Câmara aprova novo arcabouço fiscal – entenda as alterações no projeto
Trata-se de uma vitória para Haddad, que conseguiu equilibrar a pressão do PT por regras brandas e as exigências dos congressistas que queriam (e conseguiram) endurecer o texto, para alegria do mercado.
“É tetra”, diria o poeta Galvão Bueno. A Câmara aprovou, ontem (23) à noite, o texto-base do novo arcabouço fiscal, com esmagadores 372 votos favoráveis e apenas 108 contrários. Os ajustes realizados pelos deputados endurecem as normas e agradam os coletinhos da Faria Lima, que ainda tinham suas dúvidas quanto à eficácia da redação original de Haddad e companhia. Vamos entendê-los:
Sem exceções
O texto original prevê que as despesas do governo podem crescer no mínimo 0,6% e no máximo 2,5% acima da inflação. Dentro dessa janela, o tanto exato que a verba disponível aumenta depende do quanto as receitas aumentam. De cada R$ 10 a mais que o governo arrecada em impostos em relação ao ano anterior, 70% (R$ 7) podem ser convertidos em gastos. O resto vira poupança.
A janela (0,6% a 2,5%) existe por dois motivos. O primeiro é evitar que o governo gaste muito em tempos de bonança. Se 70% da variação das receitas em um ano representarem uma alta maior do que 2,5% nos gastos, o teto está a postos para limitar automaticamente os 70%, obrigando as autoridades a fazerem uma poupança mais polpuda. É a lógica da cigarra e da formiga: acumular comida no verão para não passar fome no inverno.
O segundo é evitar que o Executivo fique sem nada para gastar em tempos de recessão, quando os 70% do crescimento na arrecadação não equivalem nem ao patamar mínimo de 0,6% (afinal, em tempo de crise, a arrecadação tende a ser menor do que foi no anterior, o que, em tese, obrigaria uma redução das despesas). Nessas horas, o governo atual defende que a política precisa ser anticíclica: as autoridades precisam ter algum espaço para se endividar de modo a injetar dinheiro na economia e tirá-la do lugar no tranco.
O governo tentou driblar a própria regra logo de cara, autorizando para si próprio aplicar o teto de crescimento de despesas de 2,5% em 2024, independentemente do quanto a arrecadação aumentasse. Os deputados barraram, e a regra será seguida normalmente: 70% do aumento das receitas.
É claro que esses 70% são (e serão, enquanto o arcabouço estiver vigente) um exercício de especulação, porque o governo nunca sabe quanto irá arrecadar de fato no ano seguinte. Na hora de estimar os gastos de 2024, a Fazenda precisará fazer a previsão mais precisa possível para a coleta de impostos de 2024. Se a estimativa estiver errada para baixo, o valor excedente pode entrar como crédito extra no exercício de 2025. Se vier errada para cima, o valor extra é descontado de 2025, como castigo.
Teto de investimentos
Caso o governo estoure a meta de resultado primário (que é a diferença entre receitas e despesas, calculada como uma porcentagem do PIB), os deputados impuseram gatilhos: cortes que ocorrem automaticamente para trazer os gastos de volta às rédeas. Entre eles, estão a proibição de concursos públicos e de aumentos salariais para servidores. A política de valorização do salário mínimo, a pedido de Lula, está blindada. A meta para o ano que vem é um déficit de 0,5% do PIB. Essa meta será flexível: varia conforme o contexto econômico. O governo espera alcançar um superávit de 1% do PIB em 2026.
Haddad queria que o montante separado para investimentos ficasse fora da alçada do arcabouço, e fosse simplesmente corrigido de acordo com a inflação todos os anos, tomando como base o patamar de 2023. Calcula-se que os investimentos deste ano sejam, ao todo, de R$ 78,8 bilhões, e essa se tornaria, portanto, a referência para o cálculo durante toda a vigência do arcabouço.
A regra aprovada é diferente: limita os investimentos a 60% do crescimento do PIB previsto no Projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) do ano seguinte. Isso significa R$ 63,9 bi em 2024 – R$ 15 bi a menos, uma economia que ajuda a cumprir a meta de resultado primário. Outra alteração é que os investimentos não estarão blindados de cortes caso haja risco de estouro da meta.
