Conheça a BeGreen, fazenda urbana que economizou 14 piscinas olímpicas de água em um ano
A empresa cresceu montando hortas hidropônicas ao lado de shoppings e refeitórios – um sistema que reduz o gasto de água, zera o desperdício de alimentos e livra a atmosfera de toneladas de CO2.
Para uma semente germinar e dar frutos, ela precisa de luz, água, nutriente e espaço para crescer. Na natureza, todos esses elementos vêm do sol, da chuva e do solo. Mas a mãe-terra não é exatamente certeira em sua técnica de plantio: a quantidade de chuva e sol de que a planta A precisa pode não agradar a planta B.
Desde de o Neolítico, o ser humano vem colocando ordem nesse processo – desviou a água dos rios para não depender só da chuva, descobriu quais espécies germinam em cada região e estação do ano, e aprendeu a rotacionar culturas para não desgastar o solo. Ainda assim, a agricultura tradicional não tem uma precisão cirúrgica, e fica à mercê de mudanças bruscas na temperatura e pragas, além do período de safra de cada espécie.
Na hidroponia não. Dentro de uma estufa, as sementes são dividas entre espécies e conectadas por meio de um sistema hidráulico, que bombeia água enriquecida com nutrientes direto nas raízes das plantas – o que dispensa a necessidade de solo. A luz do ambiente é artificial, então dá para modificá-la de acordo com as necessidades de cada espécie – assim como os nutrientes, que diferem dependendo do tipo e da fase de desenvolvimento da planta.
É assim que a BeGreen, fazenda urbana fundada em 2017 em Belo Horizonte, cultiva seus produtos. A foodtech nasceu com o propósito de levar uma alimentação saudável para a mesa dos grandes centros urbanos e, de quebra, colaborar para uma produção agrícola mais sustentável. Ela oferece 24 variedades de hortaliças orgânicas: nove tipos de folhosos (tipo rúcula, couve e espinafre), oito tipos de temperos e sete de alface.
Utilizando a técnica de hidroponia, a empresa consegue reduzir em 90% o consumo de água em relação às fazendas tradicionais. É que, no sistema, toda a água que as plantas não absorvem continua circulando. É reaproveitada – diferentemente do solo, que a absorve. O método também é mais eficiente em espaço: a BeGreen produz de 36 a 40 pés por metro quadrado, enquanto um agricultor tradicional cultivaria de 2 a 3 peças no mesmo espaço.
Da fazenda para o estômago
Giuliano Bittencourt, fundador da companhia, teve a ideia depois de voltar de uma temporada no Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde conheceu projetos de fazendas urbanas ao redor do mundo. Na mesma época, o falecimento de um ente querido, ainda jovem mas com maus hábitos alimentares, fez Giuliano assumir o incentivo à alimentação saudável como propósito de vida.
Em 2015, ele foi passar um tempo em uma fazenda convencional em Betim, município nas redondezas de BH, estudando o que era preciso em termos de tecnologia, escala e distribuição para tornar o projeto viável. Lá, descobriu que boa parte da produção agrícola acaba desperdiçada em alguma etapa do processo produtivo – seja na colheita, no transporte ou no mercado (de acordo com a ONU, são 30%).
Para combater esse problema, a ideia inicial era construir uma fazenda ao lado de algum supermercado. Assim, a cadeia de distribuição dos produtos ficaria mais curta: ao invés de plantar no campo, transportar para a distribuidora e depois levar até o supermercado, os produtos seriam plantados diretamente na loja. Sem o transporte, a companhia conseguiria reduzir o número de alimentos estragados no processo, assim como a emissão final de CO2.
O que rolou, no fim, foi um pouco diferente disso. E até melhor. Giuliano foi abordado pelo gerente de marketing do Boulevard Shopping BH, que o convidou para construir a fazenda num terreno de 1.000 m² do lado de fora da propriedade. O espaço serviria como entretenimento para os clientes do shopping, e o que fosse produzido lá teria um mercado consumidor em potencial logo do lado – restaurantes da própria praça de alimentação do local. Ou seja: cortava-se mais uma etapa, a do supermercado até a mesa. A comida iria direto da fazenda para o estômago dos consumidores.
Negócio fechado. Toda a estrutura da estufa, feita para produzir 40 mil pés de hortaliça por mês, foi construída em menos de 5 meses – de janeiro a maio de 2017. “Ou a gente inaugurava ou a gente quebrava, porque a fazenda custou R$ 2 milhões e nós só tínhamos R$ 80 mil em caixa”, conta o empreendedor.
