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Agromoney: como investir no agronegócio

O agro responde por 27% do PIB, mas a presença do setor na bolsa ainda é tímida. Esse cenário está mudando, porém. Em 2021, surgiram os Fiagros, voltados para o público dos FIIs, e várias empresas do ramo fizeram seus IPOs. Entenda o que esperar.

Por Tássia Kastner | Fotos: Sergio Ranalli | Design: Juliana Krauss | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 11 jun 2022, 17h59 - Publicado em 10 jun 2022, 13h10

No começo, é tudo mato. Para fazer um hectare virar uma lavoura, um produtor agrícola precisa descolar os fertilizantes, as sementes, os agrotóxicos que controlam as pragas. O problema é o mesmo de quem queria começar um comércio ou qualquer outro tipo de negócio na cidade: falta o dinheiro para comprar insumos. 

E não é tão simples encontrar quem tope dar crédito, porque o agro é a definição perfeita de risco. A produção fica a céu aberto, esperando a quantidade certa de sol e chuva para vingar. Nesse período, está sujeita a secas, granizo, inundações, pragas mais resistentes. Não faltam imponderáveis nem há muito como se proteger. Trata-se de um cenário tão difícil de prever que nem seguro rural é algo disseminado (ao menos não no Brasil). E se a safra quebrar, por qualquer motivo que seja, a única garantia que o credor tem de receber o dinheiro de volta é tomar para si um lote de terras nos confins do Brasil – tipo de ativo duro de vender. 

Para contornar a falta de crédito, o agro inventou uma espécie de escambo a prazo, uma operação chamada de barter (justamente escambo em inglês). O produtor compra o que precisa para plantar suas lavouras e o pagamento é feito meses depois, quando aquele combo de sementes e químicos já se transformou em espigas de milho, vagens de soja ou grãos de café. E é justamente uma parte dessa colheita, e não o dinheiro, que vai para o vendedor dos insumos. 

Na escola, a gente aprendeu que as trocas existiam antes da invenção do dinheiro, a ferramenta que evita que você precise pagar pelo cafezinho lavando a louça do barista. O fato é que no agro o escambo continua acontecendo, em parte porque o crédito pode ser tão raro e escasso como nos primórdios da civilização. 

O agronegócio responde por 27% do PIB brasileiro, mas só agora que a Faria Lima chegou na porteira do agro. Não é força de expressão. O Ibovespa existe desde 1968; 54 anos depois, agora em maio de 2022, a B3 lançou o primeiro índice de ações de empresas ligadas ao setor, o IAGRO. 

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São 32 empresas, incluindo frigorífico, papeleiras, indústria de açúcar e etanol, e ainda negócios ligados à logística. Só que o índice inclui empresas que você dificilmente chamaria de agro, ainda que existam pontos de contato. Estão lá supermercados (Carrefour, Pão de Açúcar, Assaí e Grupo Mateus, porque vendem comida) e ainda Arezzo e Ambev – afinal, alguns sapatos são de couro e a cerveja é de milho cevada, não? 

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O IAGRO serviu de base para o primeiro ETF setorial ligado ao agro, o AGRI11, do Banco do Brasil. Ele permite investir em agro forma simples, pagando uma taxa de 0,35% ao ano.

O súbito interesse do pequeno investidor pelo agro tem motivo: a disparada dos preços das commodities. A soja, o carro-chefe do Brasil, está na sua maior cotação histórica em reais – cada saca sai ao redor de R$ 200. Em dólares, é o maior preço desde 2012, na faixa dos US$ 40. A lógica se repete nos preços do milho, do boi, do café… 

Segundo a FAO (o braço da ONU para comida e agricultura), os preços dos alimentos bateram a máxima histórica em março deste ano, isso depois de acumularem uma alta de 21% em 12 meses. Desde então, estabilizaram-se nesse pico. O índice acompanha preços de commodities no mundo todo, e inclui cereais, óleos vegetais, laticínios, carnes e açúcar.

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A guerra da Rússia contra a Ucrânia foi só a gota d’água em uma soma de fatores que já vinha acelerando a alta de preço. De lá saía boa parte da oferta mundial de trigo – e o produto parou de escoar. A Índia, que poderia ajudar a abastecer o mercado, interrompeu as exportações porque uma onda de calor sem precedentes levou à quebra de safras. O governo local quer evitar que exportações desabasteçam o mercado interno. 

