Fed avisa que vai subir os juros em 2023, e os mercados choram
Bateu o mimimi: para se antecipar a uma eventual debandada da renda variável, o pessoal criou uma debandada. Mas não foi tudo isso.
Os bancos centrais do Brasil e dos EUA se alinharam em um fenômeno astrológico, a “Super Quarta”. É quando as reuniões que decidem as taxas de juros do Copom e Federal Reserve acontecem no mesmo dia. Essa conjunção astral leva a tensão do nosso mercado às alturas. A política econômica dos EUA, afinal, é tão importante para a B3 quanto a daqui – em geral, mais importante.
A primeira decisão que saiu foi a do Fed. E estava dentro do esperado: o banco central dos EUA manteve taxa de juros inalterada entre 0% e 0,25% – e ela deve continuar nesse patamar em 2022, segundo as perspectivas de 11 dos 18 dirigentes.
O que mudou foram as projeções. Até então, o Fed previa uma alta das taxas só lá em em 2024. Agora puxaram para um ano antes: 2023 (final de 2023, na verdade), quando a “Selic” deles deve subir para algo entre 0,25% e 1,25% (haja largura de banda, mas paciência).
Também mudaram a projeção de inflação. O banco central estava defendendo o discurso de que a alta nos preços era passageira. Bom, esse posicionamento segue firme, mas nem tanto. A nova projeção para 2021 ampliou a inflação de 2,4% para 3,4%. Já para 2022, a perspectiva agora é de 2,1%, ante 2,0% projetado anteriormente. Daí a decisão de antecipar a alta nos juros, já que juros mais altos servem para combater inflação.
Claro que Jerome Powell não deu o braço a torcer. Em seu pronunciamento, o presidente da instituição afirmou que a inflação poderia ficar maior e ser mais persistente do que o esperado. E que tudo bem. Ainda assim, o Fed se diz preparado para lidar com uma inflação acima da meta de 2% “por algum tempo” (haja imprecisão, mas paciência).
Vale lembrar que o índice de preços ao consumidor por lá subiu 0,6% de abril para maio. Isso significa que, em 12 meses, a inflação acumulada do país foi a 5% (maior alta anual desde 2008).
Bom, no final de 2023, o Brasil já terá passado por uma eleição presidencial, a seleção já terá ganhado ou perdido mais uma copa… Enfim: tem chão. Mesmo assim, o anúncio de que o Fed pretende subir os juros nos EUA “tão cedo” machucou as bolsas (haja sensibilidade, mas… é o que rolou).
Juros altos lá na frente, afinal, tornam os títulos públicos dos EUA mais atraentes, já que eles vão passar a pagar mais no futuro. E isso tira dinheiro das bolsas. O pessoal, então, tenta se antecipar a uma eventual debandada e… dá início a uma debandada (pois é: se o mercado fosse a epítome da racionalidade, não haveria muito o que escrever sobre ele)
Em Wall Street, o S&P 500 recuou 0,54%, aos 4.223 pontos, e o Nasdaq caiu 0,24 %, aos 14.039 pontos. Por aqui, idem. O Ibovespa fechou em queda de 0,64%, aos 129.259 pontos. 130 k, a gente se vê por aí. De qualquer forma, não foi tudo isso. Os três índices estavam se recuperando de quedas maiores no fechamento do mercado.
Copom
Por aqui, a nova taxa de juros só é divulgada após o fechamento do pregão. E assim, como esperado, o aumento foi de 0,75 ponto percentual, passando de 3,5% para 4,25% ao ano. Na verdade, o mercado estava um tanto dividido quanto ao tamanho da alta na Selic. Alguns apostavam em uma alta para 4,5%. Ou seja: para o mercado, é uma boa notícia.
O Banco Central voltou a aumentar a taxa básica de juros em março, depois de seis anos de quedas e estabilização. Na época, a Selic estava em 2%. A decisão foi tomada para conter o avanço constante da inflação. O IPCA de maio, divulgado na semana passada, registrou a maior alta em maio ante abril dos últimos 25 anos.