O desafogo chegou por e-mail pouco tempo depois: um investidor que acompanhava a tese de fazendas urbanas disse que estava interessado em investir na BeGreen. Com o dinheiro do aporte, a empresa conseguiu pagar as dívidas de construção e aliviar o caixa.
Pilares do negócio
O modelo de negócios da companhia opera em duas frentes: shoppings e empresas.
Agora, a BeGreen está em 6 shoppings espalhados pelo Brasil: Boulevard Shopping, em Belo Horizonte, Shopping da Bahia, em Salvador, Parque Dom Pedro, em Campinas, Passeios das Águas, em Goiânia, Plaza Sul, em São Paulo, e Via Parque, no Rio. Todos são administrados pelo grupo Aliansce Sonae, que se tornou sócio da BeGreen em 2020, depois de fazer um aporte de R$ 15,5 milhões.
Nessas unidades, a empresa gera receita por meio de visitas guiadas, entregas para restaurantes e o clube de assinaturas.
As visitas são feitas com grupos de crianças para educá-las sobre alimentação saudável e meio ambiente. “Nós temos um propósito muito claro, que é despertar a consciência nas crianças e fazer com que elas entendam que sustentabilidade é algo importante pro mundo delas”, diz Giuliano. Somadas, as fazendas recebem de 1.500 a 2.000 crianças por mês.
Quase tudo do que é produzido ali é vendido para restaurantes conveniados. Uma parte menor vai para um clube de assinaturas, que entrega as hortaliças na casa dos clientes a cada uma semana ou 15 dias. São 3 opções de box: o pequeno, a R$ 36,90 cada, o médio, a R$ 45,90, e o grande, a R$ 55,90.
Parceria com empresas
Em uma visita a BH em 2017, o CEO da Mercedes-Benz ficou impressionado ao ver a fazenda da BeGreen no meio do Boulevard Shopping – e decidiu que queria uma igual. As duas empresas, então, assinaram um contrato de longo prazo para a instalação de uma fazenda na fábrica da Mercedes em São Bernardo do Campo.
Todas as 2,5 toneladas mensais de verduras produzidas ali vão direto para o refeitório e alimentam diariamente os quase 8 mil funcionários da fábrica. A parceria faz parte da estratégia da Mercedes para diminuir sua pegada de carbono: não há transporte por caminhão nem do centro de distribuição até a Mercedes, nem da fazenda até o centro de distribuição.
Nisso, a Mercedes compensa parte do CO2 que seus próprios veículos emitem. Segundo o relatório de impacto mais recente da BeGreen, a montadora corta 27 toneladas de CO2 por mês por causa da parceria.
Se o acordo com a montadora mira no E de ESG, a parceria que eles têm com o Ifood mira no S. Também com um contrato de longo prazo, a BeGreen construiu uma fazenda de 950 m² no topo da sede da empresa, em Osasco. Tudo que é produzido ali (1,7 tonelada de alimento por mês) vai para o Banco de Alimentos de Osasco, um projeto de combate à fome que oferece assistência a três mil famílias em situação de vulnerabilidade social.
A BeGreen também tem um clube de assinatura especial para os funcionários das duas empresas – outra fonte de receita para o caixa da foodtech, e uma forma de as companhias estimularem a alimentação saudável entre seus colaboradores.
Planos e números
A BeGreen espera terminar seu 5° ano de operação com nove estufas construídas. Além dos seis shoppings e duas empresas, a startup vai inaugurar uma nova fazenda – essa maior do que as outras – na Marginal Pinheiros, em São Paulo. A unidade ficará próxima ao Ceagesp (centro de comercialização de produtos de hortifruti em atacado), e quer se posicionar como uma alternativa orgânica e sustentável para atender os (vários) restaurantes de Pinheiros e redondezas.
Com os novos projetos, a startup deve dobrar o número de metros quadrados de fazendas hidropônicas até o final do ano que vem. Vai dos 10 mil m² de hoje para 25 mil m² (ou 2,5 hectares).
Os números de faturamento, assinantes e restaurantes parceiros ainda ficam em sigilo. Giuliano, no entanto, enche o peito de orgulho para falar dos números de impacto ambiental: “A gente economizou, em um ano, 51,7 milhões de litros de água. São 14 piscinas olímpicas”.