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A ruína dos fundos imobiliários – e como reerguer a sua carteira

Os FIIs viraram um mico com alta da Selic. Mas a queda traz oportunidades para quem busca um rendimento polpudo para os próximos anos. Entenda.

Por Tássia Kastner | Ilustração: Gustavo Pedrosa | Design: Tiago Araujo | Edição: Alexandre Versignassi
11 fev 2022, 07h47

Os fundos imobiliários pareciam um bote salva-vidas nos idos de 2020, quando o navio da renda fixa tinha afundado. Com a taxa de juros em 2% ao ano, R$ 100 mil investidos em um Tesouro Selic da vida rendiam coisa de R$ 170 por mês. Dobrar o capital levaria 35 anos. O jeito era buscar algo relativamente seguro que rendesse um pouco mais, e os FIIs (Fundos de Investimento Imobiliário) entraram no leque de opções. Esses fundos, afinal, distribuem dividendos mensais para emular a dinâmica do mercado tradicional do aluguel de imóveis – uma fração do que um inquilino paga de aluguel por um galpão vai para você. 

Essa grana pingando na conta mensalmente faz o cérebro do investidor colocar os FIIs na caixinha de renda fixa, ainda que eles sejam investimentos de renda variável, como ações. Isso atraiu uma miríade de gente com perfil de risco mais conservador para um investimento de perfil mais agressivo. Em 2017, quando a Selic ainda estava acima de 10% ao ano, 100 mil pessoas tinham esses fundos na carteira. Ao fim do ano passado, o número havia chegado a 1,5 milhão.

Quem entrou ganhou em média 8,73% no último ano. R$ 100 mil seriam capazes de gerar R$ 700 por mês e dobrar o dinheiro investido em nove anos. Parecia um excelente negócio numa realidade com a Selic em 2%. 

Mas aquela taxa de juros baixíssima durou muito menos que o esperado. Seis meses, para sermos precisos. A inflação brasileira começou a subir de tal maneira que o Banco Central apertou o modo turbo na alta de juros, a ferramenta que ele tem de conter a disparada de preços. Se a Selic levou quatro anos, de 2017 a 2020, para descer dos dois dígitos e chegar à mínima de 2%, o caminho inverso foi bem mais curto. Bastou um aninho para os juros voltarem à casa dos 10% – 10,75%. 

Subitamente, 8% ao ano já não era mais um investimento atrativo, e boa parte de quem tinha migrado para os FIIs fez o caminho de volta à renda fixa. 

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“Algumas pessoas tomaram uma posição maior do que deveriam no seu portfólio de fundos imobiliários, e agora estão saindo com tudo”, afirma Ricardo Figueiredo, da casa de análise Spiti.

A fuga em massa criou um colapso no valor dos ativos. Do fim de 2019 para cá, a queda acumulada do Ifix, o Ibovespa dos fundos imobiliários, está em 13%. E o estrago real é ainda maior. É que existem dois tipos de fundos imobiliários. Os de papel, que investem em títulos de dívidas do setor (caso das LCIs e dos CRIs), e os de tijolo, que compram imóveis de verdade.

Os fundos de papel subiram, pois são ajudados justamente pela Selic (vamos falar disso mais adiante). Hoje eles respondem por metade do Ifix, o que de alguma maneira mascarou o tombo na outra metade do mercado.

Segundo a Teva Indices, a queda no segmento de lajes corporativas (os escritórios) foi de 30%. Os shoppings perderam 25%. Até os galpões logísticos recuaram, isso apesar da disputa acirrada de e-commerces por cada vez mais espaço para seus estoques. 

 

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Esse é o componente de renda variável dos FIIs, aquele que os investidores tendem a ignorar quando pensam apenas nos aluguéis. Se alguém tivesse investido R$ 100 mil em fundos de shopping no fim de 2019 e, por algum motivo, decidisse vender ao fim de 2021, teria amargado um prejuízo de R$ 30 mil. 

Olhando assim, parece que investir em imóveis subitamente se tornou um péssimo negócio. Não se engane, é coisa de curto prazo. Até Warren Buffett, o mais famoso investidor do mundo e conhecido por priorizar ações, investe em imóveis. O que ele e outras cobras criadas não costumam fazer é cair em armadilhas. Vamos ver algumas aqui. 

Não olhe (tanto) para o dividendo

Se o grande chamariz dos fundos imobiliários é o dividendo mensal, natural que as pessoas busquem aqueles com os pagamentos mais polpudos. Mas essa característica pode ser uma arapuca. Para entender a mecânica da armadilha, vamos primeiro ver como o dividend yield é calculado.

