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Os desafios dos pais e mães no home office

Não, a vida de pais e mães no home office não cabe nas 24 horas do dia. Para fazer caber, só aceitando as imperfeições do escritório caseiro. Veja como.

Por Alexandre Carvalho | Ilustração: Rodrigo Cordeiro | Design: Brenna Oriá e Tiago Araujo
Atualizado em 20 Maio 2021, 17h11 - Publicado em 10 Maio 2021, 17h00

A cena se desenrola num cenário híbrido: um quarto de casal metamorfoseado para incluir um arremedo de escritório. Instalamos uma mesa retangular entre a cama e o guarda-roupa, e eu e minha esposa passamos as manhãs e tardes de pandemia espremidos nesse bedroom office, enquanto nossas duas filhas pequenas ficam do lado de fora, cuidadas pelos meus sogros (que deveriam ser canonizados em vida).

Estou entrevistando, por Zoom, o CEO de uma das maiores multinacionais com presença no Brasil, enquanto a Ju, minha mulher, coordena um workshop online de educação corporativa – tudo a dois palmos um do outro. De repente, o sutil equilíbrio entre as vozes dos dois cantos da mesa é estraçalhado por chutes violentos na porta – insistentes, acompanhados por gritos de desespero.

É impossível ignorar. Nossos interlocutores fazem cara de assustados. Pedimos desculpas e vamos ver se alguém se feriu gravemente ou se um bandido mascarado – ou pior, sem máscara – invadiu o apartamento. Mas não. Claro que não.

“A Malu falou que dinossauro não existe!”, soluça de tanto chorar nossa Ceci, a de 2 anos. Maria Luísa, a de 5, berra a verdade inconveniente da extinção dos dinos. Meus sogros chegam, enfim, correndo para lidar com esse debate jurássico. E voltamos a trancar a porta.

Parece engraçado hoje, mas na hora esse episódio tragicômico abalou: minha concentração, minha segurança diante daquele CEO e a linha de raciocínio do meu entrevistado, não necessariamente nessa ordem.

O que me confortou foi a certeza de que não sou o único pai a enfrentar perrengues diários nesse arranjo disfuncional que tem sido o home office com crianças. Tão disfuncional que – dia sim, outro também – parece um hospício. Ou um cárcere privado. Uma analogia razoável para o closet office onde trabalhou, durante um período da pandemia, a jornalista Débora Zanelato.

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(Rodrigo Cordeiro/VOCÊ S/A)

Closet office

Moradora de um apartamento de 57 metros quadrados, ela conseguiu encaixar cadeira e notebook dentro do guarda-roupa. E trabalhava ali, desviando de cabides e meias. A intenção, além de conseguir isolamento máximo, era ter, acredite, uma alternativa mais ergonômica.

“Quando começou a pandemia, eu quase chorava só de imaginar que seria uma rotina de muita interrupção e pouco foco. Minha primeira opção foi trabalhar sentada na cama de casal, com as pernas cruzadas e o computador em cima de travesseiros. Mas a má postura me rendeu uma dor horrorosa no pescoço e muita fadiga.”

Débora consultou-se com uma fisioterapeuta especializada em ergonomia e chegou à conclusão de que o armário era o único espaço, separada do filho de quase 3 anos, em que poderia trabalhar com a coluna ereta e os braços em 90 graus. Quando acabou desistindo desse improviso, não foi por claustrofobia, mas pelo estresse de ter de passar o dia se esquivando da criança. “Muitas vezes eu ficava adiando o momento de encher minha garrafinha de água ou até de ir ao banheiro para que ele não me encontrasse.” Percebeu, então, que estava à beira de um burnout – o esgotamento físico e mental de quem vive sobrecarregado.

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(Arte/VOCÊ S/A)

A contração do espaço-tempo

O sofrimento psicológico de Débora não é caso raro entre profissionais no home office. Como se não bastassem um assassino invisível em forma de vírus, as vacinas que não chegam e a ameaça do desemprego numa economia em frangalhos, quem tem filhos se viu, da noite para o dia, na obrigação de misturar as exigências da atividade profissional com a dedicação às crianças – tudo no mesmo espaço-tempo.
Traduzindo para quem não é mãe nem pai, isso significa colocar no liquidificador uma série de atividades como estas: preparar e servir três refeições diárias (fora os lanchinhos), fazer relatórios para a empresa, ajudar na aula online e nas lições das crianças, participar de reuniões por vídeo, trocar fraldas, dar feedback a um funcionário, confiscar o celular do adolescente… Sempre mantendo um olho na tela do computador e o outro no bebê que tenta subir na mesinha de centro.

