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Casais devem fazer a gestão da grana juntos ou é cada um por si?

Falar abertamente sobre salário, investimentos, ambições e enroscos financeiros é tabu na mesa de jantar brasileira. Mas estudos mostram que a falta de transparência e a separação total do dinheiro não afetam só o bolso, mas também a felicidade e a prosperidade das pessoas casadas.

Por Sofia Kercher
Atualizado em 25 abr 2024, 15h32 - Publicado em 25 abr 2024, 15h30

Não sabemos se você, leitor, também é ávido consumidor de Casamento às Cegas. O reality show da Netflix foi sucesso de audiência desde que entrou no catálogo do streaming, em 2020. Quando o final da última temporada gringa foi lançado, em 2023, a série já havia angariado impressionantes 1,2 bilhão de minutos assistidos (ou 2.281 anos!).

Ok, digamos que você não contribuiu com esse tempo todo nem sabe do que estamos falando (a.k.a estava debaixo de uma pedra). Funciona assim: 24 pessoas – 12 homens, 12 mulheres – são confinadas em cabines com um objetivo: encontrar um parceiro para casar. A questão é que tudo acontece no período de um mês, e o pedido de casamento precisa rolar antes de eles terem se visto. Daí, justamente, o nome do programa.

Desses 12 possíveis casais, em média (com base no spin-off brasileiro), quatro pares são formados por temporada. O interessante é que, se você decidir perguntar para os apaixonados “quanto seu cônjuge ganha?”, as chances são que metade deles não conseguirá responder.

Pode parecer que esse recorte é fruto da própria natureza do programa – afinal, depois de só 30 dias, teremos sorte se eles souberem a cor favorita um do outro. Mas os números mostram que isso é uma realidade para todos os casais no Brasil, reality ou não: 45% deles não sabem quanto o parceiro ganha, e 85% não têm uma conta bancária conjunta.

O interessante é que, apesar dos pombinhos preferirem a divisão total das finanças, 52% deles acreditam que a situação financeira impacta diretamente no relacionamento amoroso. Ainda que quase 20% já tiveram o nome negativado por causa da pessoa com quem convive – ou conviveu (até que as dívidas nos separem, rs).

O Serasa levantou esses dados ano passado, em uma pesquisa especial de Dia dos Namorados. Os números mostram que, se tem alguma rodovia nessa vida pavimentada de ovos, é a das finanças. Especialmente dentro de um casamento.

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Casais frequentemente têm objetivos financeiros diferentes, tratam dinheiro de forma distinta e, como vimos aí em cima, nem sequer sabem quanto o outro tem na conta. Na teoria, essa ideia até que faz sentido: sem deixar tudo junto e misturado, cada um cuida da sua parcela das contas, administra a grana como bem entende e preserva o casamento de conversas difíceis. Nessa linha de pensamento, é quase como se falar sobre dinheiro desgastasse a relação. 

Mas especialistas e estudos mostram justamente o contrário. Thiago Martello, fundador da empresa de educação financeira que leva seu sobrenome, costuma dar mentoria a casais, ajudando-os a colocar a própria vida financeira em discussão. “Muitas vezes é quase uma sessão de terapia de casal, pois eles usam o momento para conversar sobre temas que nunca foram colocados em debate antes. É nesse momento que o homem percebe, por exemplo, que não está guardando para o futuro, ou a mulher percebe que está contribuindo para a falta de dinheiro da casa ao consumir de forma impulsiva”, conta. Vamos entender melhor sobre isso a seguir.

45% dos casais não sabem quanto o parceiro ganha.

Dinheiro não é igual à felicidade. Mas falar sobre dinheiro talvez seja

Tentando medir o efeito dessas finanças conjuntas para o relacionamento, quatro pesquisadores americanos decidiram acompanhar 230 casais noivos ou recém-casados que, inicialmente, mantinham contas de banco separadas.

Os pombinhos foram divididos em três grupos: um teria uma conta conjunta, o outro manteria as contas separadas, e o terceiro ficou livre para decidir o formato que funcionaria melhor para eles. O combinado foi que eles reportariam aos pesquisadores dois anos depois.

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O estudo chegou à conclusão de que os casais que tinham contas conjuntas tinham mais satisfação e qualidade no relacionamento. Segundo os pesquisadores, isso também é fruto da transparência e do alinhamento de expectativas financeiras que essa divisão inevitavelmente produz. Mas não só isso: o mais importante é o sentimento de união percebido, reportado em níveis menores por quem estava cada um no seu quadrado.

Segundo Jenny Olsen, pesquisadora da Universidade de Indiana e autora do estudo, “um relacionamento comunal [comunitário, pensado em conjunto] é aquele em que os parceiros respondem às necessidades um do outro. ‘Eu quero te ajudar porque você precisa’”, explica. “Existe uma perspectiva de ‘nós’. Eles frequentemente diziam que se sentiam mais juntos nessa.”