Veja o meu caso. Todo mês eu pago R$ 1.500 de aluguel para a proprietária do apartamento onde moro. Para saber se ela faz um bom negócio, não adianta olhar para os R$ 1.500 (o dividendo). A chave está na rentabilidade do investimento. Para isso, ela precisa dividir o meu aluguel pelo valor que pagou na compra do apartamento. Vamos dizer que tenha custado R$ 200 mil há uns 10 anos. Isso dá um dividend yield de 9% ao ano. Not so bad.

Agora imagine o seguinte: ela quer ter mais um apartamento para alugar, para ganhar R$ 3.000 de renda extra. Só que hoje um semelhante sai por R$ 400 mil. Ela compra e coloca para alugar. Beleza. Com o mesmo aluguel de R$ 1.500 no segundo imóvel, a rentabilidade cai pela metade: 4,5% ao ano. Quando a Selic estava a 2% ao ano, até poderia fazer algum sentido. Agora que o juro subiu, não compensa. 

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No caso dos fundos imobiliários é a mesma coisa. O seu rendimento real depende de quanto você pagou para ter um pedaço do fundo. Se você compra uma cota com um rendimento de 10% ao ano, tem chances de manter esse ganho por anos a fio. Pouco importa o que vai acontecer com a economia brasileira, ou se a taxa Selic vai subir ou cair – e se ela cair você terá uma boa renda na mão.

A condição para garantir tal segurança é que os imóveis em que o fundo investe continuem ocupados por inquilinos ao longo dos anos. É por isso que o momento, apesar de parecer ruim, é uma boa oportunidade para o investidor. Quando o valor de mercado dos fundos cai, automaticamente o rendimento aumenta – os inquilinos, afinal, não têm o aluguel reduzido quando o valor do FII cai no mercado. Se uma cota custava R$ 120 e rendia R$ 10 por mês, o yield era de 8,3%. Quando ela cai para R$ 100, segue pagando os mesmos R$ 10. O rendimento, então, vai a 10%. 

Se no futuro o mercado se recuperar, e a cota voltar a valer R$ 120, quem entrar depois só vai garantir os 8,3%. Quem entrou agora fica com os 10% “travados” por anos, ou décadas, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. 

Essas janelas de oportunidade só se abrem porque o preço dos FIIs oscilam todo dia – o que não acontece com os imóveis lá na imobiliária. Basta lembrar que você compra um FII como se fosse uma ação. As empresas são divididas em ações; os fundos, em cotas, mas a lógica é a mesma: todos os dias, investidores usam a bolsa para comprar e vender nacos de fundos pelo preço que eles consideram justo. Isso depende da expectativa que eles têm com reajustes nos aluguéis – se acham que a região que abriga os imóveis vai valorizar ou não, por exemplo. E também está sujeito à variação da Selic. Se ela sobe demais, e não dá sinais de que vá cair tão cedo, o preço dos fundos vai lá para baixo. 

Depois que o valor das cotas começou a cair, por conta da alta dos juros, o dividend yield subiu. Isso cria oportunidades de compra hoje. Mas não significa que todo fundo com yield alto hoje tenha um futuro promissor. Explico.

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O SP Downtown (SPTW11) é um bom exemplo. Ele tinha dois imóveis na região central de São Paulo. 

Os dois prédios eram locados para a empresa de telemarketing Atento. Beleza. Só que a Atento quis entregar um dos prédios, e a gestora do fundo decidiu, então, vender a unidade em vez de simplesmente procurar um novo locatário. Em um ano, o valor de mercado caiu 46%. Já o dividend yield foi de 16,76%, o segundo maior entre os fundos do Ifix nos últimos 12 meses. 

O problema é que essa rentabilidade não vai mais se repetir. Ela só foi tão alta porque o fundo distribuiu aos cotistas o dinheiro recebido pela venda do prédio – não há a previsão de aquisição de outro imóvel. Formou-se uma arapuca para desavisados. Quem comprasse o fundo olhando só o yield passado terminaria com um mico na mão. Existe um segundo jeito de evitar ciladas na hora escolher um FII. Vamos a ele.