O resultado contrasta mais trabalho com produtividade menor – e pode ser perigoso para a saúde. “Existe um cansaço e um estresse por causa da sensação de que nada está sendo bem-feito”, alerta a psicóloga e orientadora parental Fernanda Rímoli.

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“Nem o trabalho, nem o cuidado com os filhos, com a casa, nem consigo mesmo. Fica uma insatisfação, um sentimento de falta de realização. As pessoas nunca estão inteiras naquilo que estão fazendo.”

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(Rodrigo Cordeiro/VOCÊ S/A)

Outra Fernanda (Bomfim), analista de marketing da Sodexo, está no sexto mês de gravidez. O futuro bebê virá se juntar a uma criancinha de 2 anos e ao papai no confinamento do home office. É para ser um momento lindo, mas o neném encontrará uma mãe que, de tão cansada, sente que perdeu a noção do tempo.

“Eu não sei se acordei numa segunda, numa terça ou num domingo porque os dias são iguais. Estou sempre exausta e, no final do trabalho, minha filhinha me chama para brincar. Mas eu só penso em descansar nessa hora e fico me culpando. Não consigo tirar uma dúvida da cabeça: com que nível de qualidade estou fazendo tudo isso?”

O questionamento tem razão de ser. Uma pesquisa da Catalyst – organização americana para inclusão de mulheres no mercado de trabalho – apontou que muitos pais e mães estão preocupados com o risco de a presença dos filhos no ambiente de trabalho ser prejudicial às suas carreiras. 41% entre mil entrevistados se disseram com medo de ser penalizados por lidar com os cuidados parentais no horário do expediente. A boa notícia é que há boias salva-vidas nesse mar revolto.

Apoio psicológico

Fundada há três anos como uma plataforma de conteúdo, a Bloom se transformou num serviço de apoio a mães e pais que trabalham. Os funcionários das empresas que a contratam têm acesso a um aplicativo com conteúdos de saúde e bem-estar gravados por especialistas – médicos e psicólogos –, um chat com uma enfermeira e acesso a teleatendimento. Em 2018, a Bloom foi uma das dez startups aceleradas pelo Facebook na Estação Hack, seu centro de inovação em São Paulo.

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(Arte/VOCÊ S/A)

“Funcionamos como um benefício corporativo, que ajuda empresas a fortalecer uma mentalidade organizacional amigável à família”, explica Nathalia Goulart, head de parcerias. “Sabemos hoje que metade das mulheres deixa o mercado com a chegada de um filho. Então, com nossa ferramenta de apoio, evitamos que a empresa perca uma boa profissional, já que o custo com turnover é grande.”

E, nesta crise do coronavírus, o que não falta é demanda para quem oferece apoio psicológico. “Tivemos um aumento de procura em torno de 300% por causa da pandemia”, diz Nathalia. “Quando estava todo mundo no escritório, era fácil fingir que a família do funcionário não existia ou não era problema da empresa. Agora essas crianças estão aí, aparecendo nas videoconferências. Muitas mães e pais acessam nosso chat só para desabafar.”
Se o objetivo da Bloom passa por reter talentos, o da MamaJobs é conectar profissionais mães com empresas que abraçam a ideia de vagas flexíveis – no que diz respeito a horários, participação em reuniões e também trabalhar de casa.

Além de intermediar na contratação, a MamaJobs apoia a empresa a estabelecer uma cultura em que a maternidade não seja um obstáculo para a ascensão na carreira. “Mas essa opção só vai funcionar se o empregador estiver aberto a fazer uma série de combinados”, diz Mariana Gabrijelcic, uma das sócias. “Muito chefe não percebe, mas quem está em home office com o filho precisa interromper o trabalho para preparar o almoço. Só que a empresa enche o dia da pessoa de reuniões, inclusive às 11h30, meio-dia… E assim o que era para ser uma comodidade vira um inferno.”

Como não enlouquecer

Não é só com seu empregador – ou com os seus clientes, se você for um profissional autônomo – que você precisa fazer acordos. Os combinados devem incluir seu sócio nesse empreendimento desafiador que é o casamento. E as crianças também.

