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Entenda a diferença entre ser chefe e ser um líder

Saiba como desenvolver a habilidade da liderança do futuro, batizada de accountability — e garanta seu sucesso profissional

Por Michele Loureiro
Atualizado em 23 dez 2019, 11h16 - Publicado em 24 abr 2018, 17h00

Certa vez, ao assumir a presidência de uma companhia, um executivo encontrou seu antecessor, que tinha acabado de ser demitido. durante a conversa, o antigo chefe disse ao substituto que deixaria a ele três envelopes lacrados e numerados, e o aconselhou: “Abra as cartas sequencialmente nos momentos de crise”. Alguns meses depois, um problema sério surgiu, e o novo presidente leu a primeira mensagem, que dizia: “Culpe seu antecessor”. Foi isso que o CEO novato fez — e se sentiu melhor assim. Na segunda crise, o executivo recorreu aos envelopes e leu o novo conselho: “Culpe a equipe”. Ele achou que aquilo era uma boa ideia e tomou essa atitude. Não demorou muito para que surgisse mais uma situação delicada e a última carta precisasse ser aberta. Dessa vez, o recado era o seguinte: “Escreva três cartas”. Moral da história: um chefe que não assume a responsabilidade por seus erros, mais cedo ou mais tarde, será dispensado.

Essa anedota que tem circulado no mundo corporativo nos últimos anos ilustra o que um gestor não deve fazer e mostra a necessidade do desenvolvimento de uma competência essencial para a liderança: a ­accountability, tipo de gestão que reúne características como coragem, comunicação ágil, engajamento e autonomia.

O conceito está na ponta da língua dos especialistas e prega que, com o poder, vem a responsabilidade por tudo o que acontece com as equipes e com os resultados. “Essa é a habilidade do momento. É a hora de parar de apontar culpados e passar a se responsabilizar pelas decisões”, diz Eliana Dutra, CEO da ProfitCoach & Treinamento, do Rio de Janeiro.

O problema é que a maior parte da liderança ainda não atua dessa maneira. Uma pesquisa global da consultoria Lee Hecht Harrison, feita em 2016 com 1 900 executivos em 20 países, constatou que, no Brasil, 69% dos entrevistados estão insatisfeitos com o grau de comprometimento demonstrado pelos gestores — embora 71% considerem essa uma questão fundamental para o desenvolvimento das companhias. Mas existe um caminho para chegar lá.

Prestação de contas

A expressão accountability tem origem no setor público americano e é usada para responsabilizar os governantes por seus atos e para incentivar uma constante prestação de contas à sociedade. O termo ganhou força nas empresas privadas durante a crise econômica de 2008, quando algumas companhias americanas modificaram informações de seu balanço, o que acabou por deteriorar ainda mais as finanças do país. Ou seja, mais do que uma diferenciação entre responsabilidade e culpa, o conceito abrange outro aspecto: a transparência, característica que entrou na lista de prioridades dos brasileiros no que diz respeito às qualidades esperadas de um gestor. Ao serem questionados sobre o que torna uma companhia um excelente lugar para trabalhar, por exemplo, os funcionários que responderam à pesquisa do Guia VOCÊ S/A — As 150 Melhores Empresas para Trabalhar em 2017 apontaram o fato de ter chefes em quem possam confiar como um dos dez aspectos mais importantes (veja quadro da pág. 27).

E não era para menos. Com o país mergulhado em denúncias de corrupção, tanto no governo quanto em grandes empresas, cresceu a expectativa sobre os gestores. Já não há tolerância com desculpa do tipo “eu não sabia de nada” quando os erros aparecem. “Isso já existia, mas era mais leve. Agora estamos falando de um tópico essencial: o líder precisa responder por sua equipe em todas as situações, independentemente do que acontecer”, diz Josué Bressane Jr., sócio-diretor da Falconi Gente, consultoria de RH, de São Paulo.

Menos controle, mais consciência

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Mas como exercer essa liderança comprometida? Além de atuar sempre com transparência e ter celeridade para dividir informações relevantes com a equipe, é preciso entender que liderar não é mandar. É indicar o caminho para chegar aos resultados esperados e ser percebido como o agente que vai permitir que cada um atinja seus objetivos. “Em uma nova estrutura organizacional, o líder é como um maestro de uma sinfônica. Ele deve conduzir pessoas — transmitir sua visão, fixar metas, mobilizar e incentivar. Não precisa ser o melhor músico nem o mais virtuoso. Sua função não é impor o poder, mas compartilhar a responsabilidade com a equipe”, diz Jonathan Raymond, especialista americano em desenvolvimento de liderança e autor do livro Good Authority (“A boa autoridade”, numa tradução livre, ainda sem edição no Brasil).

Isso não quer dizer que a gestão deva ser frouxa, ao contrário. Os líderes responsáveis dividem as tarefas com suas equipes e monitoram os resultados obtidos, mas dão autonomia para que os funcionários resolvam as próprias questões, mantendo a porta aberta para qualquer dúvida, problema ou sugestão. “Quando as pessoas sentem que sua voz é ouvida, elas se engajam mais no trabalho. Quando apenas executam, não ocorre o mesmo envolvimento”, afirma Josué.

Para isso dar certo, cada um deve en­tender exatamente qual é sua responsabilidade — tanto líderes quanto liderados. Se os papéis são claros, há menos risco de “­desculpability”, atitude de quem não consegue fazer as entregas e, em vez de focar a melhora da performance, busca justificativas para os problemas. “Isso é mais comum em jovens líderes que sentem que pôr a culpa no outro deixa a situa­ção mais confortável”, diz Anamaí­ra ­Spaggiari, gerente de produtos da Fundação Estudar, de São Paulo. “Há situa­ções sobre as quais temos maior ou menor controle, mas a questão é estar consciente de que o poder de mudar o cenário está em nossas mãos.”