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No Brasil, a seca no Sul causou quebra de produção, um fenômeno replicado também em partes da Argentina e Paraguai, afetando uma parte da safra de soja, principalmente. 

E houve ainda a disparada nos preços dos fertilizantes, que vêm principalmente da Rússia. Sem o insumo, a produtividade das lavouras tende a cair, mantendo a produção agrícola aquém do necessário.

Existe uma questão humanitária, que faz com que o Banco Mundial e outros órgãos multilaterais tentem entrar na jogada para aumentar a produção. Mas também há o interesse de produtores e investidores em surfar na alta de preços. É como se o agro fosse a nova big tech do momento, e investidores começam a procurar oportunidades. Isso permite a chegada de novas empresas à bolsa e mais investimentos no setor. É isso que vamos ver agora.

Estreantes na bolsa

A rodada de IPOs de 2021 trouxe um marco importante para o agro. Uma leva de empresas do setor de insumos chegou à bolsa – gente que faz e vende sementes, defensivos e fertilizantes. Trata-se de um setor crucial para o agronegócio, só que sub-representado na bolsa. Estrearam no ano passado a Boa Safra (sementes de soja); a AgroGalaxy e a 3Tentos (revenda de insumos, processamento de grãos e exportação); mais a Vittia (misturadora de fertilizantes). Desse segmento, até então, havia apenas a Heringer, que fez seu IPO em 2007 e atravessou dificuldades financeiras em meados da década passada.

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A AgroGalaxy é um exemplo de como o mercado financeiro começa a se aventurar pelo agro. Em 2016, um fundo de venture capital (do mesmo tipo que investe em startups) começou a comprar pequenas empresas de vendas de insumos. Era o Aqua Capital. A ideia ali foi consolidar o mercado e criar uma empresa maior, capaz de ter escala – a AgroGalaxy. O fenômeno tinha acontecido antes com o setor de farmácias e também com o de pet shops, por exemplo, mas no agronegócio ainda é raro.

No primeiro trimestre de 2022, a AgroGalaxy faturou R$ 3,14 bilhões, salto de 160% na comparação com o mesmo período de 2021. Em mais uma característica copiada do mundo tech, a empresa registrou prejuízo de R$ 59 milhões entre janeiro e março deste ano, um rombo 94% maior que o do ano anterior – vindo do processo de aquisições de novos negócios. Ou seja, ela continua em crescimento. 

Para o BTG, a Agrogalaxy combina as características de uma empresa de crescimento (como uma tech) com uma exposição menor aos ciclos do agro, já que o negócio dela não é plantar, mas vender insumos. Além disso, a empresa pode surfar com a alta nos preços dos fertilizantes, mais um reflexo da guerra russa. O banco recomenda a compra do papel, com preço-alvo de R$ 19, alta de 83% na comparação com o fim de maio. 

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A 3Tentos tem origem diametralmente oposta à Agrogalaxy. A empresa foi fundada em 1954, como um negócio familiar no interior do Rio Grande do Sul. Das quatro novatas, tem o maior valor de mercado: R$ 4,54 bilhões (ante a faixa de R$ 1 bi das demais). Em essência, porém, 3Tentos e Agrogalaxy atuam de maneira semelhante: distribuem insumos, parte no esquema de barter. Funcionam indiretamente como bancos dos agricultores e recebem parte da produção. Se quiserem crescer, elas mesmas precisam de mais dinheiro para lidar com os prazos entre as safras – daí a importância de recorrer ao mercado de capitais.

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O que significa que elas atuam em mais de um elo da cadeia de produção – e não só como uma Magazine Luiza de sementes e agrotóxicos. A parte extra pode vir de outras fontes. Secar os grãos para que possam ser estocados e exportados sem que apodreçam. Ou, no caso da soja, a 3Tentos esmaga o produto para transformá-lo em farelo, óleo e biodiesel. Isso coloca a empresa em uma posição de vantagem: ela ganha dinheiro com uma etapa industrial, que permite algum ganho de margem em relação a insumos e commodities.

