Depois da proibição do amianto, Eternit (ETER3) aposta na energia solar
Contratado para reestruturar a empresa após o banimento e sua principal matéria-prima, o CEO Luis Augusto Barcelos Barbosa traça planos para que a fabricante de telhas não fique presa a um único produto. Entre as novidades estão peças com placas fotovoltaicas.
O que poderia ser um golpe fatal se tornou uma revolução. A proibição do amianto no Brasil, em 2017, fez da tradicional Eternit (ETER3) uma empresa mais rentável e inovadora.
Antes mesmo de o banimento passar a valer, em 2019, a companhia deixou o mineral cancerígeno de lado e passou a usar fibras de polipropileno nos seus produtos, mudando toda a cadeia de produção. Prevendo o baque da substituição da sua principal matéria-prima há mais de 80 anos, a fabricante deu início a uma reestruturação, que incluiu o pedido de recuperação judicial em março de 2018.
Em 2021, com as contas em dia e o boom na construção civil durante os juros baixos da pandemia, ela teve um lucro recorde, de R$ 269 milhões, e voltou a pagar dividendos. Em 2022, o resultado caiu para R$ 138 milhões – ainda assim superior à média histórica.
Nesse meio tempo, a Eternit comprou a concorrente Confibra por R$ 110 milhões. Também investiu R$ 165 milhões em uma nova fábrica no Ceará.
Mesmo tendo recuperado a estabilidade financeira, a marca da coruja ainda não conseguiu sair da RJ por conta de uma disputa judicial – prevista para se encerrar neste ano.
Em entrevista à Você S/A, o presidente da Eternit, Luis Augusto Barcelos Barbosa, conta como conseguiu equilibrar as contas e quais as apostas para o futuro da companhia, para que ela não dependa de apenas um produto, como acontecia com o amianto. Uma delas é em telhas que produzem energia solar – sem a necessidade de instalar um painel fotovoltaico por cima. Entenda aqui.
Qual a sua formação e como você chegou à Eternit? Você já era familiarizado com essa indústria?
Sou engenheiro pela Poli-USP e, apesar de não ter trabalhado na construção civil, lidava com produtos para o setor. Passei por Rhodia, Alcoa, Sasazaki e Assa Abloy. Até que, em 2017, fui chamado para assumir a Eternit com a tarefa de reestruturá-la.
Fiquei três meses fazendo o diagnóstico para poder apresentar o projeto de reestruturação ao conselho, avisando que seria um trabalho de três anos.
Como foi entrar em recuperação judicial?
Apesar de termos ativos para honrar praticamente 100% das nossas dívidas, sabíamos que não usar amianto teria sérios impactos na Eternit. Decidimos, então, pedir a RJ no início de 2018 como medida protetiva, o que deveria ser o normal. Essa é uma ferramenta jurídica para ajudar preventivamente as empresas, de modo que elas não quebrem. Infelizmente, a maioria recorre à recuperação judicial num momento tardio. E, isso se deve, em parte, ao fato de que o mercado vê a RJ de uma maneira muito negativa justamente porque a taxa de insucesso é grande. É um ciclo vicioso.
O nosso plano foi aprovado com certa facilidade, mas alguns credores trabalhistas não gostaram da modalidade escolhida e entraram com recurso na justiça. A expectativa é que ele seja julgado no STJ ainda no primeiro semestre deste ano, nos possibilitando sair oficialmente da RJ.
Ainda estamos em recuperação apenas por essa questão meramente processual. Não temos mais dívidas, todos os credores foram pagos, inclusive esses que estão na Justiça. Nossa única dívida é um financiamento do Banco da Amazônia, que tem garantia física e prazo renovado.
Quando e como vocês equilibraram as contas?
Também fizemos uma reforma administrativa, com redução significativa de custos e uma mudança tecnológica para o nosso parque industrial trabalhar com matérias-primas sintéticas, não mais o amianto.
Isso permitiu que já no fim de 2019 as pendências estivessem resolvidas. Logo em seguida, a pandemia acabou nos beneficiando, com o auxílio emergencial e o boom na construção civil. Acabou que 2021 foi o melhor ano da história da Eternit.
Conseguimos, inclusive, adquirir um concorrente ano passado [a Confibra] e construir uma nova fábrica nos arredores de Fortaleza com recursos próprios, já que a RJ nos deixa sem acesso aos bancos.
E como foi mudar do amianto para as fibras sintéticas? Qual foi o aumento de custo?
A gestão anterior à minha já tinha entendido que em algum momento o amianto seria proibido, então a Eternit já investia na fábrica de Manaus, que produzia amianto, para que ela também fabricasse as fibras de polipropileno. Aceleramos esse investimento e mudamos as fábricas de telhas. O produto ficou mais caro, mas nem tanto.
A grande dificuldade é que o amianto é um material mais tolerante, que aceita bem as variações das outras matérias-primas. Por exemplo, um dos nossos outros ingredientes é o cimento, que tem oscilações naturais – depende da jazida que está sendo explorada. Não é possível ter um cimento absolutamente homogêneo. Mas o polipropileno não tolera tantas variações, e isso exige um processo muito mais justo, com controle apurado.
