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Excesso de tecnologia na quarentena cria problemas físicos e emocionais

Aprenda o que fazer para não se deixar levar por muitas horas em frente às telas

Por Natalia Gómez
Atualizado em 17 out 2024, 10h51 - Publicado em 15 set 2020, 08h00
Gisela de Castro, atriz e escritora: para diminuir o cansaço do uso excessivo de telas, os computadores são desligados às 19 horas e a família brinca com jogos de tabuleiro (André Valentim/VOCÊ S/A)
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No isolamento social, a tecnologia se tornou a única forma de continuar a trabalhar, estudar e se relacionar com amigos e parentes, mesmo que a distância. Sem poder sair de casa, até as atividades físicas e as happy hours passaram a ocorrer por meio de telas de celulares ou de computadores. Embora a tecnologia seja útil nessas tarefas, seu uso excessivo pode comprometer o bem-estar físico e a saúde mental. Depois de quase cinco meses de quarentena, o excesso de conectividade já se tornou um problema para muita gente.

A atriz e escritora Gisela de Castro, de 46 anos, é um exemplo. Desde que se isolou com o marido e a filha em seu apartamento no Rio de Janeiro, Gisela passou a fazer várias atividades pelo computador, como trabalhar, assistir a aulas de literatura a distância, fazer exercícios físicos, além de ver lives e filmes para espairecer. Isso sem falar das aulas a distância da filha de 11 anos, que são acompanhadas de perto pela mãe.

Em poucas semanas, o excesso de exposição às telas começou a causar uma série de desconfortos físicos, como dores musculares nos ombros e no pescoço, tendinite e cansaço visual. “Era o tempo todo com muita tela e luz constante nos olhos. Até o entretenimento era virtual. Rapidamente fiquei muito cansada disso tudo”, explica Gisela.

O corpo fala

Segundo especialistas da área da saúde, o cansaço sentido por Gisela é um dos sinais de que o uso da tecnologia passou da conta. Problemas posturais que causam incômodos físicos são um dos primeiros indicativos de que chegou a hora de reduzir a exposição. Dores de cabeça, desconforto nos olhos e dificuldade para dormir são outros sintomas físicos comuns. “Esses problemas são acentuados quando as pessoas não têm um local de trabalho adequado dentro de casa”, afirma a psicóloga Anna Lucia Spear King, fundadora do Laboratório Delete-Detox Digital e Uso Consciente de Tecnologias do Instituto de Psiquiatria da UFRJ.

Além disso, o uso exagerado dos dispositivos pode aumentar a ansiedade e favorecer o desenvolvimento ou a progressão de transtornos mentais. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), existe o risco de as pessoas desenvolverem ou intensificarem a nomofobia, que é o medo de ficar desconectado — ou longe do mobile phone, o telefone celular.

Esses problemas são agravados pelo contexto social vivido por grande parte das pessoas. Afinal, além da hiperconectividade, a maioria enfrenta o receio de contrair o novo coronavírus e as preocupações financeiras trazidas pela pandemia. “A somatória de medo, doença e crise econômica gera um quadro angustiante”, diz o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

Foi esse conjunto de fatores que tirou o equilíbrio do empresário Ricardo Eloi, de 39 anos. Com o surgimento da pandemia, Ricardo se isolou em home office com a família em uma fazenda no interior de São Paulo no dia 20 de março. Então teve início uma fase de uso descontrolado de tecnologia, que causou estresse, insônia e até uma infecção de garganta que se prolongou por dois meses. “Eu cheguei a acordar de madrugada pensando que estava enfartando”, diz.

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Para dar conta das demandas profissionais, o tempo gasto em aplicativos de mensagens se multiplicou por quatro no começo da quarentena. O uso era tão intenso que ele precisava carregar o aparelho de telefone três vezes ao dia. Além disso, ele participava de cinco a sete reuniões diárias para tentar lidar com a crise na empresa. Sem hora para comer nem para descansar, sentiu a qualidade de vida cair e o relacionamento com a família esfriar.

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(Getty/Getty Images)

Foco e pressão

Uma das explicações para os problemas vividos por Ricardo é que o cérebro humano não foi programado para operar sem o relacionamento presencial. Isso porque mais de 70% da comunicação entre as pessoas ocorre de forma não verbal. Ou seja, é preciso colocar muito mais atenção e dedicação no trabalho a distância.

“O cérebro tem dificuldade de tornar inteligível grande parte das informações que antes absorvia por meio das interações presenciais”, explica o especialista da USP. “A tela exige um hiperfoco e é por isso que as pessoas estão extenuadas.” Além disso, existem mais distrações em casa do que no escritório. Dessa forma, o cérebro faz um esforço muito maior e disso resulta o cansaço.