O Bank of America recomenda a compra do papel, e diz que deve subir dos R$ 9,15, a cotação no fim de maio, para R$ 18 (+97%). No IPO, a 3Tentos foi vendida a R$ 12,25.

O agro agora é pop para valer, então? Nem tanto. Esses IPOs foram feitos de maneira simplificada, focada em atrair dinheiro de grandes investidores. O processo custa menos, mas a contrapartida é que as ações dessas empresas são exclusivas para investidores qualificados (mais de R$ 1 milhão em patrimônio financeiro) ou profissionais (mais de R$ 10 milhões). Esse embargo é um jeito que a CVM (a Comissão de Valores Mobiliários) encontrou de proteger o pequeno investidor de uma escassez de informações sobre a companhia, já que a empresa abdicou de fazer o processo completo de abertura de capital.

Os papéis passam a ser negociados livremente após 18 meses do IPO, o que acontecerá em dezembro deste ano. Até lá, o jeito para quem não tem R$ 1 milhão é ir via ETF mesmo – só que a Agrogalaxy não entrou no IAGRO. Já a 3Tentos fez um follow-on (uma nova oferta de ações) do jeito tradicional, um jeito de derrubar a restrição e abrir antes a ação para o mercado em geral.

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Da leva de empresas de insumos, apenas a Boa Safra fez a abertura de capital completa e não tem restrições para pequenos investidores. A empresa é especializada em produzir sementes de soja. 

Para plantar uma lavoura de forma eficiente, não basta pegar uns grãos que sobraram da colheita passada e jogar na terra. As sementes são manipuladas para garantir que vão germinar. Esse é o trabalho da Boa Safra. Só tem uma coisa: quando a gente pensa em soja, pensa em Monsanto (marca comprada pela alemã Bayer). Essa é a empresa que disseminou a tecnologia dos transgênicos – e de quem produtores e a própria Boa Safra serão sempre dependentes. 

Quando um produtor semeia uma lavoura com a tecnologia das multinacionais, ele paga royalties (além da Monsanto, existem sementes geneticamente modificadas de empresas como Basf e Syngenta, por exemplo). 

Se a tecnologia mudar, isso pode elevar as despesas da Boa Safra e reduzir as margens, segundo analistas do Itaú BBA. Ainda assim, eles consideram a empresa promissora e recomendam a compra do papel, que poderia subir a R$ 19 (+42%). A XP tem preço-alvo de R$ 17,90.

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Plantio

Ok, mas se o objetivo é surfar diretamente a onda da disparada dos preços dos alimentos, aí o foco precisa ser a produção de grãos. Mais especificamente, de soja.

Dos 73 milhões de hectares dedicados à produção de grãos no país, 40 milhões são plantados com soja, segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento, ligada ao Ministério da Agricultura). O milho fica em segundo lugar com 21 milhões de hectares. O trigo, o símbolo máximo da escassez de alimentos desde o início da guerra na Ucrânia, ocupa 2,8 milhões de hectares, área semelhante à dedicada ao feijão. Algodão e arroz preenchem 1,6 milhão de hectares cada. A cana-de-açúcar, 8 milhões de hectares.

É a soja que manda no jogo. Só que as opções para tentar lucrar com a produção da oleaginosa são restritas. Existem duas empresas “fazendeiras” na bolsa: a BrasilAgro e a SLC Agrícola.

Controlada pelo grupo argentino Cresud, a BrasilAgro fez seu IPO em 2006 sem ter uma empresa de fato funcionando. O plano era usar a grana para começar a comprar terras potencialmente agricultáveis, mas que estavam com baixa produtividade – ou ainda não eram usadas pelo agronegócio.

Aí eles limpavam a terra, colocavam fertilizantes e deixavam o solo preparado para a cultura mais adequada à região. Com isso, começavam os plantios. Só tem um detalhe: quando uma terra é “nova”, a produtividade é baixa. E no momento em que a área estava “madura”, a BrasilAgro vendia a propriedade. A lógica é a mesma de quem compra um apartamento na planta para vender assim que ele for entregue pela construtora, de olho no ganho de capital.