Além disso, o índice acumulado em 12 meses disparou a 8,06% – bem acima do teto da meta do governo para a inflação no ano. O centro da meta é de 3,75%, podendo variar 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, temos um teto de 5,25% contra o acumulado de 8,06%.
De acordo com o último Boletim Focus, divulgado às segundas-feiras pelo BC, a expectativa do mercado é de que a Selic encerre 2021 em 6,25% (antes, a previsão era de 5,75%). Já para 2022, permanece o cenário de Selic a 6,50% ao final do ano.
Minério de ferro
Quem também ajudou a puxar a bolsa para baixo foi o bloco de mineração e siderurgia. Depois de seis altas consecutivas, o preço do minério de ferro perdeu força e caiu 3,51% no porto chinês de Qingdao (a referência internacional de preços da commodity). Mesmo assim, a valorização do minério segue em mais de 30% no ano.
É aí que tem o problema: o governo chinês intensificou os esforços para conter a alta na cotação dos metais. O plano da Administração Nacional de Alimentos e Reservas Estratégicas da China (uma espécie de órgão estatal de estocagem) é liberar reservas de cobre, alumínio, zinco e outros metais com a intenção de garantir o fornecimento e a estabilidade de preços. As reservas serão liberadas para empresas de processamento e manufatura de metais não ferrosos por meio de um processo de licitação pública.
Ainda que essa medida em especial não afete o minério de ferro em si, o fato é que o mercado não costuma gostar de intervenções governamentais. Além disso, o governo chinês segue forçando baixas na produção das siderúrgicas de Tangshan, uma espécie de Volta Redonda (RJ) da China, que concentra boa parte da produção nacional de aço. A bandeira aí é ambiental: querem reduzir a poluição. Mas o fato é que essas restrições à produção baixam a demanda por aço – efeito que talvez não seja colateral, mas intencional, e que pode indicar medidas de contenção à própria demanda por aço, pelo menos enquanto o preço da matéria prima não baixa.
Tudo isso derrubou as ações da Vale, que depende da China tal como um bebê depende da mãe: -3% para a mineradora.
Outras empresas que ficariam órfãs com a queda na demanda chinesa de minério de ferro e aço perderam mais ainda. As maiores baixas foram de Gerdau (-5,10%), CSN (-4,72%), Metalúrgica Gerdau (-3,46%) e Usiminas (-2,58%).
Petróleo
A commodity até tentou, mas não conseguiu salvar o Ibov do negativo. Os preços do petróleo operaram em alta graças à queda nos estoques dos EUA. A expectativa do Departamento de Energia americano (DoE) era de uma redução de 2,9 milhões de barris; mas o resultado foi bem acima do esperado: 7,3 milhões de barris.
O tipo Brent, que é referência no mercado internacional, fechou o dia em alta de 0,54%, enquanto o WTI (referência nos EUA) ficou estável em +0,04%.
Aqui no Brasil, a resposta da Petrobras foi positiva, com uma sutil subida de 0,38%. Além da alta nos preços, a empresa também recebeu uma oferta da norte-americana Excelerate Energy de arrendamento do Terminal de Regaseificação de Gás Natural Liquefeito da Bahia. A proposta foi a única que a brasileira recebeu e oferece um total de R$ 92,1 milhões até 2023, com pagamento de parcelas mensais de R$ 3 milhões.
Corrida contra o tempo
O mercado estava de olho na Super Quarta, mas não deixou de lado a novela da Eletrobras. O prazo para o Senado analisar a medida provisória que trata da desestatização da companhia está acabando.
Basicamente, se a MP não for aprovada pelo Congresso Nacional até a próxima terça-feira (22), perderá seus efeitos. Além disso, se os senadores resolveram alterar o texto, a medida terá de passar por uma nova votação na Câmara e só então partir para o Congresso. Agora, se o prazo expirar, o governo não poderá enviar outra MP sobre o mesmo tema neste ano.
