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6 problemas e 1 coisa certa na Petrobras

Presidente da estatal renunciou sob coação de Brasília. Entenda a crise da estatal e como isso afeta a companhia e os preços dos combustíveis.

Por Tássia Kastner, Camila Barros
Atualizado em 20 jun 2022, 17h54 - Publicado em 20 jun 2022, 17h39

Não tem quase nada funcionando pelas regras do jogo na Petrobras, exceto uma coisa. Mas vamos de suspense para entender por que as ações da companhia, no meio do caos, ainda subiram quase 1,5% nesta segunda.

Pela manhã, o presidente da estatal, José Mauro Coelho, pediu demissão do cargo. Não foi de livre e espontânea vontade, mas sob coação. Temos aqui o primeiro problema.

O estopim foi a série de ameaças do presidente da República, Jair Bolsonaro, e do presidente da Câmara, Arthur Lira. O chefe do legislativo usou um artigo na Folha de S.Paulo para acusar o CEO da empresa de ter sequestrado a companhia, como se ele tivesse assumido o comando da empresa tal qual um guerrilheiro e não sob indicação do governo Bolsonaro. 

José Mauro estava demissionário desde 24 de maio, quando o governo anunciou que trocaria o comandante da estatal. 

O motivo: ele, o terceiro sob o governo Bolsonaro, queria aumentar os preços dos combustíveis para seguir a paridade internacional de preços. José Mauro tentava seguir os mesmos passos dos antecessores, que perderam a cabeça antes.

Segundo problema: ter uma companhia mista vulnerável à pressão política. 

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A Petrobras segue uma política de preços internacionais por dois motivos principais. Tentar evitar que a companhia perca rentabilidade por interferências políticas é um deles. E isso, por sinal, tem funcionado. A Petrobras pagou US$ 23 milhões em dividendos e ganhou R$ 44,6 bilhões só no primeiro trimestre deste ano – o recorde foi em 2021.

Quem pagou a conta foi o consumidor. Os preços dos combustíveis acumulam alta de  8,83% no ano. Em maio, o peso da gasolina e do diesel na inflação foi de 8,13%.

Mas a política de preços tem uma segunda razão de ser. Desde a greve dos caminhoneiros, em 2018, a Petrobras firmou com o Cade (o órgão de defesa da concorrência) um acordo para abrir espaço no setor de refino no país. A ideia era que ela vendesse parte de suas refinarias, abrindo espaço para concorrentes privados com a expectativa de que isso poderia fazer a gasolina e o diesel serem mais baratos no país – noves fora não está funcionando em nenhum lugar do mundo neste momento.

A ideia era que, com mais atores privados no mercado, outras empresas se interessariam em construir as suas próprias refinarias, aumentando a oferta de combustíveis no país. 

O pano de fundo desse conflito não é exatamente o petróleo, mas o fato de o Brasil não conseguir transformar todo o óleo que tira do fundo do mar em um combustível para queimar em caminhões e carros. 

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A decisão de abrir o mercado de refino na marra, por sinal, tem uma etapa anterior. A Petrobras vinha tentando construir mais refinarias, mas os escândalos de corrupção e a queda nos preços do petróleo, ali por 2014, tornaram os investimentos inviáveis.

Daí que a saída foi propor uma maior concorrência. O problema (terceiro): só agora as vendas das refinarias saíram do papel, sem qualquer aumento de capacidade de refino no país. A demanda, por outro lado, continua crescendo. 

o país precisa importar mais combustível lá fora. Na época do governo Dilma Rousseff, a própria Petrobras importava o produto e vendia abaixo do preço internacional, amargando o prejuízo. O combo de queda no preço do petróleo, que era negociado a mais de US$ 100 o barril em 2014 e caiu a US$ 27 em 2015, plus Lava Jato, colocou a estatal em crise financeira.

Agora usar a Petrobras para importar combustível é tabu. Por outro lado, quando o preço no mercado doméstico está abaixo do praticado no mercado internacional, importadores privados não entram na jogada. 

Por isso José Mauro avisava o governo Bolsonaro da necessidade de aumento nos preços dos combustíveis. O fato de ele ter levado tanto tempo para promover o reajuste é um quarto problema. Discute-se agora o risco real de desabastecimento no mercado doméstico no segundo semestre, quando há um aumento de demanda.

