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A contabilidade criativa voltou? Ibov acha que sim e cai 2,4%

'Pedalada' em precatório para financiar Renda Cidadã criou foto perfeita de dia de pânico (ou fúria)

Por Tássia Kastner
Atualizado em 17 out 2024, 10h47 - Publicado em 28 set 2020, 18h03
 (Andrea Piacquadio/Pexels/Reprodução)
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O teto (de gastos) ficou suspenso no ar, como em um desenho animado, depois que a casa e a confiança do investidor desmoronaram nesta segunda-feira (28). O mercado financeiro, que já andava com um pé atrás por causa dos flertes do governo Jair Bolsonaro com o aumento de gastos, agora afastou o outro e fugiu em busca de proteção. Espero sinceramente, caro leitor, que você não tenha aberto o aplicativo da corretora para ver o impacto nos investimentos, porque o estrago foi grande.

Depois de ter enterrado o plano de transformar o Bolsa Família em Renda Brasil, Bolsonaro ressuscitou o projeto com o nome de Renda Cidadã. O problema nunca foi o nome, mas de onde o governo vai tirar dinheiro para financiar o aumento da distribuição de renda em um cenário de aperto fiscal, crise econômica e teto de gastos que limita endividamento público.

No Renda Brasil, a equipe econômica de Paulo Guedes pretendia congelar aposentadorias e acabar com o abono salarial. Bolsonaro afirmou que era tirar do pobre para dar ao paupérrimo e o plano foi sepultado. Mas daquele jeito político, claro, já que a distribuição do auxílio emergencial de R$ 600, além de fundamental para as famílias que perderam renda na pandemia, deu uma forcinha para resgatar a popularidade do presidente.

Então surgiu o Renda Cidadã. Nele, a ideia é adiar pagamentos de precatórios (dívidas que o governo tem, foi condenado a pagar, mas que estão numa interminável fila que faz o cidadão esperar anos para receber o dinheiro). Uma segunda porção dos recursos para financiar programa viria de uso de dinheiro do Fundeb (o fundo usado para financiar a educação básica), que está fora do teto de gastos.

Rogério Xavier, gestor do SPX, sintetizou o sentimento do mercado com o plano.

“Inacreditável, mas a contabilidade criativa voltou!!!!”, escreveu em sua conta no Twitter.

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A contabilidade criativa e as pedaladas fiscais foram o motivo jurídico para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016. O parecer de que houve pedalada, é bom lembrar, veio do Tribunal de Contas da União (TCU) — guarde essa informação, leitor.

Aí veio o governo de Michel Temer, e um dos instrumentos criados para limitar o crescimento dos gastos públicos e recuperar a confiança do investidor foi o teto de gastos. O teto impede que as despesas públicas cresçam, de um ano para o outro, acima da inflação.

Essa política fiscal já era alvo de alguns economistas antes mesmo da adoção, por ser considerada inviável a longo prazo. A pandemia acelerou o processo de ruína do teto, com o justificado aumento de gastos públicos, e mais especialistas estudam alternativas que mantenham o controle das contas públicas de forma sustentável.

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A exceção é, claro, o mercado financeiro, que conta com essa política fiscal rígida para supostamente manter a dívida pública sob controle, juros baixos e a atração de investidores estrangeiros. Bom, a pandemia já está levando a dívida a perto de 100% do PIB, os juros estão em 2% ao ano e a inflação segue abaixo do piso da meta estabelecida pelo Banco Central e investidores estrangeiros tiraram volume recorde de recursos do Brasil.

Durante o pronunciamento, Bolsonaro e demais políticos até tentaram enfatizar que o programa estava sendo feito dentro do teto de gastos. O problema é que não convenceu muita gente.

O ministro do TCU (olha ele aqui) Bruno Dantas também avaliou de forma crítica o anúncio do governo. Em uma sequência de três postagens no Twitter, chamou o uso do dinheiro do Fundeb para o Renda Cidadã de tergiversar. Sobre precatórios, foi ainda mais duro.

“Sobre usar dinheiro de precatórios, também parece truque para esconder fuga do teto de gastos: reduz a despesa primária de forma artificial porque a dívida não desaparece, apenas é rolada para o ano seguinte. Em vez do teto estimular economia de dinheiro, estimulou a criatividade.”

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Também foi o que pensou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. À XP, ele disse considerar “inadmissível a possibilidade de financiar o programa desta maneira” e que a medida seria semelhante a um calote.

Resumo: pegou mal. E nem o sinal positivo, da proposta de reforma tributária, veio. O governo teima com a volta da CPMF (ou, como dissemos na sexta, chame como quiser) e ainda não há qualquer acordo ou sinalização de que o projeto vá passar. Aí a reforma entrou no dia da marmota da ‘semana que vem’.

O Ibov despencou para 2,41%, no menor patamar desde junho (94.666 pontos), o dólar disparou para R$ 5,64 e só não subiu mais porque o Banco Central interviu no mercado, e os juros futuros bateram no limite máximo de alta diária.

E juros, leitor, eram até aqui o termômetro mais eloquente do mercado para o medo do que o governo anda fazendo: para financiar no atual risco, só com juros mais polpudos. Ainda que a Selic ande a 2% ao ano, em prazos mais longos o mercado estava em taxas bem mais altas: hoje fechou a 8,21% no vencimento 2029, por exemplo.

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E é preciso enfatizar também que essa conjunção de bolsa em queda, dólar e juros em alta é o melhor termômetro do pânico do mercado.

Isso que, no exterior, os investidores haviam acordado de bom humor e os índices americanos e europeus subiram com gosto. O dia prometia deixar o pior da semana passada para trás, como escreveu de manhã o analista da corretora Guide Henrique Esteter: “Se a bolsa não subir hoje, não sobe nunca mais! Bom dia!”.

Bom, depois ele admitiu que foi uma “zicada monumental”.

Ainda assim você ficou com medo? Bem, eu também.

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MAIORES ALTAS

Embraer: +3,92%
Santander: +2,10%
IRB: +0,84%
Banco do Brasil: +0,69%

MAIORES QUEDAS

Intermédica: -5,20%
Minerva: -5,02%
YDUQS: -5,35%
Ultrapar: -5,00%
MRV: -4,85%

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