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Cris Kerr

Por VOCÊ S/A
Cris Kerr é CEO da CKZ Diversidade, consultoria especializada em Inclusão & Diversidade, professora da Fundação Dom Cabral, Mestra em Sustentabilidade e idealizadora do Super Fórum Diversidade & Inclusão.

Por que ainda existem tantas lideranças tóxicas?

Como a cultura organizacional e os vieses perpetuam comportamentos nocivos – e o que pode ser feito para tornar ambientes corporativos mais saudáveis.

Por Cris Kerr
2 nov 2024, 08h00
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 (martin-dm/Getty Images)
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empos atrás, tive um gestor que adorava criar conflitos dentro da equipe. Ele jogava uma pessoa contra a outra: “Fulano, a Cris falou tal coisa de você” ou “Cris, Fulano disse que aconteceu tal coisa”. Não tinha como a equipe não ser disfuncional: baixa confiança entre pares, medo de dar opiniões e falta de comprometimento. Essas são características típicas de um time gerenciado por uma liderança tóxica.

Uma pesquisa realizada pela Talenses Group em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que essa situação não é um caso isolado. Apenas 3,6% dos trabalhadores brasileiros nunca experimentaram comportamentos tóxicos ou prejudiciais por parte de suas lideranças. Além disso, 55% relataram sentimentos de desvalorização ou desmotivação em razão da conduta de superiores.

Ao ler esses dados, um questionamento me vem à mente. Falamos muito sobre ambientes de trabalho saudáveis, inclusivos e colaborativos, promovemos o discurso da diversidade, igualdade, equidade e pertencimento, e até premiamos os melhores lugares para trabalhar. Mas por que, então, ainda temos lideranças tóxicas?

Manda quem pode?

A resposta mais simples é: porque, supostamente, elas trazem resultados. É uma cultura que remete à época da industrialização, quando as pessoas eram entendidas como meros “recursos” cuja função era produzir. À liderança, cabia cobrar por produtividade sob ameaça de mandá-las para a rua.

Na época, esse sistema funcionava; hoje, isso só parece que traz resultados porque não se coloca na ponta do lápis o custo de fatores como desmotivação, estresse, absenteísmo e rotatividade causados por um ambiente tóxico.

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Essa cultura antiga é perpetuada cada vez que uma pessoa é promovida à liderança puramente por suas qualidades técnicas, sem considerar a parte comportamental.

Então elas passam a ver o cargo como um reconhecimento de sua competência, e não como uma responsabilidade para cuidar das pessoas e desenvolver times e ambientes inclusivos e saudáveis.

Vieses cognitivos também desempenham um papel na manutenção de lideranças tóxicas. Um deles é o efeito Dunning-Kruger, que descreve a tendência de pessoas superestimarem uma habilidade, mesmo com baixa competência no assunto.

Por isso, muitas pessoas gestoras acreditam que têm todas as respostas e que são mais capacitadas do que realmente são. Isso as leva a ignorar opiniões e contribuições, centralizando decisões e criando um ambiente autoritário.

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Outro é o “viés de campeão”: a liderança acredita que não precisa de ajuda para resolver problemas ou alcançar metas. Essa mentalidade de autossuficiência, muitas vezes vista como força ou determinação, acaba impedindo a pessoa de reconhecer suas limitações e valorizar a equipe. 

Essa cultura antiga é perpetuada cada vez que uma pessoa é promovida à liderança puramente por suas qualidades técnicas, sem considerar a parte comportamental.

A cultura e os vieses comportamentais, quando não são tratados, resultam em algumas características comuns observadas em empresas com lideranças tóxicas: falta de confiança, medo do contraditório, pouco comprometimento, incapacidade de aceitar erros e desatenção ao interesse coletivo.

Identificando o veneno no ar

A primeira etapa para romper com os vieses e os comportamentos, e reverter o ciclo de liderança tóxica, é reconhecer que ele existe. Para isso, precisamos medi-lo, estabelecer critérios em avaliações de desempenho e feedbacks que olhem e recompensem o lado comportamental, não apenas as competências técnicas.

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Isso deve valer tanto para as lideranças quanto para as pessoas da equipe. Afinal, comportamentos tóxicos se espalham, contaminam e se perpetuam em indivíduos, no time e na empresa.

Envolve também observar comportamentos específicos. A toxicidade é uma escala. Começa com atitudes menores, como interromper constantemente as outras pessoas, monopolizar conversas ou desconsiderar sugestões. E termina na forma mais extrema: o assédio moral.

Prevenir o surgimento de gestores tóxicos envolve capacitação e desenvolvimento de habilidades emocionais. É algo que as gerações mais novas vêm aprendendo desde cedo, mas que ainda é uma lacuna para as que vieram antes.

É preciso investir em treinamentos voltados à inteligência emocional e à gestão de pessoas, para preparar as futuras lideranças de modo a lidar com a complexidade das relações humanas no ambiente corporativo. Isso inclui ensinar as pessoas a reconhecer e gerenciar emoções, além de desenvolver a empatia e a escuta ativa.

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Comportamentos tóxicos se espalham, contaminam e se perpetuam em indivíduos, no time e na empresa.

Outro ponto crucial é repensar os critérios de promoção. As empresas precisam deixar de lado a visão ultrapassada de que competência técnica é o que basta para formar boas lideranças.

As decisões devem considerar também a capacidade de inspirar e de criar um ambiente de segurança psicológica. Desse modo, processos mais estruturados, incluindo avaliações de perfil comportamental, podem evitar a perpetuação de gestões tóxicas.

Tudo isso envolve reconhecer que, muitas vezes, o comportamento tóxico é fruto de uma cultura. As pessoas agem conforme aprendem a agir. Logo, precisam de ajuda para perceber que são parte do problema – mas também da solução para o rompimento desse ciclo.

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