Alguns pontos da medida ainda geram resistências. Um deles é a contratação de 6 mil megawatts (MW) de energia gerada por termelétricas a gás natural no Nordeste, Norte e Centro-Oeste, além da contratação de 2 mil MW de energia de pequenas centrais hidrelétricas em qualquer região do país – o que pode impactar as tarifas.
Em uma tentativa de barrar a MP, a Associação de Empregados da Eletrobras (Aeel) protocolou no TCU uma denúncia afirmando que a MP fere dez artigos da Constituição Federal, além de gerar riscos de desnacionalização do capital da empresa e de elevar os preços da energia ao consumidor final.
No final, o Senado decidiu adiar a votação para amanhã após os parlamentares afirmarem que não tiveram tempo hábil para analisar o parecer do relator Marcos Rogério. As ações da Eletrobras chegaram a figurar entre as maiores altas do dia, mas no final terminaram mistas: a ELET3 subiu 0,78%, enquanto a ELET6 caiu 0,67%.
Lá em Brasília
Na terça-feira (15), Jair Bolsonaro afirmou que o novo Bolsa Família pagará em média R$ 300 para os beneficiários em dezembro – pegando o próprio governo de surpresa e deixando os investidores temerosos com o aumento dos gastos públicos.
O valor é maior do que R$ 250 – a quantia que estava sendo estudada. Hoje, o benefício médio é de R$ 190 e a elevação para R$ 250 já representaria um custo adicional de R$ 18,7 bilhões para o ano que vem. Caso o valor pago seja maior mesmo, os efeitos nas despesas do programa têm mais chance de estourar o teto de gastos.
Para conseguir bancar o novo programa, a expectativa é de que Ministério da Economia proponha cortar despesas do outros ministérios, incluindo as Forças Armadas, e remanejar recursos de programas mal avaliados, como isenções tributárias para alguns setores e o seguro-defeso (um benefício pago aos pescadores durante o período de proibição da pesca para permitir a reprodução das espécies). Fora isso, há a possibilidade de o governo pedir ao Congresso permissão para gastar alguns bilhões além do teto, o que aumenta a dívida pública.
“Pesa para a União, mas nós sabemos da dificuldade da nossa população. Então a equipe econômica já praticamente bateu o martelo nesse novo Bolsa Família a partir de dezembro, de R$ 300 em média”, disse Bolsonaro em entrevista à SIC TV, afiliada da TV Record em Rondônia.
O presidente ainda afirmou que a equipe econômica está estudando uma prorrogação no auxílio emergencial, que termina em julho. O benefício deve ganhar “mais duas ou três parcelas” (provavelmente de R$ 250).
Trata-se, claro, de mais um esforço do mandatário para acordar no dia 1 de janeiro de 2023 ainda como inquilino da cortesia do Palácio da Alvorada, não importando o rombo da medida para as contas públicas. Não é só o Fed, afinal, que tem seus planos de longo prazo.
Maiores altas
Banco Inter: 5,49%
SulAmérica: 3,23%
Itaú: 1,99%
CVC: 1,95%
Hering: 1,74%
Maiores baixas
Gerdau: -5,10%
CSN: -4,72%
Embraer: -4,40%
Bradespar: -3,79%
Metalúrgica Gerdau: -3,46%
Ibovespa: queda de 0,64%, aos 129.259 pontos
Em NY:
S&P 500: queda de 0,54%, aos 4.223 pontos
Nasdaq: queda de 0,24%, aos 14.039 pontos
Dow Jones: queda de 0,77%, aos 34.034 pontos
Dólar: alta de 0,34%, a R$ 5,0600
Petróleo
Brent: alta de 0,54%, a US$ 74,39
WTI: estável em +0,04%, a US$ 72,15
Minério de ferro: queda de 3,51%, US$ 214,08 no porto de Qingdao (China)