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FIIs que investem em dívidas imobiliárias, os chamados de fundos de papel, escaparam do colapso. Mas estão caros. (Gustavo Pedrosa/VOCÊ S/A)

Não pague caro 

Sim, não pague caro. Mas também não compre só porque está barato. Uma métrica bastante comum nos FIIs é a comparação do valor de mercado dele, o preço somado de todas as cotas a cada dia, com o valor patrimonial, que é a soma do preço de todos os imóveis do fundo caso eles fossem vendidos hoje. A ideia é a seguinte: ações sobem e descem de maneira frenética porque companhias têm perspectiva maior de crescimento. Isso acontece porque elas usam o lucro para reinvestir no negócio. Se tudo der certo, elas lucram ainda mais.

Os FIIs não fazem isso. É que, por lei, eles são obrigados a distribuir pelo menos 95% do lucro na forma de dividendos – a lei diz que precisa ser de seis em seis meses, mas virou mensal para fisgar mais investidores. Beleza. Acontece que, por causa disso, os fundos não têm muito para onde crescer. O valor patrimonial só muda se a região onde ele está fica mais cobiçada – ou cai se há menos gente interessada em se mudar para lá.

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Mas, ei: como é que dá para saber se um fundo está caro? É quando a divisão do valor de mercado (P) pelo valor patrimonial (VP) dá mais do que 1. Já com um P/VP abaixo de 1 ele está teoricamente barato. 

Mas isso também é um exercício para se fazer com cuidado. O fundo mais barato do Ifix atualmente é o XP Macaé, negociado a um P/VP de 0,35. Poderia ser uma bela oportunidade, não fosse um detalhe: não há a menor previsão de quando o imóvel voltará a ter inquilinos. Por isso que está barato. 

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Esse fundo é dono de um único imóvel na cidade de Macaé, no Rio de Janeiro. Ele era alugado pela Petrobras, que decidiu deixar o local, e as cotas despencaram lá na B3. Lógico: os investidores do fundo se viram sob o risco de passar meses (ou anos) sem receber um único centavo de aluguel, até que o imóvel volte a ser alugado. Como a procura por imóveis em Macaé é relativamente baixa, essa possibilidade pode não se concretizar tão cedo. 

Dos 114 fundos do Ifix, só 32 têm o indicador P/VP acima de 1 e podem ser considerados caros. É o mesmo número de fundos com dividend yield acima de 10% (o patamar atual da Selic). Em 21 casos, estamos falando dos mesmos fundos – contrariando a lógica de que só os baratos podem oferecer yield alto.

E por isso mesmo eles parecem uma boa pedida num primeiro momento: não estão a perigo (têm inquilinos) e pagam bem. Travar mais de 10% hoje é uma boa pedida para quem aposta em uma queda forte da Selic nos próximos anos. Mas, como sempre, é preciso cuidado. Nesse grupo está o Iridium (IRDM11). Lá no começo de 2021, ele caiu nas graças dos investidores porque estava com rendimentos de mais de 10%. Resultado: ele é o sétimo fundo com mais cotistas em todo o mercado. 

Tanta gente se jogou de cabeça ali que o indicador P/VP subiu para 1,5. Era insustentável. Em 12 meses, ele acumula baixa de 40% – e agora está só um pouco acima do que seria o preço justo, o 1. Isso significa que quem colocou R$ 100 mil nesse fundo há um ano e precisou vender agora sacou só R$ 60 mil. Uma perda de capital considerável para um tipo de ativo que vendem por aí como se fosse renda fixa. 

Ou seja: mesmo que o yield seja bom, você precisa de atenção redobrada com fundos que estão caros. Eles podem destruir seu capital se você tiver de tirar o dinheiro no curto prazo. 

Seja como for, o fato é que 82 dos 114 fundos do Ifix estão baratos pelo P/VP, e se estão baratos podem oferecer bons ganhos de capital no futuro. Mas como escolher? Vamos começar pelo setor de escritórios.

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As cotações dos fundos que investem em shoppings derreteram com a redução do movimento nos corredores – e menor receita com aluguéis. (Gustavo Pedrosa/VOCÊ S/A)

Home office forever?

Lá por junho de 2020, auge da primeira onda da pandemia, a XP anunciou que seus funcionários teriam a opção de trabalhar de qualquer lugar, e o home office seria uma política permanente. Nisso, a corretora entregou alguns dos andares que ocupava no Corporate Tower, o complexo de duas torres de alto padrão em frente ao shopping JK Iguatemi, em São Paulo.

Se a própria XP, que vende fundos imobiliários, estava decretando o fim dos escritórios, natural que investidores pulassem fora desse barco. E a corretora não estava sozinha, claro. A taxa de vacância saltou para 25% em São Paulo, segundo Giancarlo Nicastro, CEO da SiiLA, uma multinacional de acompanhamento do mercado imobiliário. Em 2019, ela era de 19%. 