Só que não adianta nada explicar aos outros seus papéis se o próprio líder não entende sua verdadeira função na organização e seus objetivos de longo prazo. “Você precisa refletir por que está naquela posição, se quer mesmo seguir esse caminho e quais são suas fortalezas e limitações”, diz Fábio Eltz, consultor da Integração Escola de Negócios, de São Paulo. É apenas com essa reflexão que os gestores conseguem desenvolver as ferramentas necessárias para engajar o time, dividir corretamente as funções e suportar o peso emocional que vem junto com o poder. Afinal, nas mãos do líder estão as histórias, as ansiedades e as expectativas de milhares de pessoas — o que gera a responsabilidade de assegurar o sucesso do negócio e fazer com que as equipes e empresas trilhem o melhor caminho possível. Tamanha expectativa pode até assustar. Mas a coragem para assumir essa responsabilidade é o que transforma simples chefes em verdadeiros líderes.

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CULTURA DE RESPONSABILIDADE

(Germano Lüders/VOCÊ S/A)

Viveka Kaitila, 51 anos • CEO da GE no Brasil

  Nos últimos três anos, a multinacional GE apostou boa parte das fichas da subsidiária brasileira no setor de óleo e gás, que parecia promissor. A ideia era aumentar a geração de energia e engordar o faturamento da operação local. Porém, a ausência de leilões nos últimos dois anos e a conjuntura de crise fizeram com que o setor não decolasse como esperado. Mas, afinal, de quem foi a culpa desse erro de cálculo?

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Para a finlandesa Viveka Kaitila, CEO da GE no Brasil, essa não é a pergunta correta. “Meu trabalho não está em prever variáveis internas e externas, mas em corrigir rotas e buscar oportunidades.” Essa postura ajudou a companhia a manter o crescimento global no último ano, mesmo que abaixo das expectativas dos acionistas. Na GE, a postura de accountability ganhou mais ênfase em 2017, quando o executivo americano John Flannery assumiu o comando mundial. Em seu primeiro comunicado aos funcionários, ele declarou que a demanda dos investidores e do mercado é que todos adotem esse conceito como fio condutor do desenvolvimento dos negócios. Viveka, há 20 anos no grupo, procura replicar essa mensagem para a equipe no dia a dia. “Adoro estar perto dos funcionários e atuar como uma mentora de talentos. É minha principal motivação como líder e tem uma consequência positiva: o compartilhamento da responsabilidade com todos da equipe.”

ESTÍMULO À INOVAÇÃO

(Andre Valetim/VOCÊ S/A)

Rony Meisler, 38 anos • Fundador e presidente da Reserva

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Uma das preocupações de Rony Meisler, fundador e presidente da marca de roupas carioca Reserva, é estimular um espírito de colaboração constante entre os 2 000 funcionários que carregam o crachá da empresa. Para isso, ele incentiva os empregados a propor melhorias e a se sentirem à vontade para testar e errar. Esse espírito aberto às falhas existe desde a fundação da empresa, em 2004, quando Rony e seu sócio, Fernando Sigal, decidiram criar camisetas com mensagens bem-humoradas. “A Reserva nasceu para dar errado, pois não tínhamos experiência na área. Fomos falhando e aprendendo. Esse é um de nossos pilares.” Uma das estratégias para que isso funcione é a transparência. Quando uma das principais lojas da rede foi assaltada, por exemplo, todos foram informados sobre o caso e um dos empregados propôs uma campanha brincando com o assunto. “Criamos uma promoção usando imagens do assalto, foi um jeito leve de lidar com algo difícil.” A abertura para ideias inusitadas existe porque Rony se mantém presente no dia a dia e tenta fazer com que todos se sintam tranquilos para ousar. “Estou aberto para conversar e costumo dizer que tudo de ruim que acontece na Reserva é minha culpa e que a responsabilidade por tudo de bom que acontece é da equipe.”

OUVIDOS ABERTOS

(Germano Lüders/VOCÊ S/A)

Walter Schalka, 56 anos • Presidente da Suzano Papel e Celulose

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Ocupando posições de liderança desde os 31 anos, Walter Schalka comanda uma grande transformação na Suzano Papel e Celulose, que dirige desde 2013. Sob sua batuta, a companhia está adotando uma gestão transparente e que dá autonomia aos liderados — a receita básica da accountability. E o grande papel do executivo é fazer com que essa mentalidade seja absorvida pelos 8 000 funcionários da companhia. “Tenho de mostrar que todos têm responsabilidade no resultado. Afinal, se o barco estiver furado, todo mundo vai afundar junto, independentemente de onde tenha surgido o vazamento.

Perde-se tempo no jogo de encontrar culpados, enquanto a energia deve ser usada para buscar alternativas.” Não à toa, Walter reserva parte da agenda para visitar as diversas áreas da companhia, que tem escritório na capital paulista e em cinco unidades industriais em São Paulo, Bahia e Maranhão. A cada trimestre, vai a todas as plantas para dividir os resultados financeiros e ser questionado pelas equipes — o executivo costuma responder a cerca de 100 perguntas em cada encontro. “Não dá para pedir comprometimento e responsabilidade sem se dedicar a escutar as pessoas e a entender suas dificuldades.” Essa postura parece render bons frutos. Além de transformar a Suzano de uma empresa endividada numa companhia saudável, Walter é bem avaliado por seus funcionários. Dados do Guia VOCÊ S/A — As Melhores Empresas para Começar a Carreira de 2017 mostram que 78% dos profissionais entrevistados confiam no executivo.

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