Esse modelo de negócio tinha um problema: a companhia não conseguia gerar caixa de maneira constante. Era possível a empresa passar anos a fio sem vender terras – e gerando caixa apenas com as colheitas pífias, de áreas ainda jovens. São pelo menos cinco anos para que uma lavoura atinja seu auge.

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Houve uma mudança de direção nos últimos anos: a empresa passou a se preocupar com a constância na geração de receitas. 

Mas há um limite para isso. Grosso modo, a soja é plantada a partir de setembro e a colheita começa em fevereiro. O milho também pode ser produzido no verão, mas produtores há anos semeiam o produto após a retirada da soja, num esquema de rotação de culturas. A colheita atinge o auge em julho. As lavouras de algodão e trigo são colhidas entre setembro e outubro. A cana-de-açúcar, entre abril e setembro. Não é possível cobrir absolutamente todos os meses do ano. A BrasilAgro produz soja, milho, algodão, feijão, cana, pasto e florestas (eucalipto para papeleiras), e tem áreas não só no Brasil, mas também no Paraguai e na Bolívia.

Para o Credit Suisse, a BrasilAgro é a empresa mais bem posicionada para ganhar dinheiro com valorização das terras. De quebra, conseguiu provar que é capaz de manter a rentabilidade da produção. A ação da empresa está próxima das máximas históricas, a R$ 31, e o banco estima uma valorização para R$ 50 (+60%).

A SLC Agrícola chegou à bolsa um ano depois da BrasilAgro. Conseguiu um feito importante em maio deste ano, quando passou a fazer parte do Ibovespa, o clube das empresas mais negociadas da bolsa. 

O modelo de negócio da SLC era mesmo plantar e colher – ainda que desenvolver terras também estivesse no pacote. A companhia também fez aquisições. A mais recente foi a da Terra Santa, uma empresa que estava na bolsa havia mais de década. Hoje ela tem valor de mercado de R$ 11 bilhões, e lucrou R$ 797 milhões no primeiro trimestre. Foi um crescimento tipo tech, com alta de 153% em 12 meses.

O Bank of America tem recomendação de compra para o papel, acreditando que ele deverá bater em R$ 63, ante os atuais R$ 55,51 (+13%). O Credit Suisse vai na mesma linha, trabalhando com um preço-alvo de R$ 63,64.

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Na máxima, mas ainda baratas

Um dos problemas de olhar para o agro agora é que, daqui do presente, todas as empresas do setor parecem lavouras produtivas. O dilema é prever o que vem daqui para frente. Um dos pontos de atenção dos analistas é justamente quanto de fertilizantes e insumos as empresas já conseguiram garantir para a safra de 2022/23, que oficialmente começa em 1º de julho (mas tenha em mente que o que vale mesmo é setembro, quando produtores iniciam o plantio de soja).

Os dois últimos anos foram favoráveis às empresas do agro porque os preços das commodities subiram mais rápido que as despesas com insumos. Agora essa balança começa a se inverter. O Imea (Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária), ligado aos produtores de Mato Grosso, estima que os custos de produção de soja subiram 60% entre uma safra e outra. 

Um dos principais responsáveis é o preço do fertilizante. O Bank of America diz que os preços chegaram a quadruplicar do começo do ano para cá, por conta da guerra – uma disparada tão brutal que torna a compra inviável para uma parte dos produtores. O banco estima que 5% a 11% dos produtores podem deixar de fertilizar suas lavouras.

Com a alta do preço dos insumos, existem dois jeitos de manter a lucratividade: ou a produtividade da área plantada se multiplica, ou o preço dos grãos sobe ainda mais. Para aumentar a produtividade, é preciso investir justamente em fertilizantes. Já o preço do produto lá na frente depende do mercado internacional.

E há um risco adicional: o dólar. Conforme as exportações brasileiras aumentam, já que há mais demanda internacional pela nossa produção, a tendência é que mais dólares entrem no país, fazendo a cotação baixar. O resultado é que, nesse cenário, a receita das empresas em reais pode cair mesmo que a companhia faça absolutamente tudo certo para surfar o bom momento das commodities no mercado internacional.