Mas Giancarlo nunca considerou que essa fosse uma decisão definitiva, e sim um jeito de as empresas reduzirem custos com aluguel em um momento de tanta incerteza. A batata quente, de qualquer forma, ficou com os fundos. Passados dois anos, a vacância continua alta, o que explica o desempenho pior que o mercado. Mas há exceções.

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10 entre 10 analistas do mercado sacam do bolso a carta “Faria Lima” para defender a recuperação no mercado de escritórios, ao menos os de alto padrão. 

No ano passado, o fundo XPPR11 comprou 40% do edifício Plaza Faria Lima, uma torre de design arrojado construída numa das pontas da avenida icônica de São Paulo, ao lado da estação homônima do metrô. O edifício será entregue com todas as salas locadas. 

Também em 2021, o fundo Bluemacaw (BLCA11) comprou seis andares no Pátio Victor Malzoni, conhecido como o “prédio do Google” na Faria Lima (66% da área que o fundo adquiriu está locada para a big tech). Na operação, ele pagou R$ 40 mil o metro quadrado – em 2013, custava R$ 18 mil. Uma amostra de que a região segue se valorizando.

Se o escritório morreu, então, não foi na Faria Lima. E você deveria procurar por fundos que têm imóveis lá, afirmam os analistas. 

Mas isso não garante por si só o bom desempenho do fundo. No passado, o lugar dos sonhos para uma empresa era a avenida Paulista. Ou então a região de Alphaville, em Barueri (SP), já que a cidade oferece isenção de impostos para atrair empresas. Hoje, o apelo ficou menor.

E o XPPR11 tem diversos andares em Alphaville – com a debandada das empresas depois que a região saiu de moda, está com 46% de vacância. O resultado é que, apesar de o fundo ser dono de um dos prédios com o maior potencial da Faria Lima, é negociado com 20% de desconto em relação ao seu valor patrimonial – e mesmo assim não gera um dividend yield alto, como a lógica determinaria. O rendimento anual está em apenas 7%. 

Como comparação, um fundo com portfólio igualmente diverso e vacância mais baixa é o ​​HGRE11. Ele tem imóveis na Faria Lima, e em outras áreas da cidade. E a vacância é de 27% (ainda elevada, mas longe de 46%). 

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FIIs que investem em dívidas imobiliárias, os chamados de fundos de papel, escaparam do colapso. Mas estão caros. (Gustavo Pedrosa/VOCÊ S/A)

Shoppings e galpões

A situação dos FIIs de shoppings não é muito distinta da dos fundos de escritórios. A dúvida, no fim, é se a mudança de comportamento dos últimos dois anos terá efeitos duradouros. Por exemplo: se as pessoas passaram a comprar mais nos sites de e-commerce, é justo imaginar que alguns shoppings fecharão as portas, ou passarão a cobrar aluguéis menores (o que quebra as pernas dos fundos). 

Para os defensores desses FIIs, isso não vai acontecer. A ideia geral é que os shoppings centers no Brasil são um passeio em si, entretenimento e não apenas consumo. “O shopping soube se adaptar ao ambiente hostil que é o Brasil. O modelo de negócio é life center, um lugar onde você vai e resolve a vida. Faz passaporte, vai ao médico, academia e eventualmente uma comprinha”, diz Ricardo, da Spiti.

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De qualquer maneira, se a ideia é investir em fundos de shoppings, a escolha deveria ser por aqueles que têm no portfólio empreendimentos voltados às classes mais altas. Isso porque o desemprego elevado e a inflação ceifaram a renda das camadas mais pobres da população, e deve limitar o potencial de recuperação dos centros de compras que atendem esse público.

A renda de aluguéis nos shoppings não é baseada exclusivamente em um valor fixo. Depende do volume de vendas das lojas. Se o consumo está deprimido, o aluguel fica menor. E a Covid continua a ser um fator de preocupação. O aumento de casos causado pela Ômicron fez a XP retirar os fundos do segmento de sua carteira de recomendações.

Quase que em oposição aos shoppings, os fundos de galpões logísticos dominam as recomendações, logo atrás dos fundos de papel.

E se você acredita que os e-commerces vão continuar crescendo, faz todo o sentido. A taxa de vacância dos galpões no país é mínima: 8,9%, diz Giancarlo, um percentual que equivale a zero no mundo da logística. Além disso, existem áreas do país, como o Centro-Oeste, que ainda não têm uma infraestrutura de galpões. A tendência é que haja uma expansão, e que esses imóveis se valorizem. 