A mina de amianto também deve ser deixada de lado pela Eternit em algum momento?
Com a proibição no Brasil, reduzimos a mineração para produzir apenas o que exportamos, que é um terço do que conseguíamos vender antes, com o mercado local.
Saímos de 300 mil toneladas para 100 mil. Mas, desde que fizemos essa mudança, em 2017, já dobramos a exportação para 200 mil toneladas. Além da queda na produção, a rentabilidade também caiu pelo custo do frete.
Vocês não têm receio de que um dia o amianto venha a ser proibido em mais países?
Os Estados Unidos já proibiram e já voltaram atrás na telha de amianto. Hoje, ela é liberada. As indústrias se adequaram e você trabalha com amianto sem risco nenhum, pois não há contato [dos trabalhadores] com o mineral.
Mas, sem dúvida, pode acontecer a proibição nos países que importam de nós. Porém, não é um processo fácil. Aqui no Brasil, a proibição demorou. Não é algo que acontece da noite para o dia, já que são muitos empregos envolvidos.
Qual é o percentual que a mina representa no faturamento da Eternit hoje?
A mineradora foi cerca de 40% do nosso resultado no ano passado. Mas ela não está no regime estratégico. Quando resolvermos a RJ, consideramos vendê-la e sair desse negócio. Tirando a mina, as telhas representam 95% do faturamento.
O que está no plano estratégico?
Na reestruturação, resolvemos nos voltar ao nosso principal produto que é a telha. Queremos dar sobrevida a este produto maduro, então desenvolvemos alguns aprimoramentos.
Visitamos empresas do ramo no exterior para identificar tendências e gostamos muito dos sistemas construtivos a seco, que são produtos semi- acabados, como placas, painéis, e módulos, feitos para encaixe, sendo apenas montados na obra. Isso facilita e acelera a construção.
Estamos investindo nisso e vemos que a indústria brasileira caminha nesse sentido, de profissionalizar e industrializar mais a construção civil.
Outra frente é agregar funções à telha. Então desenvolvemos uma maneira de ela captar energia solar, sem a necessidade de instalar um painel por cima.
Como funciona essa telha?
Quando começamos a desenvolver a ideia, em 2019, nos perguntamos por que nenhuma outra empresa estava fazendo isso. Todas diziam que não era possível porque o telhado chega a temperaturas muito altas, o que atrapalha a geração de energia solar, por conta de uma mudança na polarização dos elétrons.
Mas não desistimos e pesquisamos até desenvolver uma solução, que chamamos de “dopagem”. Registramos a patente e buscamos expandi-la para outros 20 países de modo a garantir a propriedade intelectual e, potencialmente, licenciar essa tecnologia para outros fabricantes.
Trata-se de uma modificação química da célula fotovoltaica – para que ela consiga trabalhar sob temperaturas mais elevadas. E, então, colamos essa placa nas nossas telhas. Isso elimina as duas camadas de vidro e a estrutura de alumínio das placas solares, gerando a mesma quantidade de energia.
Você não precisa instalar uma estrutura de suporte, não precisa furar nada, parafusar nada, é muito mais simples. Se você já tem um telhado, basta substituir uma telha pela nossa fotovoltaica.
Elas já estão sendo comercializadas?
Sim. Hoje, temos dois modelos no mercado. A primeira a ser lançada foi a Tégula Solar, de concreto, com 36,5 cm por 47,5 cm. Ela alcança uma potência de 9,16 watts, o que representa uma capacidade média mensal de produção de 1,15 kWh, com vida útil estimada em 20 anos [nota da redação: essa potência suporta aproximadamente o consumo mensal de uma lâmpada de led ligada quatro horas por dia].
A outra é a Eternit Solar, de fibrocimento. Ela tem 2,44 metros por 1,10 metro e é parcialmente ondulada, com o topo das ondulações plano, onde células solares são integradas. Por ser maior que a Tégula, ela chega a 142,2 Wp (Watts-pico). Com essa potência, 4 a 6 telhas já podem atender às necessidades de uma casa pequena.
E como seriam os produtos para a construção a seco?
São basicamente placas e painéis de fibrocimento que funcionam como as paredes de drywall, facilmente encaixáveis, para você montar em casa. A vantagem é que o cimento aguenta umidade.
As construtoras estão se transformando em montadoras. Estamos desenvolvendo produtos nessa linha e também já pensando em alternativas combinadas. Eu posso fazer paredes fotovoltaicas. Fachadas inteiras de prédio com capacidade de gerar energia solar.
A telha ainda vai ser a nossa principal mercadoria por um bom tempo. Mas a ideia é que outras frentes cresçam para não sermos uma companhia monoproduto. Pode ser que amanhã aconteça uma ruptura tecnológica e eu estou morto se depender de um artigo apenas.