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Na semana passada, depois de 99 dias sem corrigir o valor da gasolina, vieram os aumentos: 5,18% no seu bolso, e 14,26% no do caminhoneiro (que também termina no seu bolso, por sinal). Aí a pressão contra José Mauro cresceu.

O Congresso, tão preocupado com a eleição em outubro quanto Bolsonaro, ameaçou convocar uma CPI da Petrobras, o que só faria sentido se houvesse alguma evidência de crise a se investigar – o que não era bem o caso (quinto problema).

O mesmo congresso ameaçou com uma taxação de exportações de petróleo (Argentina, é você), o que virtualmente serviria para reduzir a tal da paridade internacional e puxar os preços dos combustíveis para baixo. 

No mesmo texto em que acusou o CEO da empresa de sequestro, Lira questionou se os diretores da companhia não estavam usando recursos da estatal para viagens e carros alugados. Vai para a lista de ironias (e tergiversações), já que reportagens mostram consistentemente mau uso de dinheiro público por políticos justamente com viagens. Nesta segunda, a Folha mostrou a disparada no uso do cartão de crédito de Bolsonaro, cujos gastos estão sob sigilo.

O lance é que Bolsonaro havia nomeado Caio Paes de Andrade, secretário de Desburocratização do Ministério da Economia, como sucessor. Mas a troca não é trivial. A Petrobras estava (e ainda está) tentando seguir os trâmites normais de troca de CEO, como uma empresa de capital aberto com regras de governança deveria fazer. Isso envolve avaliar se ele é qualificado para o cargo.

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Por enquanto, foi nomeado como CEO interino o diretor de exploração e produção, Fernando Borges. Para a fúria de Bolsonaro, que acreditava na nomeação imediata de Caio Paes de Andrade. 

A barafunda  envolve a segunda maior empresa de capital aberto do país, atrás apenas da Vale. E, nesta segunda, a negociação das ações da Petro foram suspensas no começo do pregão. Isso porque a estatal comunicou a renúncia de José Mauro às 9h54, seis minutos antes da abertura da bolsa (sexto problema). A saída dele do conselho de administração foi anunciada já com o mercado aberto, às 10h20. A indicação do interino veio pelas 11h.

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) decidiu investigar a companhia pela forma como as informações foram divulgadas ao mercado. Não que se espere alguma punição no curto prazo.

O fato é que mesmo nesse caos, as ações da estatal subiram 1,46% nesta segunda. Existem algumas explicações fáceis.

1) O petróleo avançou 0,89%

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2) O mercado tende a se ajustar depois de quedas bruscas, como os 6,09% da sexta 

3) A CPI e as ameaças de taxação de exportações perderam fôlego

O Ibovespa subiu de leve, 0,03%, e falhou em recuperar os 100 mil pontos perdidos na sexta-feira. Em parte, culpa da Vale e seu tombo de 2% – que saiu barato perto da queda de mais de 8% do minério.  A bolsa americana, fechada por feriado, ajudou a minimizar a tragédia.

Então o que era a notícia boa sobre a Petrobras? Bancos de investimento continuam chamando a intervenção de “ruído”. A verdade é que a queda da sexta foi semelhante a das petroleiras globais, e não um fenômeno causado pela crise política ligada ao reajuste.

Isso traz uma esperança de que, de fato, a intervenção política se trate só de ruído mesmo. Até amanhã.

Maiores altas

Magazine Luiza (MGLU3): 8,40¨%

WEG (WEGE3): 5,56%

Itaú Unibanco (ITUB4): 4,35%

Itaúsa (ITSA4): 3,13%

Usiminas (USIM5): 2,74%

Maiores baixas

Natura (NTCO3): -7,68%

Pão de Açúcar (PCAR3): -6,37%

Totvs (TOTS3): -5,12%

Grupo Soma (SOMA3): -4,63%

Hapvida (HAPV3): -4,23%

Ibovespa: 0,03%, a 99.853 pontos

Nova York: Feriado nos EUA

Dólar: 0,81%, a R$ 5,1862

Petróleo

Brent: 0,89%, a US$ 114,13

WTI: Feriado nos EUA

Minério de ferro:  -8,18%, a US$ 111,69 por tonelada no porto de Qingdao

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