O mito da resiliência
O mantra de que ser resiliente é a melhor resposta para aguentar a pressão, o excesso de trabalho e aturar chefes insensíveis traz sérias consequências
Saltar de novo. Em latim, esse é o significado literal da palavra “resiliência”. O termo vem sendo usado desde o século 19 para descrever, na física, a capacidade de os objetos voltarem ao normal depois de passarem por deformações — como uma mola que, após ser esticada ao extremo, se recompõe como se nada tivesse acontecido. Do ponto de vista psicológico, a resiliência se traduz na capacidade de se adaptar a circunstâncias estressantes e se recuperar de eventos adversos. Há alguns anos, a palavra se espalhou pelo mundo do trabalho a ponto de se tornar um jargão corporativo.
Não é raro encontrar vagas que exijam que o candidato tenha a resiliência como uma de suas habilidades, ver a palavra estampando os valores de uma companhia ou achar cursos cujo objetivo seja tornar os negócios mais resilientes.
Em momentos de transformações rápidas e de crises profundas, como a que estamos vivendo com o novo coronavírus, o interesse do mercado pelo tema se intensifica: a resiliência parece ser a resposta para que empresas e profissionais saiam a salvo lá na frente, quando tudo passar. Ouvimos que, se formos resilientes, conseguiremos nos adaptar às mudanças e ter força mental suficiente para seguir em frente e dar a volta por cima.
Até onde você aguenta?
Mas não é bem assim. Se colocarmos todas as fichas nessa característica acreditando que aguentaremos cargas excessivas — e comprarmos o discurso que, infelizmente, ainda é altamente difundido de que temos de suportar qualquer coisa para manter o emprego —, o risco de extrapolarmos os limites físicos e mentais será enorme. Se não conseguimos retornar à forma original depois de submetidos a tal deformação elástica, como diz a física, significa que algo está errado.
Alguns estudos mostram que mesmo as competências adaptativas se tornam inadequadas quando levadas ao extremo. Uma pesquisa feita por Rob Kaiser, presidente da Kaiser Leadership Solutions, que atua na avaliação e no desenvolvimento de líderes, aponta que forças se tornam fraquezas quando submetidas ao extremo. Isso quer dizer que a resiliência tem, sim, seu lado prejudicial.