro). Com menos consumo, a pressão pela alta de preços arrefece. O outro lado dessa moeda é que o PIB fica com o freio de mão puxado.

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Por essas, criticava-se a política de Henrique Meirelles, o mandachuva da economia no governo Lula (ainda que na pele de presidente do Banco Central, não na de ministro da Fazenda).

Em 2006, a inflação tinha caído para ótimos e administráveis 3% ao ano. Mas a Selic estava em 13,25%. Juro real de 10%… Pô, Meirelles. Esse era o tamanho do medo que o presidente do BC tinha da inflação. Um zelo aparentemente excessivo que causava rusgas com o ministro da Fazenda da época, Guido Mantega. Guido queria baixar os juros para estimular a economia. Mas tinha pouco poder dentro do governo Lula. E o juro real seguiu alto até o início do mandato de Dilma Rousseff, que marcaria também a despedida de Meirelles.

Dilma manteve Guido Mantega na Fazenda, e deu uma empoderada no ministro, já que também não era exatamente fã do rentismo. O terreno agora estava livre para Mantega implodir os juros. Não se tratava do melhor momento, diga-se. A inflação vivia uma tendência de alta naquele 2011. Mas a marretada veio mesmo assim. Mantega orquestrou uma baixa paulatina com o Banco Central. E em 2013 o juro real baixou para sua mínima histórica até então: 1,25% (inflação de 5,91% versus Selic de 7,16%).

Foi bom para o PIB. O país viveu um crescimento acumulado de 7% nesse intervalo. Mas… Parece que a cautela à la Meirelles lá de trás fazia sentido: a inflação, vitaminada pelo juro baixo, passou a subir. Fecharia 2015 em 10,67%. Aí tome Selic alta de novo: no mesmo ano de 2015, ela chegaria a 14,25%.

A combinação de preços em alta com juros na estratosfera travou a economia: queda de 3,5% naquele ano, a maior em um quarto de século. Cenário que, no campo político, pavimentou o caminho para o impeachment de Dilma Rousseff. Em 2016, Michel Temer chamaria Meirelles de novo para liderar a economia, agora no papel de ministro da Fazenda. Um ano depois, a inflação cairia para 2,95%.

Meirelles aproveitou o momento de baixa pressão inflacionária para ir reduzindo a Selic. E entregou a economia para Paulo Guedes em 2018 com um juro real de módicos 2,6% (num civilizado cenário de inflação de 3,75% versus Selic de 6,40%) Guedes surfou a onda de bonança. No final de 2019, entregaria um juro real de 0,09% (IPCA 4,40% X 4,31% Selic). Ironicamente, o ministro ultraliberal tornaria realidade um sonho da esquerda: acabou com o rentismo – ainda que o trabalho de deixar a cama pronta tenha sido de Meirelles.

Seja como for, essa nova realidade macroeconômica encheu os olhos do mercado. 2020 estava chegando, e com ele viria uma nova era de ouro para a economia, com um bull market de proporções históricas, acreditavam. Mas, em vez do touro, o símbolo da bolsa em alta, o que veio foi outra entidade: o Sars-Cov-2.

Com a pandemia, não tinha jeito: a economia precisava de estímulo. A Selic caiu para 2%. Como 2020 terminou com 4,52% de inflação, o juro real fechou em -2,52%. Pela primeira vez desde o dia em que as caravelas de Cabral ancoraram no litoral sul da Bahia, o Brasil tinha juros reais negativos. E quem mais gostou da Selic subterrânea foi a própria inflação, que agora está em 9% (a alta dos últimos 12 meses), a um passo da linha vermelha dos dois dígitos.

Para combatê-la, a equipe econômica passou a subir a Selic. Hoje ela está em 5,25%. E o mercado prevê uma Selic de 7,50% até o fim do ano. Com os juros em alta, mais hora menos hora a inflação baixa. E os juros reais negativos, como aquele que fez seus R$ 100 mil lá do início do texto se transformarem em R$ 68 mil, deixam de existir.

Em condições ideais de temperatura e pressão econômica, um bom juro real é aquele que o Brasil tinha alcançado em 2019: um trisquinho acima da inflação. Caso esse cenário volte um dia (toc, toc, toc), o IPCA+ deixará de pagar os quase 5% que está pagando hoje. Vai voltar à casa dos 2%.

Então o lance é sair correndo para comprar agora, certo? Calma. Se o cenário se deteriorar, o governo terá de lançar títulos que pagam IPCA mais 7%, IPCA mais 9%… E aí temos um problema, que mostra exatamente onde está o risco do IPCA+. Vamos a ele.