É importante que o casal converse para estabelecer rotinas em que um ou outro esteja mais disponível para os filhos em determinados momentos. Quem vai ter uma reunião mais exigente na parte da manhã? Então o parceiro – ainda que não deixe de trabalhar por causa disso – é o que deve estar mais próximo às crianças.

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Aliás, quem vai dar banho nos pequenos? Lavar a roupa? Limpar o banheiro? A pandemia é também um beliscão na bunda de homens que costumavam deixar as tarefas de casa a cargo da mulher. Um estudo da Bonnier Custom Insights – braço da editora Bonnier Corporation –, com 500 mães americanas em home office, apontou que 81% delas sentiram queda na produtividade. Segundo o IPEA, mulheres dedicam até 25 horas semanais aos trabalhos domésticos, enquanto os homens só separam 10 horas para esses cuidados. Mas agora, no home office, a equidade de gênero se impõe: afinal, ela pode estar tanto no computador quanto ele.

Especialista em valuation para empresas prestes a fazer seu IPO, Luciana Doria Wilson divide com o marido, Peter Wilson, a sociedade na Managrow, uma consultoria financeira para novos empreendimentos e companhias que desejam crescer adquirindo outros negócios. Parceria que se estende à hora de ajudar os filhos – um garoto de 10 anos e uma menina de 5 – nas aulas online. “No caso do mais velho, dividimos por disciplina. Ele gosta de estudar matemática comigo. Também sou a pessoa que organiza mais os esquemas para as aulas. Mas todas as outras matérias ficam com o Peter. Ele tem mais paciência e habilidade para ensinar.”

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(Arte/VOCÊ S/A)

E o combinado com os filhos? Para a orientadora parental Fernanda Rímoli, tudo tende a ficar mais leve se a família estabelecer rotinas e os pais explicarem o porquê de cada ausência, de cada porta fechada. “Claro que pode ter uma flexibilidade nesse calendário, mas falar abertamente sobre os horários de trabalho e quando virá o intervalo para brincadeiras gera menos ansiedade em relação
à separação.”

Outra dica da psicóloga é ser forte no desapego e – sempre que viável – manter a barreira física do escritório. “Ajuda muito que o genitor que está no trabalho não fique visível, principalmente para criança de até 3 anos. Ou a menina e o menino não vão entender por que não estão recebendo atenção daquela pessoa que está bem ali, diante deles. Isso gera dúvida e angústia. E muito choro também.”

Acolha a imperfeição

Para não perder a sanidade mental nesse apocalipse doméstico, há duas dicas principais. A primeira é manter uma disciplina de autocuidado. Luciana e Peter Wilson fazem meditação. Fernanda Bomfim praticava caminhadas e agora, com a gravidez avançando, trocou-as pela ioga online. Débora Zanelato começa o dia com um ritual de exercícios de respiração contra a ansiedade.

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Não consegue achar tempo para nada disso? Então não caia na armadilha de ficar se culpando. Aquele influencer de Instagram rei dos pães caseiros talvez não tenha filho pequeno. “A conta não fecha”, afirma Débora. “Não tem como, ao mesmo tempo, você se alimentar bem, praticar exercícios, propor atividade para as crianças, assistir sua série, ler um livro e ainda trabalhar dez horas por dia. Incutiram na gente essa obsessão de que precisamos dar conta de tudo, mas é uma ideia que está escravizando as pessoas.”

E aí vem a segunda dica: acolha a imperfeição. É preciso entender que o home office com filhos é um cobertor curto. Se você estiver bombando de produtividade no trabalho, é porque o cuidado com as crianças foi para baixo do tapete. E vice-versa. O ideal é achar um equilíbrio aceitável entre os dois lados. Então não arranque os cabelos por não estar entregando 100% do seu potencial. E isso vale para a casa também: ninguém vai morrer se aquela louça suja dormir na pia uma noite.

Respeite seus limites. E aproveite o que esse período tem de melhor, que é um nível inédito de conexão entre pais e filhos. Com todos os seus transtornos, o home office em família nos legou um aprendizado valioso: o de que sua vida profissional é indissociável da sua vida pessoal. É a sua vida, ponto. Mas enfrentar uma hora de trânsito até o escritório nos fazia esquecer disso.

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