Como se proteger disso? Bem, leve em consideração alguns fatores. Primeiro: as ações de SLC e BrasilAgro estão nas máximas históricas, mas isso não significa que os papéis estejam necessariamente caros.

Quem diz isso é o P/L, o indicador que divide o valor de todas as ações pelo lucro da empresa nos últimos 12 meses. O P/L da SLC é de 10. Ou seja, o valor de mercado equivale a 10 anos do lucro que a empresa registra hoje. O da BrasilAgro, 5. O P/L médio do Ibovespa está em 6,08, e a média histórica é de 13. Por essa régua, não dá para chamar a maior parte das nossas empresas agro de caras (veja mais nos boxes desta reportagem).

Na dúvida, existe outro jeito de minimizar riscos de investir em empresas ligadas a commodities: a sofisticação.

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Frigoríficos

Até aqui a gente falou quase que exclusivamente do agro raiz: aquele que envolve plantar, colher e vender. Quem tem brilhado na bolsa ao longo de anos, porém, é a agroindústria, e dá para dividi-la em três setores: carnes, cana e papeleiras. 

Essas empresas têm em comum uma dependência da matéria-prima do campo, mas o que manda no jogo é o que elas fazem com o produto depois. Consolidadas, são elas que têm mais peso no índice IAGRO, o índice recém-criado pela B3 do qual falamos mais cedo.

Quem lidera o índice é a JBS, a gigante das carnes, com 7,44% de participação. A companhia depende integralmente do campo, ou seja, da produção de bois, porcos e frangos. E, por consequência, das safras de milho, soja, caroço de algodão e pastagem, o combo que responde pela alimentação dos bichos.

Ainda assim, não é ela quem cuida da criação dos animais, então pode driblar por algum tempo a alta dos produtos agrícolas. No caso dos bois, a JBS simplesmente compra dos pecuaristas os animais que serão abatidos. Quando a oferta é elevada, consegue pagar menos. Nessa dinâmica, a JBS mais que dobrou o lucro no primeiro trimestre de 2022, quando comparado com 2021. O resultado positivo é resultado de uma sobreoferta de bois nos Estados Unidos. A JBS tira mais de 70% do seu faturamento no exterior, assim como a Marfrig. A dupla está entre as quatro maiores empresas do setor nos EUA, junto às americanas Cargill e Tyson Foods.

A JBS é a ação de frigorífico mais recomendada pelo mercado hoje. Para o Itaú, o preço-alvo é de R$ 54, 54% acima dos atuais R$ 35. Não só isso. O P/L indica que a companhia está quase de graça: 3,59. 

O cenário é parecido para a Marfrig. As ações estavam a R$ 14,57 no fim de maio e tinham potencial de subir a R$ 26, segundo o Credit Suisse. E o P/L estava ainda mais baixo: esquálidos 2,36. 

Ainda assim, analistas são mais cautelosos em relação à Marfrig. Um dos motivos é a decisão de Marcos Molina, o controlador da empresa, de assumir uma participação relevante na BRF (33%). Especializada na produção de carne de aves e suínos, a dona da Sadia e Perdigão dá prejuízo desde 2016 – e 2022 se mostra igualmente desencorajador a investidores.

Ao contrário das grandes produtoras de carnes bovinas (caso da JBS e da Marfrig), a BRF sofre em duas frentes. Primeiro, frangos e porcos dependem mais de ração que o gado. Quando soja e milho se valorizam, o custo de produção aumenta na hora. Para piorar, a inflação de 12% ao ano atinge com mais força a parcela mais pobre da população. A carne sai do prato dessas pessoas, que consumiam mais galinhas e suínos do que as classes abastadas.

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Geração de caixa 

Olhando do ponto de vista de investimentos, o cenário ficou mais desafiador para as empresas em geral. Com a alta de juros nos Estados Unidos e um risco de recessão global virando a esquina, a tendência dentro ou fora do setor agro é buscar por companhias que gerem bastante caixa e sejam capazes de resistir ao período de crédito mais caro.

No fim de maio, o BTG elaborou uma lista de ações que atenderiam a essas demandas. Dos 12 papéis recomendados, cinco são diretamente ligados ao agro – JBS, 3Tentos, SLC Agrícola, a papeleira Suzano e a Jalles Machado.