Segundo Denise Delboni, professora na FGV Eaesp, a grande vantagem do home office deveria ser a autonomia, mas não é bem isso o que está acontecendo. No momento, muitos profissionais não estão conseguindo trabalhar nos horários que mais combinam com seu ritmo biológico, pois precisam estar disponíveis o tempo todo, além de comparecer a reuniões frequentes. “O home office foi desvirtuado agora, e o empregador está pressionando mais os funcionários. Em tempos de crise, estão todos ansiosos”, afirma.

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(Arte/VOCÊ S/A)

O que fazer?

Embora o desafio seja grande, existem estratégias que podem ser adotadas para não se perder na hiperconectividade. A principal delas é colocar limites para o uso das telas, estipulando um tempo diário para isso. Evitar ficar no celular ou no computador antes de dormir é outra recomendação importante, já que o excesso de tecnologia pode causar alterações no sono. A luz azul presente nos aparelhos eletrônicos interfere diretamente na produção de melatonina, o hormônio que nos deixa sonolentos. “É comum encontrarmos pacientes com alterações no sono e no ritmo circadiano devido ao excesso de tecnologia”, afirma Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Além disso, vale criar uma rotina que inclua tempo para a família e para o lazer offline. Leitura de livros, atividades manuais, relaxamento e ioga podem ser grandes aliadas neste momento. Buscar diversão fora das telas foi o que ajudou a atriz e escritora Gisela a superar o mal-estar causado pelo uso exagerado de tecnologia. Preocupada com sua saúde e também com o bem-estar da filha, ela comprou alguns jogos de tabuleiro e retomou o antigo costume de jogar baralho. Além disso, incentivou todos a cozinhar juntos, seja para fazer refeições em família, seja para comer um bolo no fim de semana. E, a partir das 19 horas, as telas precisam ser desligadas — a exceção é colocar música no celular. “Se não achar essas alternativas, a gente vira escrava, porque o celular virou uma extensão do corpo”, diz Gisela. Por isso, ela começou a ler e a escrever mais no papel — algo que a tem ajudado em seu atual projeto, de escrita de um livro infantil.

Interromper o trabalho para se levantar da cadeira, esticar o corpo, tomar água, ir ao banheiro e piscar muitas vezes são estratégias simples que podem fazer a diferença. Não há uma regra que estipule de quanto em quanto tempo deve-se tirar um tempinho para descansar, mas o importante é não se deixar levar por muitas horas no computador.

Outro conselho é evitar fazer várias tarefas ao mesmo tempo. Se estiver numa reunião virtual no notebook, por exemplo, o ideal é deixar o celular em outro cômodo, segundo Cristiano, da USP. Além disso, ele recomenda que as abas abertas no computador sejam fechadas, assim como as redes sociais, e que as anotações sejam feitas em papel. “Assim o cérebro tem mais condições de decodificar as informações e memorizá-las”, explica o psicólogo.

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“Ficar saltando de tela para tela é um erro. Se você fizer isso, o estresse emocional será imenso no fim do dia.” Interromper o trabalho para fazer as refeições também é fundamental — e procure manter todas as refeições: café da manhã, almoço, jantar e pequenos lanches.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Criando rotinas

O empresário Ricardo fez uma grande revisão da agenda para gerenciar melhor o tempo e se recuperar de sua crise física e emocional. Ele conseguiu ajustar sua semana de trabalho entre segunda e quinta-feira e deixou a sexta-feira e o fim de semana dedicados exclusivamente à família e ao lazer.

Durante o expediente, passou a iniciar as reuniões diariamente às 8 horas e a reservar o horário das 9h30 para tomar o café da manhã. Depois, começa outra maratona de reuniões, que vão até o meio-dia. Às 12h30 ocorre uma nova pausa, dessa vez para o almoço. Em seguida, ele segue trabalhando até as 17 horas. Depois disso, a prioridade são as atividades pessoais e familiares. “Tenho dois filhos, e meu foco à noite é dar atenção a eles”, conta.

Com a mudança, evita ao máximo marcar reuniões às sextas-feiras, pois é nesse dia que começa seu fim de semana prolongado na fazenda. “Praticar atividades físicas e estar em contato com a natureza são válvulas de escape importantes.” Para quem está se sentindo muito mal com a hiperconectividade, pode ser útil procurar ajuda especializada, como um psicólogo ou psiquiatra. “Quando notar alguma alteração em seu estado de saúde mental e em seu comportamento, é importante ter um apoio”, diz Andrea Loss Nunes, doutora em psicologia pela Universidade Estadual do Espírito Santo (Ufes).

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Caso contrário, o excesso de estímulos poderá ter consequências graves, mesmo depois que a situação de isolamento social terminar. Isso porque, quando a pandemia passar, as defesas emocionais tenderão a ser “desativadas” e os sentimentos poderão vir à tona todos de uma vez. É nessa hora que muita gente pode entrar em um quadro depressivo ou sofrer outros transtornos mentais. “Colocar em risco a saúde mental pode ser tão ruim quanto pegar o coronavírus”, diz Cristiano Nabuco. Melhor se precaver.


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