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IPCA+ Marea Turbo

Você colocou aqueles seus R$ 100 mil num título público que vence em 2045. Legal. Mas e se rolar alguma emergência e você precisar desse dinheiro? Você vai lá e saca? Não. Esse conceito não existe no mundo dos títulos. Você precisa vender a coisa, como se estivesse vendendo um carro para levantar uma grana. A boa notícia: da mesma forma que existe um mercado pujante para carros usados, também há um para quem quer vender “títulos usados” – é o governo mesmo quem compra de volta, para revender a outros interessados (geralmente bancos).

Não dá para saber o quanto o governo vai te pagar. O preço será o de mercado, o tanto que os tais dos interessados estão dispostos a pagar. E esse montante varia bem.

Vamos ver dois cenários. Primeiro, um negativo. Você compra hoje, por R$ 1 mil, um título IPCA+ que paga 4% de juro real, com vencimento no dia 15 de maio de 2035. Se você segurar até o vencimento, ganha R$ 1.731 em valores de hoje. 73% de rendimento real.

Aí a economia dá uma degringolada, o governo passa a precisar de mais dinheiro, mais rápido, e lança um novo título IPCA+ com vencimento em maio de 2035, pagando agora 6%. Guardando esse até o vencimento, quem compra tira R$ 2.260. 126% de rendimento real. O que acontece, então, se você quiser vender o seu título, que só vai render 73%? A real é que ele vira um Marea Turbo – você vai ter de vender por menos do que pagou.

A matemática é a seguinte: só vai aparecer comprador se o seu título Marea Turbo render ao comprador os mesmos 126% do novo e possante IPCA+6% que o governo lançou. Mas dá para fazer isso. Seu título, para todos os efeitos, é um papel que custou R$ 1.000, e que te concede o direito de receber R$ 1.730 no dia 15 de maio de 2035.

Para aumentar artificialmente a rentabilidade dele, basta baixar o preço inicial. O mercado vai fazer as contas: R$ 1.730 equivalem a R$ 1.000 mais 73%. Legal. Mas olha só: R$ 1.730 também equivalem a R$ 765 mais 126%, que é a renda do título novo.

Para que o seu título velho ofereça o mesmo rendimento, ele precisa valer R$ 765. Esse passa a ser o preço de mercado do seu título. Se você quiser vender, é isso que vão pagar.

Você perde uma bolada de 23%. Eis o problema do IPCA+. Ele rende mais do que o Tesouro Selic. Às vezes, bem mais. Se você tiver de vender antes do vencimento, porém, pode se complicar.

E nisso temos nosso segundo plot twist: dá, sim, para perder dinheiro com títulos públicos. Muito dinheiro. É o lado variável da renda fixa.
Por isso é sempre necessário ter uma reserva de emergência em Tesouro Selic. Ele é pobrezinho, mas não te deixa na mão. Você nunca terá de vendê-lo por um preço menor do que aquele que pagou. E o mais óbvio: você precisa ter disciplina para saber que não, não vai precisar do dinheiro que colocou num IPCA+ antes da data de vencimento.

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IPCA+ Porsche 911

Riscos à parte, você também pode ter um final feliz se tiver de vender antes. Porque nem todo título vira um Marea Turbo. Dependendo de como estiver a economia, até o seu título IPCA+4% pode virar um Porsche 911 com motor refrigerado a ar – algo que só valoriza no mercado de usados.
Para que essa transmutação de Marea para Porsche ocorra, o governo precisa estar bem na fita, de modo que não tenha de vender o almoço para comprar a janta. Assim, ele terá como levantar dinheiro pagando juros reais mais baixos. 2%, digamos.

E aí ele só vai lançar títulos que pagam IPCA mais 2%. Essa será a maior renda possível dentro dessa classe de títulos. E aí, maravilha: o seu de 4% vira ouro.

O valor final desses títulos de 2%, lá em 2035, será de R$ 1.320, contra aqueles R$ 1.730 do seu. Se você quiser vender, o mercado estará disposto a pagar caro por ele. Você consegue vender o título por um valor bem maior do que pagou.

Dependendo de como estiver o mercado, haverá quem pague coisa de R$ 1.300 pelo direito de ganhar R$ 1.730 lá na frente, Tudo isso porque a diferença entre R$ 1.300 e o valor final do título, nesse caso, será de 33% em 14 anos. Numa realidade na qual o máximo que o mercado oferece para esse prazo é 32%, o comprador já sai no lucro. E você, mais ainda. Terá vendido por R$ 1.300 algo que acabou de comprar por R$ 1.000. Um lucro de 30%, que pode vir em questão de meses. Acontece na vida real.