A Jalles, diga-se, também é uma das novatas da bolsa, mas do setor de açúcar e etanol. Ela planta e colhe cana, e da moagem produz açúcar e etanol. O Bank of America, porém, pensa diferente do BTG. Para ele, os concorrentes Grupo São Martinho e Adecoagro (listada em Nova York e com produção também em Uruguai e Argentina) tendem a se sair melhor. 

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Porteira fechada

O fato é que, se houve um interesse maior pelas empresas agro nos últimos anos, isso também teve a ver com o aumento de gente disposta a investir em ações. Agora, com a Selic de volta à faixa dos 13% ao ano, a competição com a renda fixa fica mais complicada – para todos os setores.

Mas a Faria Lima deu seu jeito para tentar garantir que o dinheiro continue irrigando as lavouras. Em outubro do ano passado, o mercado financeiro lançou o Fiagro, uma nova categoria de fundo negociado em bolsa. O nome completo é Fundo de Investimento em Cadeias Agroindustriais. 

A semelhança do nome com o dos Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) não é por acaso. Eles mimetizam várias características do primo mais velho.

Por enquanto, gestores de Fiagros estão colocando títulos de dívida ligados ao agronegócio nesses fundos, então a lógica é parecida com a dos FIIs de papel. Entram títulos de dívidas de produtores que tomaram crédito para financiar a produção. A segunda é que o mandato de alguns dos fundos prevê a distribuição de dividendos mensais, exatamente como ocorre hoje com os FIIs.

Os fundos do tipo Fiagro aproveitam todo o conhecimento que o pequeno investidor já adquiriu sobre fundos imobiliários. Logo, têm captado esse público. De outubro a maio foram lançados 16 fundos parecidos, que atraíram 51,6 mil investidores – 97% deles pessoa física.

Só tem uma questão. O agricultor não colhe soja, milho e cana o ano inteiro. Uma lavoura não é um galpão alugado, afinal, que produz rendimento a cada 30 dias, conforme o inquilino paga. Como faz para pagar rendimento todo mês, então?

“Ginástica para o gestor. A gente não tem como brigar com o mercado”, diz Tadeu Barreto, gestor de Agronegócios da Itaú Asset e responsável pelo RURA11, o maior Fiagro até aqui.

O jeito é ter uma carteira de títulos diversificada em setores, regiões do país e em elos da cadeia para que o fundo produza yield em épocas diferentes, explica ele.

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Na caixa das diferenças entre FIIs e Fiagros, dá para citar outras duas. O Fiagro não tem um compromisso de transformar lucro em dividendo, como acontece nos FIIs. O gestor pode reter o ganho para reinvestir. A outra é uma cilada. É que os Fiagros “prometem” uma rentabilidade, algo que não havia nos FIIs. Como investem em títulos de renda fixa, passaram a oferecer uma rentabilidade-alvo. O RURA11, por exemplo, tem a meta de entregar retorno líquido de CDI + 3,0% a 3,5% ao ano, em longo prazo.

Claro, não se trata de uma promessa de fato, mas de uma meta – assim como um gestor de fundo de ações diz que pretende bater o Ibovespa. Só que no mundo da renda fixa, a meta se parece mais com uma promessa. Cuidado para não confundir os dois conceitos na hora de escolher entre FIIs e Fiagros. 

No balanço geral, o que o Fiagro faz é abrir uma porta a mais para o mercado. Até aqui, o investidor pessoa física conseguia “financiar” o agronegócio de duas maneiras. Investindo em LCAs de bancos (aqueles títulos que via de regra pagam menos de 100% do CDI, mas são isentos de IR) ou em CRAs, um título que funciona como um pacote de dívidas agrícolas, com rendimento mais polpudo – a depender do risco de quem pediu dinheiro emprestado.

Os Fiagros oferecem um mix dos dois, e também podem investir em vendas de terras e lucrar com a negociação direta de produtos agrícolas. Você passa a ter mais opções para fazer o dinheiro render, e o agro ganha mais crédito para financiar sua expansão. É dela, no fim das contas, que o mundo depende se quiser garantir que os 7,8 bilhões de habitantes deste planeta tenham o que comer – e consigam pagar por isso.  

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