É mito ou verdade que mulheres são emocionais e homens, racionais?
A construção cultural, que afirma que homens devem ser fortes e engolir o choro, acaba criando ambientes de trabalho tóxicos.
Em uma roda de conversa recente, um homem, pai de uma filha, concluiu um raciocínio com a seguinte frase: “Isso aconteceu porque eu sei que as mulheres são mais emocionais”. Sua resposta era um contraponto à ideia de que os homens, por sua vez, são mais racionais.
No entanto, precisamos parar de falar que mulheres são emocionais e homens, racionais. Essa divisão não condiz com a realidade complexa da nossa natureza humana. Inclusive, gosto de reforçar que a emoção não se opõe à razão.
Como resume uma das maiores referências sobre o tema, o neurocientista português António Damásio: “Somos seres emocionais que desenvolveram a capacidade de pensar, e não o contrário”. Essa emoção, portanto, influencia todas as pessoas, independentemente de gênero.
Emoção é um comportamento que se manifesta por reações fisiológicas. O corpo humano reage conforme capta informações do ambiente. Ao identificarmos uma situação de risco, por exemplo, acontece a emocionalidade, um conjunto de respostas involuntárias: liberação de hormônios adrenalina e cortisol, mudanças nos batimentos cardíacos, respiração ofegante e a mão suando. É um mecanismo de defesa que nos prepara para lutar ou fugir de uma ameaça, mas que às vezes também pode nos paralisar.
A identificação e análise dessas emoções é o que chamamos de sentimento. O exemplo acima ilustra uma reação de medo. Mas a emocionalidade pode se manifestar de formas diferentes – algumas pessoas, com raiva, choram; outras, ficam agressivas.
O mito de que homens são mais racionais é reforçado desde a infância, quando eles são treinados a não demonstrar suas emoções e sentimentos: é preciso ser forte, engolir o choro, não se desesperar. Mulheres também ouvem esses comentários, mas em menor frequência quando comparado com homens.
Essa construção cultural acaba desumanizando os homens que não podem demonstrar medo nem vulnerabilidade. Sem a capacidade de entender suas próprias emoções, eles têm mais dificuldade para demonstrar empatia e se conectar com outras pessoas na vida social e profissional.
Dentro das organizações, essa cultura se torna ainda mais tóxica. Durante muito tempo, as empresas não davam espaço para as emoções – e ainda permitiam comportamentos que, hoje, são considerados assédio moral. Bater na mesa, xingar, falar em tom agressivo são reações tidas como sinal de força, de racionalidade. Na verdade, porém, são a forma de descarregar as emoções da raiva.
O mito de que homens são mais racionais é reforçado desde a infância, quando eles são treinados a não demonstrar suas emoções e sentimentos: é preciso ser forte, engolir o choro, não se desesperar.
A ideia de valorizar a racionalidade em detrimento da emoção também afeta a segurança psicológica no ambiente de trabalho. Em um artigo de 2019, Harri Kaloudis, pesquisador da Universidade de Lancaster, enfatiza que uma equipe só se sente psicologicamente segura quando as pessoas não são expostas ao ridículo e não se sentem ameaçadas socialmente quando buscam por ajuda, pedem feedback e admitem erros.
Ou seja, a pressão social imposta aos homens para que sejam fortes, controlados e não mostrem suas emoções pode resultar em problemas de saúde mental, prejudicar relacionamentos e levar a uma falta de conexão consigo mesmo e com as outras pessoas.
Precisamos parar de nos dividir entre racionais e emocionais. Entendendo que todas as pessoas são influenciadas pela emoção, querendo ou não! Portanto é preciso identificar quais aspectos ou situações ativam nossas respostas fisiológicas no ambiente corporativo. Um teste disponível na internet nos ajuda a medir isso. O questionário se baseia no modelo comportamental SCARF, proposto pelo neurocientista David Rock.
A teoria de Rock é a seguinte: os mesmos mecanismos de sobrevivência do cérebro que ativam nossas emoções para minimizar ameaças e maximizar recompensas também atuam na nossa vida social e no trabalho. O modelo nos permite identificar como isso ocorre a partir de cinco campos principais: Status, Certeza, Autonomia, Relação e Justiça (Fairness).
Por exemplo: se, para mim, Autonomia for o atributo mais importante, terei uma maior descarga de adrenalina e cortisol quando estiver em um ambiente mais controlador. Posso ficar estressada, agressiva ou triste, e ter minha performance na empresa prejudicada.
“Quando conhecemos os determinantes que podem gerar uma resposta de ameaça, podemos agir para minimizá-las”, escreve Rock no artigo do NeuroLeadership Institute. “Conhecer o que ativa uma resposta de recompensa permite que as pessoas motivem outras com mais eficácia.”
O cenário já está mudando e, felizmente, muitas organizações já começam a dar mais abertura para as emoções e os sentimentos. Lembro do caso de uma empresa cujo presidente estava deixando o cargo e, ao se despedir das pessoas que trabalhavam na fábrica, foi surpreendido com um vídeo de homenagem. A surpresa despertou a emoção. Ele começou a chorar de alegria, mas em seguida pediu desculpas por isso, como se fosse errado demonstrar sua emoção com o choro.
Essa divisão não condiz com a realidade complexa da nossa natureza humana. Inclusive, gosto de reforçar que a emoção não se opõe à razão.
Também gosto de uma história que escutei de um CEO de uma multinacional. Ele contou como sempre acolhia homens e mulheres da equipe quando porventura choravam em sua sala durante conversas difíceis. “Não é fraqueza, mas sinal de como a pessoa confia em mim para se abrir assim”, resumiu ele, que também se permitia chorar.
Demonstrar emoção é algo natural e uma maneira de mostrar que nós somos seres humanos. Que bom chegar a esta constatação, afinal, apenas pessoas psicopatas não sentem emoção!