Para quem entra no IPCA+ com a ideia de fazer dinheiro rápido, então, o momento certo de entrar é aquele em que as taxas estão caindo. E quando as taxas começam a cair? Quando a Selic cai? Não.

É quando a “Selic do futuro” cai. Isso existe – não no governo, mas no mercado. A leitora e o leitor mais inteirados conhecem: são os contratos de “DI Futuro”, que rolam na bolsa. Trata-se de apostas. Se a Selic subir, você ganha; se cair, você perde. Ou vice-versa: você que manda.

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Hoje, as apostas ali são para Selics altas lá na frente: 8,4% para 2023, 9,5% para 2025… (isso muda todo dia; para ver em tempo real, basta dar um Google em “DI Futuro”). Em 2019, a bola de cristal era bem mais de boa: 5,9% para 2023, 6,6% para 2025.

É por isso que o IPCA+ paga hoje um prêmio maior que o de 2019.

O mercado achava que a Selic do futuro não seria tão alta assim, então não havia por que o governo pagar um absurdo de juros nos títulos de longo prazo: o mercado aceitaria menos, afinal. Em 2021, isso mudou de figura. DI Futuro lá no alto, títulos IPCA+, idem, com o governo lançando títulos novos que pagam taxas cada vez mais altas: 3,5%, 4,0%, 4,5%…

Se você prestou atenção ao que dissemos nos últimos parágrafos, já matou a charada: quem comprou IPCA+ há alguns meses está perdendo dinheiro. Se você investiu R$ 1.000 em títulos com vencimento em 2035 no final do ano passado e teve de vender em agosto, recuperou só R$ 880. Perda de 12%. No IPCA+ com vencimento em 2045, o rombo foi maior ainda: 20%.

Essa é a lógica: quanto maior a taxa dos títulos novos, menor o valor de mercado dos títulos que você tiver na mão. E vice-versa.

O último vice-versa de grande porte rolou há pouco tempo. A oportunidade começou em setembro de 2018, perto das eleições presidenciais. Os DIs futuros para dali a três, quatro anos estavam lá no alto – nos mesmos níveis de hoje, dada a instabilidade natural de qualquer eleição.

Baixada a poeira, e com o mercado depositando um caminhão de esperança na política de Paulo Guedes, a bolsa de apostas do DI futuro começou a apontar para baixo. As taxas dos títulos foram caindo. E o valor deles, aumentando.

Quem comprou IPCA+2045 em setembro de 2018 e decidiu vender no final de 2019, um pouco antes da pandemia e dos desastres governamentais que sucederam-se dali em diante, embolsou um lucro de 132%.

Exato: 132%. Em pouco mais de um ano, cada R$ 1.000 investidos ali se transformaram em R$ 2.232. Bem-vindo, de novo, ao lado variável da renda fixa. Só que desta vez pelo prisma positivo da variabilidade. O Ibovespa, igualmente favorecido pelo bom humor da época, subiu também. Só que menos: 44%.

Longuíssimo prazo

Tentar achar essas janelas de oportunidade para ganhar com o IPCA+ pode ser algo tentador. Se fosse simples, porém, nenhum brasileiro capaz de operar o site do Tesouro Direto jamais precisaria trabalhar. É impossível saber quando, exatamente, os DIs futuros vão começar a cair de forma consistente, por meses a fio. Ou mesmo SE isso vai acontecer. Tudo é possível. Ponto.

Para quem pretende investir com disciplina, e foco cerrado no longo prazo, é diferente. Dá, sim, para planejar um ganho maior no futuro. É improvável que a era do rentismo, com o Tesouro Selic pagando juros reais de 10%, volte um dia. Sob quaisquer circunstâncias. A esquerda e a direita podem discordar em tudo, mas as duas correntes de pensamento abominam os juros estratosféricos.

Diante disso, títulos que pagam mais de 4% de juro real garantido por mais de 20 anos são, sim, um dos melhores investimentos possíveis para quem pensa numa aposentadoria confortável lá na frente. O lance é que só haverá títulos assim no mercado em tempos de vacas magras, como agora. Se tudo der certo com o país nas próximas décadas, será difícil ver taxas dessas de novo. Que elas desapareçam logo. E que você tenha a disciplina necessária para poder aproveitá-las 😉

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