Fundeb está dentro
O governo queria que o dinheiro destinado ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e da Valorização dos Profissionais da Educação (conhecido pela sigla Fundeb) ficasse fora do limite de receitas, já que se trata de um investimento em educação. Não rolou. O Fundeb vai disputar espaço com outras despesas, o que obriga cortes em outras áreas para acomodá-lo.
Ainda não acabou
A Câmara ainda vota, hoje, os tais “destaques” – alterações menores no texto que, ao que tudo indica, serão rejeitadas. Depois, o arcabouço será enviado ao Senado, onde deve ser aprovado sem grandes percalços, a julgar pelo clima de trégua e conciliação entre Lira, Pacheco e Haddad. Caso o Senado altere o texto, porém, ele volta para a Câmara, e os deputados têm poder de aprovar ou vetar as alterações feitas pela Casa ao lado. Terminada a tramitação, o texto segue para sanção do presidente.
Se o Brasil está prestes a resolver uma imensa dor de cabeça fiscal, não se pode dizer o mesmo dos EUA: o presidente da Câmara deles, Kevin McCarthy, disse que ele e Biden não estão “nem perto de um acordo” sobre o teto da dívida americana – coisa que está deprimindo os mercado mundo afora e os futuros de Nova York nesta manhã, como você pode ver no humorômetro aqui embaixo. Entenda o caso neste texto. Para completar, o Fed divulga a ata da última reunião do comitê de política monetária às 15h. Os investidores vão destrinchá-la com afinco em busca de sinais do fim (ou da continuidade) do ciclo de alta nos juros.
Que o desempenho do Ibovespa descole dos gringos. Bons negócios!
Futuros S&P 500: -0,37%
Futuros Nasdaq: -0,34%
Futuros Dow: -0,40%
*às 8h02
Menos ações, mais ouro
No J.P. Morgan, a equipe do estrategista Marko Kolanovic tem cortado sua posição em ações e títulos privados. Para commodities, eles trocaram o investimento em energia por ouro. Kolanovic aconselha os clientes que façam o mesmo, e que, de preferência, segurem os gastos. É uma posição de cautela extrema frente ao cenário que ele considera preocupante: negociações do teto da dívida americana sem grandes avanços, risco de recessão e uma postura ainda hawkish por parte do Fed, que parece não planejar baixar os juros tão cedo.
Kolanovic foi uma das vozes otimistas do mercado durante o bear market de 2022. Só que, agora, ele tem adotado uma postura mais cética em relação à recuperação da economia. Sua equipe reduziu os investimentos em ações em dezembro, janeiro, março e novamente este mês.
Brasil, sem horário definido: Câmara vota quatro destaques restantes do novo arcabouço fiscal;
Brasil, 11h: Lula tem reunião com Alckmin e Haddad;
EUA, 15h: divulgação da ata da última reunião do Fomc.
Índice europeu (EuroStoxx 50): -1,79%
Bolsa de Londres (FTSE 100): -1,78%
Bolsa de Frankfurt (Dax): -1,70%
Bolsa de Paris (CAC): -1,84%
*às 8h12
Índice chinês CSI 300 (Xangai e Shenzhen): -1,38%
Bolsa de Tóquio (Nikkei): -0,89%
Hong Kong (Hang Seng): -1,62%
Brent: +1,87% a US$ 78,26 o barril
*às 7h06
Minério de ferro: -4,17%, a US$ 95,35 a tonelada, na bolsa de Cingapura
A hora e a vez das startups camelos
Até 2021, as startups estavam acostumadas a queimar caixa de maneira mais acelerada – coisa que funcionava como justificativa para demandar mais capital e aproveitar a generosidade de investidores. Mas a alta global nos juros pôs fim ao fenômeno das empresas que atingiam valor de mercado de US$ 1 bilhão mesmo dando prejuízo. Hoje, a aposta é nas resilientes, como camelos. A pergunta para as startups é uma só: quanto tempo você sobrevive sem receber uma nova rodada de investimentos? Nesta reportagem da Você S/A, entenda o fenômeno.