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Cris Kerr

Por VOCÊ S/A
Cris Kerr é CEO da CKZ Diversidade, consultoria especializada em Inclusão & Diversidade, professora da Fundação Dom Cabral, Mestra em Sustentabilidade e idealizadora do Super Fórum Diversidade & Inclusão.
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Até quando as mulheres terão que “aguentar o tranco” no trabalho?

Mulheres ainda são as principais vítimas do alto nível de assédio em ambientes corporativos – e, se pedem demissão, são consideradas fracas.

Por Cris Kerr
24 jul 2024, 16h00
-
 (Klaus Vedfelt/Getty Images)
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E

xiste uma ideia enraizada no senso comum de que as mulheres são emocionalmente mais frágeis e não “dão conta” da pressão do ambiente de trabalho, como se “não aguentassem o tranco”. Isso não é verdade.

Muitas mulheres têm experiências mais tóxicas nas suas carreiras por causa da cultura da maioria das empresas. Por isso, podem se sentir pressionadas a pedir demissão por não suportar a repetição de tratamentos injustos ou violentos.

Nos treinamentos de Cultura e Liderança da CKZ Diversidade, tenho feito uma dinâmica com o depoimento que a minha irmã escreveu no meu livro “Cultura Organizacional Livre de Assédio”. Beatriz é engenheira civil e trabalhou em muitas obras. Ela narrou vivências extremamente problemáticas em várias companhias e eu me pergunto, quem aguentaria – ou deveria aguentar – esse tipo de ambiente tóxico?

Se você é homem, imagine ser recebido assim por sua liderança direta no primeiro dia em uma empresa onde só trabalham mulheres: “Ai, que saco, agora vou ter que construir um banheiro masculino!”. Ou, ainda, saber que uma nova liderança não quer você na equipe e ouvir no seu primeiro contato com ela: “Vocês trouxeram um homem? Podem levar ele embora”, como se estivéssemos falando de um móvel velho e incômodo.

Costumo pedir para as pessoas lerem o relato da Beatriz na íntegra e se perguntarem o que teriam feito no lugar dela e como essas situações poderiam ter tido outros desfechos? Ou como se sentiriam se a experiência não fosse narrada por uma pessoa desconhecida e sim por suas filhas, irmãs, esposas ou outra pessoa próxima?

O depoimento no livro traz outras situações tão ou mais desafiadoras quanto a do banheiro. Em uma companhia, ela previu um rombo financeiro, mas teve seu trabalho desacreditado. Um dos diretores considerou seus cálculos errados, o que a forçou a provar seu ponto para se proteger. No fim, ela estava certa, mas o estresse, a perseguição e o assédio moral foram tão persistentes que ela acabou pedindo demissão.

Nesse momento, é comum que as pessoas acreditem que seus vieses foram confirmados e pensem que “mulher não dá conta”. Mas será que alguém precisaria passar por situações como essas?

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Ambientes onde as pessoas se sentem constantemente sob ameaça, provocam frequentes descargas de adrenalina e cortisol no corpo – ansiedade e isolamento podem ser algumas das consequências. Segundo um estudo liderado pela professora de psicologia e neurociência, Julianne Holt-Lunstad, esses sentimentos representam um risco à saúde maior que o alcoolismo e são equivalentes ao consumo de 15 cigarros por dia.

Isso ocorre porque, sob estresse e ameaça constantes, o corpo aproveita a energia do sistema imunológico e aumenta a incidência de depressão, hipertensão, diabetes, burnout, doenças autoimunes e até câncer. Além disso, a dor social causada pela exclusão, rejeição e falta de reconhecimento é comparável à dor física.

O sofrimento psicológico causado por um ambiente de trabalho tóxico tem impacto na saúde, mas às vezes a ameaça é física. Uma das situações mais graves narradas pela Beatriz aconteceu em uma obra em que ela fiscalizava os engenheiros das empresas contratadas. A relação era tensa, até que um dia a discussão escalou e o gerente partiu para cima dela. Um colega precisou intervir para que minha irmã não fosse agredida.

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Essa foi a primeira vez que ela chorou por causa do trabalho. Conversamos por telefone logo depois. Eu disse que aquilo era mais um caso de assédio moral e que ela deveria prestar queixa. Depois disso, fizeram de tudo na empresa para forçar um pedido de demissão – e ela pediu porque não suportou mais. Para o senso comum, mais um caso de uma mulher que não aguentou o tranco.

Beatriz viveu também uma série de microagressões. Ganhou apelidos pejorativos como Pit Bia (de pit bull) e Katy Mahoney, policial da série Dama de Ouro, por causa do seu posicionamento firme e assertivo. Ouviu fofocas sobre um suposto relacionamento afetivo com um dos líderes que a protegia, pois confiava no seu trabalho e passava projetos importantes para ela.

As poucas mulheres que conseguem crescer na carreira não são reconhecidas pelo próprio mérito, mas por supostamente terem recebido alguma facilidade ou até mesmo terem tido um caso afetivo com alguém. Já escutei comentários dessa natureza vindo de homens e de mulheres.

O sofrimento psicológico causado por um ambiente de trabalho tóxico tem impacto na saúde, mas às vezes a ameaça é física.

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Muitas mulheres que conseguem perseverar em ambientes tóxicos recebem dos homens um elogio revelador de uma cultura viciada: “Você é igual a gente!”. E o que isso significa? Que elas são duronas, dão conta da pressão, falam palavrão.

É importante lembrar que homens também passam por situações parecidas, mas muitos não falam. Felizmente, conheci muitos homens sem o menor interesse em reproduzir esse tipo de comportamento – e que pediram demissão de empresas que estavam prejudicando sua saúde emocional.

Se a única maneira de “aguentar o tranco” em empresas sem cultura inclusiva é se embrutecer e terminar repetindo comportamentos violentos, a consequência é a perpetuação dessa própria cultura. Atualmente, Beatriz é minha sócia na CKZ Diversidade e reconhece, em retrospecto, o dano causado por atitudes até então consideradas pequenas.

A resposta não está na adequação e sim na educação e conscientização da liderança, além da mensuração nas avaliações de desempenho 360 graus. Só assim é possível transformar a cultura das empresas e impedir outras pessoas de passarem pelo que minha irmã passou.

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Se a única maneira de “aguentar o tranco” em empresas sem cultura inclusiva é se embrutecer e terminar repetindo comportamentos violentos, a consequência é a perpetuação dessa própria cultura.

Nós deixamos marcas emocionais em todas as pessoas com quem convivemos, sejam elas positivas ou negativas. Para as lideranças, deixo a pergunta: qual a marca emocional você está deixando? Qual o seu legado? Quando for embora da empresa, o que as pessoas lideradas por você dirão: “foi tarde” ou “que pena, era uma pessoa tão humana e inclusiva”?

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