Já para os casais de contas separadas, as decisões financeiras não costumavam ser tão comunitárias. Elas eram mais parecidas com trocas, num esquema “eu te ajudo porque você vai me ajudar mais tarde”. Meio olho por olho, conta da Netflix por consulta ao médico.

E mais: os pesquisadores também disseram que a separação financeira deixava mais fácil acabar com o casamento, justamente pela menor burocracia na hora de pular fora. Inclusive, cerca de 20% dos casais participantes não concluíram o estudo, pois romperam as relações. Grande parcela deles fazia parte da trupe das contas separadas.

Segundo um estudo americano, casais que tinham contas conjuntas tinham mais satisfação e qualidade no relacionamento. (Photobuay/Thinkstock)

Casais inteligentes enriquecem juntos

Pois bem, a melhor alternativa para um casal é a conta conjunta? Segundo as pesquisas e Thiago Martello, com certeza

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Ele aponta algumas idiossincrasias da dinâmica separada: “Suponhamos que um parceiro entende melhor de gastos do que o outro. Você está se privando de ter uma administração financeira melhor, e a pessoa que pode fazê-lo dorme com você, ao seu lado, todas as noites!”.

E mais: na visão de Thiago, além dessa conta conjunta possibilitar que a grana seja administrada por quem melhor entende do assunto, ela também evita a criação de uma dinâmica de poder. 

Digamos que um dos cônjuges assume um protagonismo nos cuidados com o lar e na educação dos filhos. É justo que cada um tenha uma conta separada? “Isso cria uma desarmonia que pode ser muito perigosa, porque fica parecendo que um trabalho é mais importante do que o outro, o que não é verdade”, argumenta o especialista. 

Esse é um caso mais extremo, mas é praticamente impossível não existir uma diferença entre os salários da dupla. Um parceiro tende a ganhar mais do que outro, e fica difícil pensar em uma visão de futuro conjunta, com as mesmas ambições e mesmos objetivos (seja de financiar um imóvel ou de tirar férias no final do ano), quando assuntos relacionados a dinheiro são ostracizados. 

Essa falta de transparência mina uma evolução financeira dos dois, e pode ter efeitos sérios ao casamento. Não à toa, crises associadas a dinheiro são o segundo maior motivo pelo qual as pessoas se divorciam (o primeiro, você deve ter adivinhado, é infidelidade).

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Além dessa conta conjunta possibilitar que a grana seja administrada por quem melhor entende do assunto, ela também evita a criação de uma dinâmica de poder. 

E mais: segundo uma pesquisa da B3 e da plataforma Meu Compromisso divulgada esta semana, 36% dos casais brigam sobre dinheiro pelo menos uma vez por semana

Primeiros passos

Para começar a jornada rumo a uma dinâmica financeira mais saudável, Thiago Martello afirma que o primeiríssimo passo é, claro, investir no diálogo. “Sem uma conversa franca sobre receitas, despesas e objetivos comuns, não dá para sair do lugar. É preciso que os dois remem para o mesmo lado para chegarem mais rápido aonde querem”, diz. 

Isso significa que tudo precisará instantaneamente estar alinhado? Objetivos financeiros, investimentos, forma de guardar dinheiro e de gastá-lo? O especialista acredita que viver junto é aprender a entender, conviver e equilibrar as diferenças. Isso também vale para a vida financeira. 

E não há receita única para o sucesso. Ao longo do papo com a Você S/A, Martello deu inúmeros exemplos sobre situações financeiras de casais que encontrou dando sua mentoria ao longo dos anos. Em um caso, por exemplo, foi acordado entre os parceiros que ambos teriam uma “mesada” para gastar mensalmente com o que bem entendessem, sem dever satisfação ao outro por isso. “O importante é estarem dispostos a encontrar um equilíbrio para o bem do bolso e da relação”, finaliza Thiago.

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O especialista em finanças André Minucci também defende uma comunicação clara e aberta, e aconselha, inicialmente, a criação de uma reserva de emergência. “Isso é essencial para a segurança financeira do casal”, explica o especialista – além de ajudar muito a evitar aquelas brigas semanais que comentamos ali em cima.

Pense no casamento como se fosse um ecossistema. Ele é formado por múltiplos setores que precisam trabalhar em simbiose, equilibrados entre si, para que a união sobreviva e prospere. Por essa razão, ser transparente com finanças não será apenas benéfico para o bolso do casal, mas para o casamento como um todo. 

Acima de tudo, é importante entender que seu cônjuge não é seu inimigo quando o assunto é dinheiro. Vá de coração aberto às discussões, compartilhe problemas, ambições, metas de curto e longo prazo. E ter uma ótima condição financeira não é, de forma alguma, um pré-requisito para que essa transparência funcione: a ideia vale na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, no lucro e nas dívidas. Afinal, o peso dos perrengues financeiros se tornará muito mais leve quando dividido em dois – como quase tudo na vida. <3 

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