No curto prazo, porém, a rentabilidade vai depender dos inquilinos, já que a mesma redução de renda que afasta consumidores dos shoppings pode afetar o comércio eletrônico. 

O segundo maior fundo de logística em número de cotistas é o XPLG11. Ele aparece em carteiras recomendadas justamente por ser negociado abaixo do VP e ter uma carteira de clientes diversificada – entre eles, Renner, Leroy Merlin e Via. Nos últimos 12 meses, ele caiu 19%. Dado esse desconto e qualidade dos inquilinos, ele está barato. 

O único fundo logístico caro (pelo indicador P/VP) atualmente é o ​​HGLG11 – mesmo assim, a boa reputação do fundo faz com que ele frequente a lista de recomendações. Em resumo, o que as corretoras dizem é o seguinte: há menos chances de errar quando a aposta é nos fundos de galpões de logística.

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Mortos e feridos

Vamos voltar aqui aos fundos de papel, os grandes sobreviventes entre os escombros dos FIIs. Como dissemos lá no início, eles investem basicamente em renda fixa. As LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), emitidas por bancos, normalmente acompanham a Selic. Os CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) costumam render uma taxa de juros fixa mais a variação da inflação, como o Tesouro IPCA+. 

Nos dois cenários, esses investimentos saíram ganhando. A LCI se dá bem quando os juros começam a subir, enquanto o segundo tipo vai sempre acompanhar a alta da inflação. Isso faz com que eles sejam considerados mais conservadores do que os fundos tradicionais, que compram imóveis e sofrem com a busca por inquilinos e contratos.

Metade da carteira de FIIs recomendada pelo BTG Pactual é de fundos de papel. O mesmo acontece na XP. É jogar fácil – e tá valendo, já que o foco primordial de qualquer investimento imobiliário é ganhar dinheiro com menos risco. 

Mas isso não significa que a vida dos fundos de papel será tão fácil daqui para frente. Primeiro: depois da disparada dos juros, a tendência é que eles subam menos a partir de agora. Economistas estimam que o pico da Selic seja de 11,75% – o que deve dar mais 1 ponto percentual apenas em relação ao patamar atual. E a alta de juros tem a missão de baixar a inflação. Então a mágica que fez os dividendos dos fundos de papel dispararem deve parar de funcionar. E eles podem começar a render substancialmente menos que os fundos de tijolo.

De qualquer maneira, os fundos de papel seguem como os preferidos dos investidores. Dos 10 fundos com mais cotistas hoje, cinco são desse tipo. O recordista é o Maxi Renda (MXRF11), com quase 500 mil investidores.

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Mesmo assim, a vida do MXRF11 não está fácil: ele se tornou protagonista da mais recente crise do FIIs. No fim de janeiro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu que a forma como o fundo calculava a distribuição de dividendos aos acionistas estava errada. A polêmica é a seguinte: fundos são obrigados a distribuir 95% dos lucros semestrais. No mês a mês, porém, os gestores usavam outro parâmetro, que eles batizaram como “lucro caixa” (termo que não existe no mundo da contabilidade, mas vinha até então sendo aceito pela CVM).

O segredo aqui está na isenção de IR, que vale para o pagamento de dividendos, mas não para o ganho de capital. Se a renda do fundo vem do aluguel que inquilinos pagam, você não paga imposto pelo dividendo. 

Ao usar o tal “lucro caixa”, o Maxi Renda pagava aos acionistas um valor maior que o lucro real que ele obteve, de modo a inflar a valorização do fundo. A CVM entendeu que esse excedente precisaria ser considerado uma amortização – devolução de parte do dinheiro investido – e isso paga imposto.

E ainda que a decisão seja exclusiva para esse fundo, o órgão decidiu que outros fundos que seguem a mesma metodologia deveriam mudá-la. 

Ainda cabe recurso, e certamente o debate entre gestores e CVM irá longe. Só que isso abalou a estrutura mais sólida mantida que FIIs tinham conquistado nos últimos anos. 

Por tudo isso, as premissas que dissemos aqui são tão importantes: não compre fundos caros, cuidado com os baratos demais, e nem olhe só para os dividendos. Escolha bons fundos, aqueles com imóveis bem localizados, com bons inquilinos – e que seja no plural, para você não ficar na mão caso o eventual locatório único decida se mudar. Existem sites especializados em pesquisar essas informações em tempo real: Funds Explorer e Clube do FII são dois deles – vai ser importante. De resto, Tony Soprano estava certo no seu conselho: “Compre terras. Deus não tem feito mais terra por aí”.

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